• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1. Retratando moldes do conhecimento em governança

1.3 Jentoft face à governabilidade na Política Comum de Pescas

A crítica de Jentoft (2007) relativa aos limites na governabilidade dos sistemas que gerem a actividade de pescas tem como referência a visão de Hardin (1968). Tendo como intenção perceber estes sistemas, o autor critica a unidimensionalidade da análise da imagem referida, por poder ocultar aspectos, quando se tenta traduzi-la para uma definição política.

Há dois pontos que se podem aqui reter para que se entenda esta crítica de Jentoft a Hardin no contexto da PCP. A relação com a imagem trazida por Hardin acerca da necessidade de reforço da autoridade pública no local para resolver o problema população, viria a traduzir-se na realidade europeia, em primeiro lugar, num reforço da regulação (autoridade em Hardin), mas neste caso comunitária, e fazendo-se sobre os territórios das doze milhas, – e assim também da pesca local e fluvial. Esta regulação

desenhada com base na regulação para a pesca longínqua a partir de organismos internacionais, é transposta para a PCP transformando-se como o andar dos anos no que Hadjimichael (sem data) vem a perceber como um ‘fardo legal das pescas’, revelando- se desadequada e criando um fosso entre o Norte e o Sul da Europa. Mas se este é o ponto de base na regulação, ele traduz a forma como a PCP se inspirou nos três paradigmas da conservação, da racionalização e o paradigma social/comunidade ao propor-se resolver um complexo conjunto de problemas (Jensen, 1999, pg 11). Eles influenciam nas prescrições políticas (Ibidem, Hegland, 2004, pgs 43 e 56) e deveriam moldá-la em equilíbrio. A assimetria que traduzem, de acordo com o segundo autor (pg 43) acabaria por expressar a amplitude de necessidades em que baseia o aconselhamento científico, levando-nos ao segundo ponto da relação com a imagem de Hardin – o problema da população. Neste caso a exploração de recursos marinhos, desenvolvida pela população de pescadores, resolver-se-ia apoiando-se na ‘gestão de stocks’ tornando-se esta a espinha dorsal da PCP. Gerindo stocks gere-se a população que os explora e assim seria fundada a necessidade da investigação e aconselhamento através da regulamentação num modelo de reforço da autoridade comunitária18.

Os cinco truísmos que Jentoft criou previamente vieram estimular para a necessidade de se aprofundar a componente social na construção de sistemas em pescas. Para este autor: ‘stocks de peixe saudáveis requerem comunidades de pesca saudáveis; Não são apenas os cientistas que têm conhecimento acerca de peixe e pescas, também os pescadores têm esse conhecimento; Os pescadores não pescam apenas em barcos individuais, eles também pescam em comunidades’ (1994, pg 91e92)19. O artigo publicado nos anos noventa vem afirmar a necessidade de perceber alternativas aos sistemas e modelos existentes na gestão das pescas (pg 93), de aprofundar tradução de distintas linguagens na pesca alargando os territórios da pesca a novos grupos, como os cientistas sociais ou como os utilizadores dos recursos na sociedade civil aprofundando um diálogo entre cientistas e pescadores.

18

A este respeito pode ler-se Syms: ‘Most of the effort invested in the policy process is concerned with establishing annual TACs and securing compliance with catch quotas, minimum landing sizes, by-catch limits and closed areas. Herein lies the major cost burden of fisheries management in terms of research, implementation, enforcement and monitoring’ (Syms, 2010, pg 270).

Para ele, como Hardin referia, de facto a sobrepesca é um problema que tem origem numa base social (pg 93). Mas o que este autor observa nas pescas é que a preconização de Hardin se transformava em realidade, mas apenas porque ao afirmá-la acabaria por influenciar a forma de pensar na política de pescas criando distâncias entre formas de conhecimento e enfraquecendo a possibilidade de as comunidades se auto regularem, apresentando-se mais como uma consequência do que como uma causa para o estado actual da gestão (pg 94).

A sua crítica desenvolve-se ainda num outro sentido que permite reflectir para o conhecimento do conceito de pobreza. Para este autor a necessidade de se aprofundar conhecimento em relação às comunidades recai na trivialidade da observação de que ‘a pessoa é pobre porque pesca demasiado’. Levando à apresentação do último truísmo, o autor refere que situações há em que se pesca ‘demasiado porque se é pobre’ e neste sentido, se a gestão das pescas é uma pré-condição do desenvolvimento da comunidade, esta não é viável sem que nela se perceba o que envolve o seu desenvolvimento (pg 95). Este texto, e ainda num outro texto seu em que a comunidade é entendida como o Missing link da gestão de pescas (2000), podem ser interpretados como uma critica à ausência de conhecimento em relação às práticas de partilha como sistemas culturais e sociais e consequentemente aos motivos que despoletam os conflitos locais. Esta ausência pode levar a que a política não se aperceba de consequências como uma crescente estratificação social a que a aplicação de direitos de pesca ou a atribuição de licenças pode despoletar na comunidade. Para este autor a regeneração dos veios de solidariedade no local pode ser fortalecida por uma gestão capaz de se aperceber da complexidade que os pescadores enfrentam no local e em que a gestão das pescas é apenas um dos problemas que se deve compreender relacionado com novas tecnologias, migrações e crescentes impactos da globalização nas comunidades (pg 54).

A preocupação do autor passa, portanto, pelo facto de estes problemas não estarem a ser tidos em conta como preocupações na gestão das pescas (idem). De um ponto de vista da tradução em político, a criação de conceitos produzidos pelas ciências sociais para a gestão das pescas pode, desta forma, preencher espaços que é necessário estudar. Mais ainda, a leitura dos escritos referidos de Jentof permite perceber que no início deste século a gestão se desenvolve ignorando o nível da comunidade sendo exclusivamente baseada em relações entre agências governamentais e utilizadores individuais (2000, pg 53). A partir de um outro texto seu, a preocupação em aprofundar as linguagens nas

pescas, algo que o autor faz a partir de uma discussão do conceito de instituição, permite perceber diferentes perspectivas sobre este último e em que as pescas são percebidas em contextos familiares, empresariais, ONGs, institutos de investigação, agências governamentais, muitas vezes reflectidas como sistemas simbólicos partilhados como a religião, a linguagem, a lei e a ciência (2004, pg 138).

Pensando então no exemplo da comunidade, como link entre social e político, na necessidade de conhecimento para que esta se efective como link, pode reflectir-se como uma instituição que aproxima a política dos locais ao ser entendida como uma ampliação que se faz na escala de observação, surgindo assim como link entre a família, a empresa local, a rede social local, e a rede social que a abrange, a empresa que compra. Podendo ser perspectivados de formas diferentes no universo das ciências sociais, dentro da sociologia, a comunidade pode, na visão a que o autor recorre ser percebida a partir da distinção entre funcional e interdependente (2000, pg 56 e 57). O que Jentof vem propor é que a conjugação entre uma visão funcional e interdependente, se faça mediante uma observação empírica prévia, uma vez que na realidade as comunidades de pesca exibem uma mistura entre estes modelos teóricos, e retirando desta forma a necessidade da procura do local, mediante uma sistematização que possibilite em política ir ao encontro de bases de reflexão nas populações locais.

Documentos relacionados