• Nenhum resultado encontrado

Jesús-María Silva Sanchez

4. Reações da crítica jurídica – O debate sobre a capacidade do Direito penal

4.2. Jesús-María Silva Sanchez

Não são apenas os autores da Escola de Frankfurt que refutam o processo de transformação do direito penal contemporâneo. A questão é bastante polêmica e nesse trabalho não pretendemos esgotar o tema. O que se busca é trazer os principais apontamentos sobre aqueles que são céticos aos processo de modernização dos institutos do direito penal.

Para Jesús-Maria SILVA-SANCHEZ, o Direito Penal da sociedade de risco é marcado pela antinomia entre a liberdade e a segurança, sendo que, essa tensão começa a não ser resolvida de forma automática em favor da segurança – como no direito penal clássico ou liberal – mas começam a prevalecer orientações voltadas para a prevenção. Essa tensão interna gera o que para muito se traduz em uma ―crise‖. Na visão do penalista essa crise ou tensão não constitui um fenômeno negativo; ao contrário, trata-se de um momento em que, provavelmente, os institutos do direito penal emergiram, a partir de sínteses dialéticas, mais humanitários e garantistas164.

O autor vislumbra que parte da doutrina não comunga do seu otimisto em relação ao desenvolvimento dos institutos do direito penal e advoga a volta ao direito penal liberal, centrado na proteção dos bens essencialmente personalistas, com estritita ligação aos princípios garantistas. A intenção dessa proposta é recuperar a configuração de um direito penal de garantias diante da intervenção repressiva do Estado. Para ele , o direito penal liberal vislumbrado por alguns – reconstruído agora – na realidade nunca existiu como tal. Não se pode ignorar que na construção do direito penal liberal havia uma rígida proteção contra o Estado, como forma de contrabalançar o extraordinário rigor das sanções imponíveis. Hoje essaa realidade não se faz mais presente.

Outros, pretendem reconduzir ao direito administrativo sancionador uma parte dos novos bens incorporados ao direito penal por meio do seu fenômeno expansivo. Mas ocorre que no momento atual o direito penal vigente propicia a cominação de penas de prisão de gravidade média em hipóteses de

fatos ―administrativizados‖, com regras de imputação de rigidez descrescentes e no campo de princípios político-criminais flexibilizados. Nesse sentido, continua Jesús-Maria SILVA-SANCHEZ a afirmar que a proposta de recondução é louvável academicamente, mas deve ser vista com resignação diante de considerações mais realistas165.

Partindo da relação existente entre as garantias incorporadas pelo sistema de imputação e a gravidade das sanções que resultam da sua aplicação Jesús-Maria SILVA-SÁNCHEZ sustenta que a configuração dos sistemas jurídicos de imputação do fato ao sujeito, bem como as garantias gerais de cada sistema, admitem a convivência harmônica de diversos sistemas jurídicos de imputação e de garantias. Isso ocorre, segundo o autor, devido a minuciosidade própria da dogmática penal, pautada na rigidez dos princípios de garantia tradicionalmente vigentes e pela gravidade da sanção penal representada pela pena privativa de liberdade. Assim, a expansão que deve ser contida não é a do direito penal, mas da pena privativa de liberdade166.

O ponto chave da questão está em admitir uma graduação da vigência das regras de imputação e dos princípios de garantia no Direito penal, em função do modelo sancionatório assumido.

Jesús-Maria SILVA-SÁNCHEZ defende um sistema que faça frente aos novos riscos e que seja capaz de atender às determinações do Estado Democrático de Direito: o direito penal de duas velocidades. Assim, haverá uma manutenção no âmbito do direito penal para as condutas que afetam bens jurídicos tradicionais, a partir de regras instrumentos dogmáticos do sistema penal atual, pro meio dos seus princípios rígidos e suas penas ancoradas na privação de liberdade, combinadas com a tutela de bens coletivos, a partir da ordenação de um direito penal diferente, mais brando, com sanções não

165 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, ob. cit., p. 137. 166 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, ob. cit., pp. 138-139.

privativas de liberdade, com institutos e limites mais flexíveis para amparar os contextos novos e os riscos inéditos trazidos pelo desenvolvimento científico167.

Nas palavras de Jesús-Maria SILVA-SÁNCHEZ: ―não haveria nenhuma dificuldade em admitir esse modelo de menor intensidade garantística dentro do Direito Penal, sempre e quando - isso sim - as sanções previstas para os ilícitos correspondentes não fossem de prisão‖ 168.

Esse tratamento diferenciado proposto por Jesús-Maria SILVA- SÁNCHEZ decorre das demandas sociais de proteção da sociedade contemporânea. Tal afirmação está pautada na constatação de que a sociedade atual não está disposta a admitir um Direito Penal orientado ao paradigma do "Direito Penal mínimo", mas essa premissa também não representa um ―sinal verde‖ para a adoção de um de um modelo de Direito Penal máximo.

Segundo o autor, a função função racionalizadora do Estado sobre a demanda social pode dar lugar a um produto que seja a combinação de duas características: funcionalmente útil e garantista. Assim, estaremos salvaguardando o modelo clássico de imputação e de princípios para o núcleo intangível dos delitos, e ao mesmo tempo, flexibilizando as regras de imputação para abarcar as responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ampliação dos critérios de autoria ou da comissão por omissão, dos requisitos de vencibilidade do erro, etc. como forma de atender os reclames políticos criminais da sociedade contemporânea169.

Desta forma, as duas velocidades do direito penal seriam representadas pela: primeira velocidade correspondente ao Direito Penal da ―prisão‖, pautados na manutenção rígida dos princípios político-criminais clássicos, nas regras de imputação e nos princípios processuais; na segunda velocidade estariam às regras penais que poderiam experimentar uma

167 BOTTINI, Pierpaolo Cruz, ob. cit., p. 102. 168 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, ob. cit., p. 141. 169 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, ob. cit., pp. 144-146.

flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção, ligadas a penas restritivas de direitos ou pecuniárias170.

A assimilação dessa concepção pode ser sentida na ponderação feita pelo próprio Jesús-Maria SILVA-SÁNCHEZ ao dispor que as velocidades do direito penal não se esgotam nas duas que foram expostas acima, pois o direito penal de terceira velocidade – direito penal do inimigo – já existe e vem sendo aceito no direito penal socioeconômico.

Documentos relacionados