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5 PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO FUTURA

5.2 J USTIFICAÇÃO DO ESTUDO

Para além da experiência profissional da autora, a revisão bibliográfica demonstra que os sistemas de proteção de crianças ainda continuam a retirar crianças e a falhar na sua reunificação, principalmente por motivos de fragilidade sócio-económica (Eamon & Kopels, 2004) e dificuldades na gestão desses recursos, que se prolongam no tempo. O número reduzido de profissionais, o facto de serem pouco especializados e a ainda pouca aposta das entidades na formação permanente e numa supervisão dos seus técnicos, são sugeridos por Linares (2002) como fatores de influência no fenómeno que designa de maltrato institucional, ou seja, o fracasso dos serviços no exercício das suas funções específicas ou quando aqueles geram mal-estar no utente que, supostamente, deveria beneficiar das mesmas. Nesta sequência, Lawick e Bom (2008) vão mais longe, referindo que o

63 trabalho com este tipo de famílias deve ser realizado por terapeutas sistémicos experientes, altamente qualificados e treinados. Turnell e Edwards (1999), por sua vez, referindo-se à sua experiência enquanto profissionais a intervir no sistema de proteção de crianças e jovens australiano chamam a atenção para a frequente tensão e divisão de opiniões por parte de diferentes entidades avaliando o mesmo caso, relativamente ao que deve ou não ser definido como negligência e abuso de crianças.

Apesar de assistirmos a algumas reformas que vão dando um enquadramento legal e teórico mais especializado ao sistema de proteção, a autora coloca a hipótese de que algumas retiradas de crianças continuem a ser efetuadas de uma forma pouco consistente em termos de avaliação do risco/perigo ou da proteção, desprotegendo ainda mais as crianças e jovens que estão sujeitos a elas e desqualificando as suas famílias relativamente às suas responsabilidades parentais e familiares. Já em acolhimento, existem poucas equipas habilitadas para realizar um trabalho de intervenção e avaliação da reunificação familiar que seja capaz de incidir a sua ação na reestruturação dos laços familiares, e não apenas na identificação contínua dos fatores de risco e do seu controlo.

A aliança terapêutica tem sido destacada ao longo deste trabalho como a dimensão transversal essencial durante todo o processo terapêutico, e não as técnicas e a focalização no “problema”. No entanto, tendo em conta algumas das histórias de vida das famílias que integram o sistema de proteção, caraterizadas por episódios de negligência e abusos mais ou menos graves envolvendo crianças e jovens, alguns em idades muito precoces, a construção de uma relação de confiança com um(a) abusador(a) parece ser um desafio para alguns técnicos, pelo que o sistema se centra maioritariamente na reabilitação da vítima, negligenciando o maltrato como um fenómeno relacional (Linares, 2002). Para além disso, após a definição de um projeto de vida de adoção, a intervenção com os progenitores/cuidadores abusadores cessa, até que nova situação de risco/perigo venha a ser denunciada. Perceber os fatores que condicionam a implementação de uma intervenção terapêutica colaborativa com famílias negligentes/abusadoras, assim como o processo que decorre entre a fase prévia e posterior à definição do projeto de vida de adoção, e refletir sobre um plano de intervenção que abranja pais negligentes/abusadores cujo(s) filho(s) tenham sido encaminhados para adoção é uma área por explorar em Portugal, pelo que uma investigação neste âmbito se revela muito pertinente.

A intervenção tradicional desenvolvida com estas famílias, ou seja, de diagnóstico e encaminhamento para vários técnicos e serviços, consoante os diversos problemas identificados, resulta geralmente numa acumulação de intervenções fragmentadas e descoordenadas (Sousa et al., 2007; Barradas, 2010). Desenvolver uma intervenção em rede, com profissionais flexíveis, criativos e com competências diversificadas em diferentes áreas (Rojano, 2004, cit. por Barradas, 2010), que partilhem a sensibilidade para o trabalho terapêutico (Linares, 2002), parece ser o ponto de partida

64 para uma intervenção mais eficaz junto das famílias multiproblemáticas ou multidesafiadas, maltratantes. Esta deve incidir no desenvolvimento de relações de confiança com as famílias, na identificação das estratégias mais ou menos eficazes, no envolvimento das famílias nesse processo, no agir sobre o padrão dos problemas (e menos nestes individualmente) e na identificação das competências das famílias e das suas redes (Sluzki, 1992, cit. por Barradas, 2010).

Apesar de a referência seguinte ser relativa a uma reforma realizada em 1980 na Austrália, numa realidade diferente da portuguesa, aplica-se a uma necessidade contínua de questionarmos as nossas práticas profissionais e de as tornarmos mais eficazes na procura da melhoria de vida das crianças e família abrangidas pelo sistema de proteção: “Protection of the child has been the focus of attention in the child welfare system. The Adoption Assistance and Child Welfare Act of 1980 established a comprehensive set of legal and funding requirements governing placement and support for children in foster care and adoption. This major reform was developed in response to mounting evidence that children were removed from home inappropriately, experiencing multiple foster placements, languishing in care for years at a time, and subject to inadequate efforts to reunify them with their families or find them permanent homes where necessary.” (The National Technical Assistance and Evaluation Center, 2008, p.43-44).

Começam a surgir em Portugal propostas de modelos de avaliação e intervenção com famílias multidesafiadas, como é o caso do Modelo de Avaliação e Intervenção Familiar Integrado MAIFI (Melo, 2010). No âmbito do Eixo 1 deste modelo, está incluída já a proposta de avaliação e/ou o apoio a famílias com crianças em situação de acolhimento institucional, quer ao nível do processo de reunificação, quer para a definição de outros projetos de vida. No entanto, continua a verificar-se uma separação entre a teoria e a prática, com as entidades responsáveis a terem em pouca consideração as produções científicas que emergem da realidade e que dão respostas válidas relativamente às mudanças a implementar para uma maior eficácia na prestação dos serviços e/ou no desempenho das funções. À semelhança do que tem vindo a realizar-se um pouco em todo o mundo (Turnell & Edwards, 1999), é necessário e pertinente continuar a explorar e investigar acerca dos procedimentos na intervenção com famílias multidesafiadas e/ou maltratantes no âmbito do sistema de proteção de crianças e jovens, de forma a reunir as informações que permitam uma atualização e maior eficácia das regulamentações metodológicas e legais, pressionando as entidades responsáveis nesse sentido.

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