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Jerónimo Corte-Real (?, ? – Évora, 1588)

No documento Poetas que não eram Camões (páginas 141-145)

Tal como sucede com a maioria dos seus contemporâneos, pouco se sabe da vida de Corte‑Real. Não temos meios para conhecer o ano e local do seu nascimento. Pertencia à nobreza (a família remonta ao século XIV), mas foi ape‑

nas um de vários filhos segundos. Descreve a sua juventude como livre e pe‑ rigosa, mas parece ter adquirido bastante largueza de meios e estabilidade depois do matrimónio em 1561. No entanto, deve ter chegado aos últimos anos de vida numa posição económica desconfortável, talvez mesmo na po‑ breza. Pode ter combatido no ultramar, mas nunca se encontraram provas disso, apesar de alguns dos seus companheiros de ofício poético referirem a sua destreza militar. Quase no final da vida, foi nomeado Provedor da Miseri‑ córdia de Évora durante um ano. Por isso, deve ter ido a enterrar na igreja que aquela instituição tem na cidade, mas não se encontrou ainda registo do facto no próprio edifício. Aristocrata extremamente culto, Corte‑Real escreveu poesia duma indivi‑ dualidade e consistência estilística impenitentes: pelo menos, três longos poe‑ mas narrativos e um poema didático e litúrgico sobre a morte e o além‑túmulo, além de lírica ocasional. Também pintor e iluminador dos próprios poemas, Corte‑Real mostrou capacidades de narração e descrição sem rival, em es‑ cala e variedade, entre os poetas portugueses antigos. «Parece impossível que chegue a tanto a sua inexaurível fecundidade», escreveu um crítico do século XIX. Os seus versos brancos são amiúde semelhantes a prosa, apesar

de muito respeitadores dos acentos decassilábicos clássicos e de fazerem uso de toda a gama de tropos e figuras da poética quinhentista. O poeta, porém, nem sempre rejeitou a rima, já que versos rimados à italiana surgem, como a nossa antologia aqui mostra, tanto no modo lírico duma canção de lamento amoroso como no modo heroico duma narrativa de guerra.

Jerónimo Corte-Real

(?, ? – Évora, 1588)

As with most of his contemporaries, little is known of Corte‑Real’s life. There is no means of knowing the year and the place of his birth. He was of the nobility (his family went back to the late 14th century), but he was only one of several children, with no inheritance of his own. He describes his youth as free and daring, and seems to have acquired considerable wealth and stability after his marriage in 1561. However, he must have reached the last years of his life in a less than comfortable position, perhaps even in poverty. He may have fought overseas, but no evidence of this has ever been found, in spite of the fact that some of his fellow poets refer to his military prowess. Late in life he was appointed Trustee of Évora’s Misericórdia for one year (1586). Therefore, he must have been buried in that institution’s church in the same city, although no record of this has been found in the building itself.

An extremely learned aristocrat, Corte‑Real wrote poetry of uncompro‑ mising individuality and consistency of style: at least, three narrative poems and one didactic poem on death and the afterlife, as well as the occasional short lyric. Also a painter and an illuminator of his own poems, Corte‑Real showed powers of narrative and description unrivalled in scale and variety among the older Portuguese poets. “It seems impossible that his inexhaust‑ ible fertility could reach so far”, wrote one 19th century critic. His blank verse

is often akin to prose, even though it has great respect for the classic verse accents and deploys the whole range of tropes and figures of 16th century

Poetas que não eram Camões Como hoje sabemos a partir de provas documentais, a admiração e senti‑ mento de Corte‑Real por individualidades transcendia de tal maneira as barrei‑ ras da raça e da religião que irritava leitores coevos; muitos dos seus retratos de africanos, indianos e turcos muçulmanos mostram isto mesmo. Igualmente notáveis e frequentemente originais são as suas descrições sangrentas ou ma‑ cabras, o seu olho para os espetáculos sublimes da Natureza, o seu ouvido para eufonias de género muito delicado (tinha reputação entre os contemporâ‑ neos como músico) e a sua capacidade para ironia grandiosa, com ou sem hu‑ mor. A morte de Lianor foi elogiada pelos Românticos, tanto em Portugal como no estrangeiro, como uma das maiores cenas trágicas em toda a literatura. Tudo indica que Camões leu e imitou, n’Os Lusíadas, passos e aspetos característicos do Segundo Cerco de Diu, a mais antiga das epopeias do au‑ tor. No seu segundo poema épico, Felicíssima Victoria de Lepanto, redigido em espanhol, foi a vez de ser Camões o imitado. Finalmente, o último poema narrativo de Corte‑Real, Sepúlveda e Lianor, foi recentemente considerado por um especialista uma espécie de “Anti‑Lusíadas”. Com efeito, a rivalidade entre ambos os poetas no género épico é indesmentível, e também é inegável que Corte‑Real oferece ao leitor versos, episódios e conceções radicalmente dife‑ rentes de Camões.

Para que um nativo de língua inglesa possa apreciar como deve ser as belezas desta poesia, deve recordar‑se que ela precede Spenser, Marlowe e Milton na alegoria épica e no verso branco.

Poets Who Weren’t Camões

As we now know from documentary evidence, Corte‑Real’s admiration and feeling for individuals so transcended race and religion that it irritated contem‑ porary readers; many of his portraits of Africans, Indians and Muslim Turks show this. Also remarkable and frequently original are his gory or macabre de‑ scriptions, his eye for the sublime spectacles of nature, his ear for euphony of a very delicate kind (he had a reputation amongst contemporaries as a musician) and his capacity for grand irony, humorous or not. The death of Lianor was praised by the Romantics, both in Portugal and abroad, as one of the greatest tragic scenes in all literature. Everything points to Camões having read, and imitated in The Lusíads, pas‑ sages and characteristic aspects of the Second Siege of Diu, the oldest of the author’s epics. In his second epic poem, The Most Fortunate Victory of

Lepanto, composed in Spanish, it was the turn of Camões to be imitated.

Finally, Corte‑Real’s last narrative poem, Sepúlveda and Lianor, has recently been considered by a specialist as a kind of ‘anti‑Lusíads’. In practice, the rivalry between the two poets in the epic genre is irrefutable, as is the fact that Corte‑Real offers the reader verse forms, episodes and conceptions radically different from Camões. For native English speakers fully to appreciate properly the qualities of Corte‑ ‑Real’s poetry, they should remember that it antedates Spenser, Marlowe and Milton both in epic allegory and blank verse.

Segundo Cerco de Diu

No documento Poetas que não eram Camões (páginas 141-145)

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