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JORGE AMADO, ESCRITOR-DE-LONGO-CURSO

No documento TATIANA SENA DOS SANTOS (páginas 162-180)

Ainda nos primeiros anos da adolescência, Jorge Amado decidiu se tornar escritor. Aos catorze anos, estreou como repórter policial e, aos dezoito, lançou seu primeiro romance em 1931, O país do Carnaval, cujo título já indicava as altas pretensões interpretativas do escritor neófito, mesmo que nessa época tivesse a firme convicção de que “escrevia muito ruim” (AMADO, 1997, p. 49), a ponto de nem se arriscar a enviar seus primeiros textos a autores consagrados, prática bastante frequente entre os ansiosos jovens aspirantes a escritor.

Em entrevista aos Cadernos de Literatura Brasileira,35 realizada em novembro de 1996, poucos anos antes de sua morte, quando perguntado sobre ao que atribuiria sua opção precoce pela vida literária, Jorge Amado não soube estabelecer um motivo preciso. Para ele, é uma “(...) pergunta difícil de responder”, ainda mais quando se pensa que “(...) justamente na juventude a gente tem ideia de realizar muitas coisas que depois não consegue”, concluindo que fora “(...) tomado por uma vontade muito grande de ser escritor” e, por isso, começara a “(...) trabalhar nessa direção” (AMADO, 1997, p. 44). O entrevistador insiste, indagando porque se impusera esse “compromisso pesado”, numa fase da vida em que predomina a ideia da diversão. A resposta de Amado, mais uma vez, frisa os imperativos éticos, conforme transcrição: “Eu não sei se era um compromisso comigo mesmo. Eu tinha era vontade de fazer isso, fazer literatura, viver para a literatura. E foi o que fiz – e me realizei desta maneira” (AMADO, 1997, p. 44).

Entre a obstinada vontade e o talento para escrever sempre posto em questão até o fim da vida, Jorge Amado atravessou mais de sete décadas fazendo literatura ao redor do mundo. Seu nome, ao lado dos nomes das personagens que criou, circula tranquilamente como um estandarte da literatura brasileira no mercado editorial e na cultura literária globais, apesar das ressalvas, mais ou menos veementes, por parte da crítica especializada.

Entretanto, a divergência entre os leitores especializados e os leitores em geral é notória. Além de ter se tornado um best-seller, Jorge Amado ocupa sempre as primeiras colocações entre os escritores brasileiros mais lembrados, fazendo parte da memória cultural e

35 A entrevista foi concedida a uma equipe da revista que levara questões formuladas pela redação e por

convidados, tais como Ana Miranda, Lilia Moritz Schwarcz, Francisco Iglésias, Dias Gomes, José Paulo Paes, Wilson Martins. No texto de apresentação da entrevista, encontra-se a seguinte advertência: “Jorge Amado, como se sabe, está longe de ser um teórico da literatura. Trata-se, porém, de um autêntico profissional da palavra escrita. É nesse sentido que deve ser ouvido nesta longa e histórica conversa” (CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA, 1997, p. 43), como se fosse possível existir literatura sem um pensamento que a embase.

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afetiva de milhões de pessoas, algumas que, inclusive, jamais leram seus livros. Contribuiu para isso as inúmeras recriações audiovisuais às quais suas narrativas foram submetidas. Indubitavelmente, Jorge Amado realizou-se na literatura.

Em entrevista concedida a Clarice Lispector, em 1975, ele foi convidado pela interlocutora a fazer uma crítica de seus próprios livros. A resposta do escritor baiano é desconcertante, pois coligiu afirmativamente a maioria dos juízos depreciativos que lhe foi feita pela crítica literária no Brasil. Em suas palavras:

São os livros que eu posso fazer. Busco fazê-los o melhor que posso. São rudes, sem finuras nem filigranas de beleza; são, por vezes ingênuos, sem profundezas psicológicas e sem angústias universais; são pobres de linguagem e muitíssima coisa mais. São livros simples de um contador de histórias da Bahia. (AMADO, 1992, p. 10)

Perante uma escritora consagrada por sua virtuosidade estilística, Amado parece defender a possibilidade de um fazer literário que não atenda, ou se adeque facilmente, aos enquadramentos valorativos prestigiados no campo das literaturas moderna e contemporânea. Reiterando algumas contraposições dicotômicas, que recorrentemente aplainam o debate crítico a respeito da multiplicidade escritural, Jorge Amado elege a rudeza, a ingenuidade, a pobreza e a simplicidade como traços marcantes de seus livros, para, por fim, autodescrever- se como “um contador de histórias da Bahia”.

Dez anos depois, confirmaria essa autoimagem na longa entrevista concedida a Alice Raillard, em 1985.36 Indagado se escrever seria contar histórias, ele observa que há muitas personagens em seus livros que são contadores de histórias, devido à influência do cordel e dos contadores populares, reconhecendo por fim: “Eu próprio sou um contador de histórias” (AMADO, 1990, p. 200). Ampliando sua reflexão, Jorge Amado estende a todos os romancistas essa característica:

Pode-se inventar todas as teorias que se queira, e inventam-se muitas, o anti- romance, o romance novo, e não sei mais o quê, que a escrita é o que conta e que o conteúdo não tem nenhuma importância... mas no fundo o romance é uma história contada. E, quanto mais bem contada, melhor será o romance, seja qual for a história. Esta é a pura verdade, e não tem jeito. (AMADO, 1990, p. 200)

36 É importante destacar a mudança de postura de Jorge Amado. Se com outros interlocutores, notadamente os

brasileiros, o escritor baiano mostrava-se até mesmo lacônico nas respostas, com Raillard, tradutora da maioria de seus livros para o francês, a atitude é outra, e não apenas pela duração da entrevista. É perceptível a confiança de Amado na avaliação crítica estrangeira de sua obra.

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Curiosamente, em outra entrevista, realizada em 1990, Amado disse a Geneton Moraes que escrevia muito mal e não sabia “contar uma história”, revelando que seus enredos surgiam em torno das personagens, cujas vidas pareciam se impor ao escritor. Ao final do diálogo, o jornalista solicita a Jorge Amado que redija um verbete explicativo sobre ele mesmo, pedido ao qual atendeu da seguinte forma: “Um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens – às vezes, também com as mulheres” (AMADO, 1990).

Dentre suas personagens, o comandante Vasco Moscoso de Aragão talvez seja uma boa metáfora para pensar o ofício de um escritor criticado em seu conhecimento sobre a atividade. Mas, como a moral da história de Os velhos marinheiros ou O capitão-de-longo-

curso apregoa, não apenas se pode, deve-se acreditar nos sonhos, a despeito da opinião corrente. Por meios fraudulentos, Vasco Moscoso consegue a patente de comandante, unicamente pela vaidade de possuir um título e assim fazer parte da casta selecionada da sociedade. Depois, não satisfeito em ostentá-lo, passa a inventar uma memória sobre essa vida sonhada, em meio aos perigos e aos encantos do mar.

Aragão vai morar numa localidade praieira suburbana de Salvador, onde ninguém conhecia sua vida pregressa de pacato beneficiário da herança deixada pelo avô comerciante. Assim, pode contar suas façanhas marítimas, sem receio de ser desmascarado. Mostra-se um exímio contador de histórias e não demora a conquistar uma plateia ávida por suas mirabolantes narrativas. Sua recente e avassaladora notoriedade relega ao segundo plano o ex- fiscal Chico Pacheco, que fora até então a figura mais proeminente do lugarejo, devido às histórias acerca de um interminável processo que movia contra o Estado. As desvantagens eram óbvias, como o próprio Chico Pacheco reconhece: “De que valiam as tricas de um processo a eternizar-se no fórum, ao lado das histórias de naufrágios, tempestades, amores? Como comparar-se sub judice com Hong Kong e Honolulu? Sem falar no telescópio, na roda do leme, no cronógrafo?” (AMADO, 2009, p. 54).

Pelos lances do destino, porque ninguém foge de cumprir seu destino, como vaticina o narrador, Vasco Moscoso de Aragão é requisitado para comandar um navio da Companhia Nacional de Navegação Costeira, o famoso ita, cujo comandante falecera um pouco antes da chegada a Salvador, e de onde só poderia seguir até o porto de Belém se houvesse um substituto com a patente de capitão-de-longo-curso.

A fim de afastar os boatos de que seria um farsante, Vasco Moscoso parte na viagem inesperada, na qual faz, na maior parte do tempo, aquilo que melhor sabia: conta histórias fabulosas da marinharia, enquanto a tripulação efetivamente conduzia o navio. Encontra um

grande amor e é feliz até a chegada à Belém, quando é desmascarado acerca de seu conhecimento náutico, por conta do logro ao qual o imediato o fizera cair. Quando indagado sobre a quantidade de amarras, o capitão-de-longo-curso se vale do “divinatório dom dos poetas” (AMADO, 2009, p. 260) e não hesita em usar todas as amarras e todos os demais recursos de atracação, num porto de águas tranquilas. Os risos de zombaria o fizeram compreender a cilada, mas “(...) estava possuído, não podia parar” (AMADO, 2009, p. 262).

Surpreendentemente, os ventos furiosos do mundo vieram se vingar da humilhação sofrida pelo velho marinheiro, “(...) dispostos a tudo destruir para salvar o sonho” (AMADO, 2009, p. 266), arrasando com a cidade. A única embarcação a permanecer impávida, depois da fúria tempestuosa, é o navio atracado por Vasco Moscoso, comparado ao “paupérrimo poeta”, na digressão final do narrador, que indaga se residiria a verdade nos cotidianos acontecimentos de uma vida rotineira ou “(...) no sonho que nos é dado a sonhar”. Em outras palavras, haveria verdade sem ficção?

Nesse elogio à imaginação, Jorge Amado coloca os contadores de história ao lado dos livres sonhadores, daqueles que fazem a humanidade avançar em sua condição existencial. Se for impulsionado pelo dom dos poetas, todos os recursos ficcionais podem ser válidos na tentativa de ancorar uma narrativa sonhada no espaço e no tempo do mundo, transformando- os, embora jamais se possa de todo comandá-la.

Por isso, não é surpreendente que o escritor baiano preze tanto a figura do contador de histórias, os velhos marinheiros da ficção. Na entrevista aos Cadernos de Literatura

Brasileira, na qual se encontrava convalescente e quase no fim da vida, Jorge Amado retorna à autoimagem inicial e, taxativo, diz: “Eu sou um contador de histórias, não sou outra coisa. Eu venho e conto minha história. Aquilo que eu sei e como sei. Isso é o que importa” (AMADO, 1997, p. 57).

Partindo dessas autodefinições, que poderiam ser relacionadas às tipologias propostas por Barthes (2007, p. 32) em famoso ensaio no qual pretende esboçar uma “tipologia comparada do escritor e do escrevente”, cuja finalidade é pensar uma espécie de “sociologia da palavra”, ressalte-se que Jorge Amado não se apresentava como escritor, palavra que adquirira feição de adorno social, espécie de título intelectual acessório, num país bacharelesco, onde o analfabetismo era regra comum. Havia também nessa postura sua luta contra o “culto à personalidade” do escritor, de quem confere uma importância grande à própria obra (ALMEIDA, 1979, p. 227). Identificava-se como um contador de histórias

(baiano, romântico e sensual), descrição através da qual talvez buscasse fugir de lugares enunciativos engessados pela instituição letrada.

Seu entendimento sobre a criação literária e suas práticas de escrita, ao longo de décadas, de certa maneira, (con)fundia as características do escritor e do escrevente, sem, no entanto, aproximar-se da posição paradoxal do “escritor-escrevente”, esse tipo “bastardo”, como designado por Barthes (2007, p. 38), que permitiria a movimentação entre as duas postulações. Ao que tudo indica, por ser uma espécie anfíbia, o escritor-escrevente trabalharia com a alternância de intensidades entre esses dois papéis, não com a simultaneidade de encargos.

Com a devida licença teórica, seria admissível pensar a figura do “contador de histórias” como um outro tipo, nessa eventual sociologia da palavra, associado à tradição e à oralidade, mas que teria sido reinventado na modernidade e na contemporaneidade, num processo marcado por alguma nostalgia e muitas idealizações a respeito dos mediadores culturais tradicionais, a exemplo dos aedos, dos griôs e dos bardos.

No caso de Jorge Amado, essa autoimagem parece atender a dois movimentos correlacionados. Primeiramente, desvencilhava-se das exigências críticas inerentes à posição de escritor moderno ou modernista, cujo modo de escrita é frequentemente visto como autotélico. Em segundo lugar, privilegiava a ideia de que o ato da narração e o conteúdo narrativo, centrado na vida das personagens, são mais importantes do que a forma da narrativa. É a maneira de contar e a história vivida que deveriam ser valorizadas, independentemente de quaisquer aspectos formais mais sofisticados. Dessa forma, não causa surpresa que seu estilo tenha sido frequentemente associado ao dos narradores tradicionais, nos moldes propostos por Benjamin (1994), no qual o intercâmbio de experiências é mais preponderante do que a experimentação com a linguagem.

Jorge Amado ratifica esse posicionamento crítico enunciado duas décadas antes, na entrevista aos Cadernos de Literatura Brasileira, quando afirma: “Eu acho que na minha obra a questão ficcional sempre predominou em relação à linguagem, que de certo modo tem sido uma coisa secundária, se é que podemos dizer assim, dentro do meu trabalho” (AMADO, 1997, p. 47).37 Nesse caso, o escritor baiano utiliza o termo “questão ficcional” como um correlato ao qualificativo temático, descartando a noção da poética clássica em que “(...) a

37 A pergunta formulada pela redação foi: “O sr. admite ter feito experimentações de linguagem?”.

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literatura é caracterizada pela ficção enquanto forma de conteúdo, isto é, enquanto conceito ou modelo” (COMPAGNON, 2012, p. 38).

No âmbito da criação e da crítica associadas ao marxismo, essa é uma concepção pouco dialética da obra literária, mas esteve em consonância com tendências artísticas vinculadas ao comunismo das primeiras décadas do século XX. Terry Eagleton (2011, p. 44) aponta que uma “(...) uma grande parte da crítica marxista tem, na prática, prestado pouca atenção a questões relacionadas à forma artística, protelando a questão em sua persistente busca por conteúdo político”. Para Eagleton (2011, p. 48), esse entendimento seria uma espécie de “marxismo vulgar”, no qual a forma artística seria vista apenas como um “(...) artifício, imposto externamente ao conteúdo turbulento da própria história”.

No entanto, mesmo nos escritos de Marx, assim como nos textos dos críticos marxistas mais proeminentes, a exemplo de Lukács, forma e conteúdo estariam indissociavelmente concatenados. Ainda segundo Eagleton (2011, p. 47-48), “[a] crítica marxista vê a forma e o conteúdo em uma relação dialética, mas deseja afirmar, em última instância, a primazia do conteúdo na determinação da forma”. Essa é uma questão importante, quando estão em causa as distinções entre modernismo e realismo socialista nas primeiras décadas do século XX. Fredric Jameson destaca que essa controvérsia, no século XX, reativou o antigo debate sobre estética e historicidade. Para ele, há várias contradições internas ao conceito de realismo, mas sua originalidade foi a proposição de uma função cognitiva ao lado da função estética. No seu entender, esse debate se torna mais relevante quando não se aponta antecipadamente a vitória de um dos lados da polêmica, afinal, em ambas as posições, há postulados corretos de algum modo, mas, de outra parte, nenhuma das vertentes é ainda completamente aceitável (JAMESON, 2009, p. 190-191).

No artigo “The Revolutionary Spirit in Modern Art”, publicado em 1932, Diego Rivera assevera que a arte, como uma criação social, revela delimitações que correspondem às divisões de classe, a fim de postular que ainda não existia uma arte do proletariado, pois esta necessitava se desenvolver para chegar ao poder. Durante esse processo, não se deveria rechaçar os melhores recursos técnicos da arte burguesa, que desde a Revolução Francesa atingira seu apogeu, criando uma arte que era sua expressão. No entanto, o artista comprometido com esse desenvolvimento deveria manter um espírito revolucionário, a despeito do contexto burguês (RIVERA, 2004).

O muralista mexicano critica o uso reificado das avançadas técnicas da vanguarda europeia, ponderando que a arte do proletariado não poderia ficar confinada ao hermetismo,

que exclui as pessoas que não foram submetidas a uma preparação estética adequada para a recepção de tais produções culturais. A arte do proletariado não deveria cultivar a inacessibilidade da torre de marfim, postura que não favoreceria nem à revolução, nem ao materialismo dialético, devendo, portanto, ser clara e, ao mesmo tempo, forte e intensa. As duas características mais marcantes dessa arte deveriam ser a clareza e a honestidade, assim como era a teoria revolucionária do proletariado (RIVERA, 2004).

Nas duas entrevistas de Jorge Amado anteriormente citadas, concedidas a Clarice Lispector e aos Cadernos de Literatura Brasileira, é perceptível que entrevistadores e entrevistados partem de visões distintas de literatura, assim como de diferentes campos da teorização literária, e é necessário ter em perspectiva a movimentação internacional que vinculou diversos artistas à esfera do comunismo, ou ao que Lukács (2004) chamou de movimento literário proletário-revolucionário. Mais do que a questão partidária, é conveniente ater-se aos critérios de valorização e aos paradigmas de compreensão histórica forjados pela política cultural comunista. Ainda que Jorge Amado tenha se afastado mais diretamente da “militância” do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1955, persistiu um certo arcabouço teórico forjado através de suas experiências e de seus trânsitos culturais nas esferas comunistas.

Retornando à distinção proposta por Barthes (2007, p. 34) entre escritores e escreventes, amparada pelos critérios do modernismo, um escritor não poderia engajar sua obra, já que não seria possível “jogar simultaneamente com duas estruturas”. Um jogo duplo só poderia ocorrer se houvesse trapaça e o sujeito enunciador alternasse de posições astuciosamente: ora escritor, ora escrevente. No entanto, as práticas de escrita literárias da modernidade, incluindo o realismo social, não parecem atender facilmente ao didatismo dessa distinção. Na concepção literária de Jorge Amado, é possível assinalar um certo hibridismo na conjunção entre as categorias de escritor e de escrevente, as quais ele exercia simultaneamente, e de boa-fé, praticando tanto a função quanto a atividade através de uma escrita heterogênea e que lançou mão de recursos até mesmo contraditórios entre si.

Em relação ao seu engajamento político, muitas vezes Jorge Amado foi tratado como “um grande engajado mau escritor”, na expressão cunhada por Barthes (2007, p. 34) para descrever a impossibilidade do jogo duplo. Candido e Castello (1997, p. 321), por exemplo, argumentam que a obra do escritor baiano seria “(...) dominada pelo impulso, sendo cheia de altos e baixos que revelam descuido de fatura, tanto na composição quanto no acabamento, prejudicando muitas vezes o efeito da sua capacidade fabuladora”. Wilson Martins disse em

entrevista, concedida ao jornal Estado de São Paulo em 1997, que Jorge Amado “(...) esteve durante uma grande parte de sua carreira ‘medusado’ pelo realismo socialista que estragou boa parte de seu trabalho”.

Já Bosi (2006, p. 406) faz um retrato mais severo, quando afirma que os livros de Amado não passavam de uma “colagem psicológica”, que sublinharia mais aspectos românticos e sensuais dos seus personagens populares do que propriamente matizes políticos. Pondera, ainda, que sua poética não foi informada nem pelo “(...) realismo crítico e [nem] pelas demais experiências da prosa moderna”, visto que se pautava pelo “modelo oral- convencional de narração regionalista”. Num quadro sinótico fulminante, conclui seu parecer: Cronista de tensão mínima, soube esboçar largos painéis coloridos e facilmente comunicáveis que lhe franqueariam um grande e nunca desmentido êxito junto ao público. Ao leitor curioso e glutão a sua obra tem dado de tudo um pouco: pieguice e volúpia em vez de paixão, estereótipos em vez de trato orgânico dos conflitos sociais, pitoresco em vez de captação estética do meio, tipos “folclóricos” em vez de pessoas, descuido formal a pretexto de oralidade... Além do uso às vezes imotivado do calão: o que é, na cabeça do intelectual burguês, a imagem do eros do povo. O populismo literário deu uma mistura de equívocos, e o maior deles será por certo o de passar por arte revolucionária. No caso de Jorge Amado, porém, bastou a passagem do tempo para desfazer o engano. (BOSI, 2006, p. 406)

No entendimento de Bosi, Jorge Amado não era nem mesmo uma referência de engajamento. Além de apresentá-lo como um escritor sofrível, aponta que era um literato mau engajado, classificando sua obra como exemplo de “populismo literário”. Embora não conceitue detidamente o termo, é nítido o uso pejorativo dessa dura atribuição, ainda mais por estar dirigida a um escritor que se pretendia “antidemagogo”, como declarou na entrevista realizada em 1975. Quando Clarice Lipector o interroga se gostaria de “escrever diferente” ou se não achava isso mais possível, tendo em vista o compromisso firmado com o seu público, Jorge Amado redargui categoricamente:

Eu escrevo como me agrada; não há escritor mais livre neste país. Não tenho

No documento TATIANA SENA DOS SANTOS (páginas 162-180)