• Nenhum resultado encontrado

4. O JOGO DE REGRAS EM UM REFERENCIAL PIAGETIANO

4.3. O JOGO NA TEORIA PIAGETIANA

A análise piagetiana do jogo tem a vantagem de apresentar uma classificação destes em categorias mutuamente exclusivas, o que facilita o trabalho e a análise do pesquisador. Os parágrafos seguintes estão baseados no livro de Piaget (1945/1978) “A Formação do Símbolo na Criança: Imitação, Jogo e Sonho”. Neste livro, ele discute o desenvolvimento do jogo na criança e apresenta sua classificação de jogos.

Há outros livros, nos quais Piaget também teoriza sobre jogo, igualmente importantes, tais como “O Juízo Moral na Criança” (1932/1977) e “Formas Elementares da Dialética” (1982/1996), no entanto, decidiu-se pelo foco em “A Formação do Símbolo na Criança: Imitação, Jogo e Sonho” por ser de natureza mais geral, e, portanto, mais indicada para essa exposição.

Como se baseia na epistemologia genética, alguns dos conceitos dessa teoria (ver tópico anterior e glossário) são utilizados por Piaget para explicar o fenômeno do jogo. Durante o jogo a assimilação prevalece sobre a acomodação, visto que a característica fundamental do jogo é a de repetição de comportamentos por assimilação pura, ou seja, pelo simples prazer funcional; o esforço adaptativo é relaxado e há um sentimento de eficácia ou poder. O jogo é, então, uma ampliação da função de assimilação para além da adaptação atual, tem como função assimilar o real ao ‘eu’.

Segundo esse mesmo autor, o jogo segue em seis fases. (1) Durante a primeira delas, o jogo desenvolve adaptações puramente reflexas; (2) a segunda fase marca o início das reações circulares primárias, ou seja, da duplicação de comportamentos adaptativos. Nesse momento, não se sabe onde o jogo começa e termina; (3) na terceira fase, há o início das reações circulares secundárias, onde é possível observar uma diferença mais nítida entre os comportamentos adaptativos de assimilação intelectual e jogo. O prazer do bebê é funcional e de ser a ‘causa’; (4) a quarta fase é caracterizada pela ocorrência da coordenação dos esquemas secundários e pelo fato do bebê já poder aplicar esquemas conhecidos a novas

situações, que se prolongam em manifestações lúdicas. (5) na quinta fase, há o início das reações circulares terciárias, quando as ações do bebê, ao contrário das anteriores são novas e imediatamente lúdicas. (6) a sexta e última fase se caracteriza pela formação de esquemas simbólicos representativos, com início da inteligência empírica voltada para a combinação mental e a imitação do exterior para o interior.

Piaget observou três estruturas que aparecem em seqüência nas formas de jogar e podem, portanto, categorizar os jogos: (1) o exercício que dá origem a categoria jogos de exercício simples; (2) o símbolo que dá origem a categoria jogos simbólicos e (3) as regras que dão origem a categoria jogos com regras. A transição entre os três e a as condutas adaptadas seria feita pelos jogos de construção. Embora as fases sejam seqüenciais, a evolução de uma não determina a exclusão da outra, antes uma subordinação das anteriores às estruturas superiores.

Os jogos de exercício simples são os primeiros a surgir na criança. Novas aquisições desta podem se converter em comportamento lúdico, à medida que a criança as repete por prazer e elas têm finalidade em si mesmas5. Esses jogos podem aparecer

posteriormente sempre que houver aquisição de novas habilidades, embora sua freqüência se reduza sensivelmente, principalmente com o aparecimento da linguagem.

Já os jogos simbólicos surgem com o aparecimento da linguagem que possibilita a internalização dos esquemas sensório-motores em outro contexto e na ausência do objeto habitual, o que pressupõe a habilidade de imaginação e representação ou simbolismo do objeto ausente. Essa categoria está dividida em várias fases, pois esta capacidade de simbolizar também sofre um processo de desenvolvimento.

Primeiramente, a criança imitará atribuindo a outra pessoa ou objeto uma característica de um esquema familiar, para depois projetar esquemas de imitação em novos objetos, dissociando significante e significado. Num segundo momento, a assimilação simbólica precede a imitação, que fica, portanto, subordinada àquela.

5

Torna-se possível a ‘correção’ simbólica de uma situação real, de modo a compensar uma realidade problemática; ou mesmo a ‘liquidação’ dessa mesma situação quando a criança revive a mesma realizando uma transposição simbólica. No fim desse período é possível a imitação exata do real e o simbolismo coletivo com a acomodação precisa e adaptação inteligente.

Os jogos de regras

[...] são jogos de combinações sensório motoras ou intelectuais, com competição dos indivíduos e regulamentados quer por um código transmitido de gerações em gerações [regras transmitidas] quer por acordos momentâneos [regras espontâneas] (PIAGET, 1945/1978, p.185).

Como as regras são transmitidas ou acordadas em grupo, pressupõem uma rede de relações sociais ou interpessoais bem desenvolvida. O estabelecimento das regras implica “certas normas sociais de reciprocidade, cooperação e, geralmente, são constituídas por relações entre iguais” (PETTY, 1995, p.24). Sendo a última categoria de jogos a aparecer, subsiste e se desenvolve por toda a vida.

Piaget também questiona, nesse mesmo livro, alguns critérios utilizados por certos pesquisadores para diferenciar o jogo de atividades não lúdicas. Segundo ele, o critério autotélico é impreciso, uma vez que nos jogos simbólicos de liquidação a finalidade não é somente o próprio jogo. Da mesma forma, o critério de desinteresse também é impreciso, pois quem joga está interessado em ganhar a partida jogada.

Segundo esse autor, a espontaneidade não pode ser uma característica definidora porque há outras atividades espontâneas que não são jogos, sendo que o mesmo ocorre com o prazer, que também não pode ser uma característica definidora porque há outras atividades prazerosas que não são jogos.

Dizer que o jogo se caracteriza pela falta de organização, para Piaget, é desprezar a existência das regras nos jogos e a delimitação espaço-temporal do mesmo. Já o critério da supramotivação, embora interessante é de difícil identificação na conduta lúdica. O único critério considerado oportuno para certas modalidades de jogos é o de liberação de conflitos. Em suma, para Piaget, o jogo começa desde que a assimilação predomine sobre a acomodação.

5. PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM NO

Documentos relacionados