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3. AS PRESAS DEFINITIVAS DO CONJUNTO PENAL FEMININO DA MATA

3.2 VOZES DO ABANDONO: AS PRESAS DEFINITIVAS DO CONJUNTO PENAL

3.2.1 Joana

Se apresenta como Joana7, mulher de 32 anos, oriunda da cidade de Jaboatão dos

Guararapes, Pernambuco. Reincidente, sentenciada a 13 anos de prisão, cumpre pena no regime fechado e está na unidade há cerca de 10 meses. Tem uma filha de 19 anos e recentemente perdeu seu filho, em um assalto na sua cidade natal. Deixa claro que seu filho não possuía envolvimento com o crime e que a morte ocorreu em virtude de um roubo em que filho negou-se a entregar o celular.

A filha está sob os cuidados do avô materno. Desde que chegou na unidade não recebeu nenhuma visita da família. O pai planejava visitá-la nos últimos meses, porém devido aos custos do funeral do filho isso não foi possível. Se entristece ao lembrar da morte do filho, principalmente por não ter comparecido ao velório, nem se despedido do filho.

Contou como é dia a dia na prisão: levanta-se cedo, vai ao refeitório buscar o café e em seguida se dirige a biblioteca, local onde trabalha arrumando os livros e também aproveita para ler, atividade que considera uma das mais prazerosas. Comenta sobre as atividades de yoga e respiração, que aprendeu em um curso oferecido pela “Arte de Viver” na unidade, e afirma: “eu acho super legal, trabalha muito a mente, quando eu 7 Nome escolhido para preservar o anonimato da entrevistada

respiro eu durmo melhor”. Também gosta de frequentar os cultos religiosos, promovidos por Igrejas que visitam a unidade.

Relativamente a situação da mulher na prisão, afirmou contundentemente: “eu já visitei na cadeia masculina, e a gente vê que os direitos são mais favoráveis a eles do que a nós. As vezes até para reivindicar certos direitos é complicado.”. Acredita que as reivindicações das mulheres devem ser mais organizadas, “não é brigando, nem fazendo rebelião, nem chutando o portão que a gente vai conseguir vencer algum direito”, por isso procura incentivar as internas a fazerem manifestações por escrito, com uma abaixo- assinado e encaminhar para a administração.

E prosseguiu falando sobre a situação de abandono da mulher e da ausência de visitas: “Porque assim, a maioria não tem visita. Muita gente do interior, de outros estados. Tem gente a família não tem condição de mandar um sedex. Como agora minha família tá atravessando um momento que não tem condições”, recordou como até em questões básicas de higiene, as condições são precárias: “é complicado, a gente tem várias privações. Como lá eles tem mais acesso as coisas, a gente aqui dificuldade até de sabonete, entendeu? A gente que não tem visita tem dificuldade até de sabonete”.

Pontuou, ainda, que a falta de itens básicos de higiene é um descaso do estado, que não olha para as presas. “Todo mês eles dão um kit com papel higiênico, desodorante em creme, pasta, escova de dente (as vezes) e um sabonete, mas muitas vezes falta, nos últimos dois meses o kit veio sem sabonete”. Se mostrou indignada e apontou: “Como já teve tempo de ter muitas internas e ficar sem vasilha e as seguranças chamar as colegas de trabalho pedir para trazer vaso de sorvete, para poder dar as presas que chegam para poder comer”.

Se recorda mais uma vez da família e suspira: “sinto muita falta da minha família (…) me sinto muito solitária. Durante o dia é mais fácil, mas a noite é mais difícil, procuro ler a bíblia, converso mais com Deus”. Diz que muitas presas reclamam da falta de liberdade, mas não considera esse o maior problema da prisão, pois para ela o que mais lhe faz falta é o contato com seus familiares. Lembra, ainda, que mesmo fora do confinamento, muitas vezes a mulher continua presa, seja por algum vício ou mesmo por conta de algum marido preso e afirma “porque, as vezes, se você tem um marido preso você tá presa junta com ele”.

dentista e a psicóloga atendem com frequência, mas sente falta de atendimento ginecológico e clínico, pois quando esses últimos aparecem atendem pouca gente e demanda é sempre superior a quantidade de presas que solicitam atendimento. Nesse ponto comenta que a técnica de enfermagem da unidade é quem geralmente supre essas ausências, na medida das possibilidades “ela é nossa fada madrinha, é nossa clínica geral, que faz tudo”. E prosseguiu, “o resto a gente depende tudo da central médica, o que também é outra dificuldade, que eles acham que não tem obrigação de nos atender”.

No decorrer da conversa reclamou do curto período de banho de sol, que é de, apenas, 4 horas diárias, e da inexistência de trabalho remunerado na unidade. Sobre o trabalho demonstrou insatisfação, isto porque unidade masculina possui uma fábrica de bolas e no feminino não há nenhuma oportunidade como essa. Para ela não seria nenhum problema as mulheres trabalharem na fábrica junto com os homens ou em algum galpão separado, “principalmente as sentenciadas, pessoas que são do interior, que não tem visita, que tem bom comportamento, e eu acho que não seria nada demais colocar para trabalhar junto a eles”.

A respeito dos trabalhos internos não remunerados falou que algumas atividades que elas fazem contam como trabalho para remissão da pena e que a sala de costura que existe na unidade fica praticamente sem utilidade a maior parte do tempo, apesar de existirem lá dentro equipamentos para trabalho de pelo menos 10 internas, “a sala de custura só usa quando a gente faz curso e quem sabe costurar é somente eu e uma senhora que é provisória.”

Já no final da conversa revelou que sempre escreve cartas e entrega para a administração, sempre reivindicando direitos para as mulheres da unidade, há pouco tempo fez uma carta, que junto com um projeto elaborado pela psicóloga foram encaminhadas para superintendência solicitando atividades remuneradas para as internas. Se mostra feliz em realizar atitudes como essas, pois entende que pode ajudar e melhorar a vida dela e de outras mulheres.

E finaliza, “é como todo mundo fala, até as funcionárias: fizeram o complexo inteiro e no final olharam e disseram: eita a gente esqueceu da feminina, 'vamo' pegar aquele pedaço ali aquele pedacinho naquele 'retão' e fazer a feminina”.

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