• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III PRODUTORES, DISCURSO E CIRCULAÇÃO DE O

3.1 Jornal e redatores

O jornal O Conciliador do Maranhão surgiu sob os ventos liberalizantes da Revolução do Porto de 1820, provocada pela insatisfação de segmentos da população portuguesa quanto às ações de D. João VI. Com o êxito dos liberais, as bases da primeira Constituição Portuguesa traziam uma novidade: a liberdade de imprensa, sob o calor dos embates entre liberais e absolutistas (LUSTOSA, 2003, p. 21).

O periódico maranhense fez parte de um período de intenso desenvolvimento da imprensa no território, ocorrido após a Revolução do Porto, de 1820 (SODRÉ, 1999, p.49). Naquele momento, circularam, em diferentes partes do Brasil, o Typhis Pernambucano, de Frei Caneca; o Revérbero Constitucional, de Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa; o Correio do Rio de Janeiro, redigido por João Soares Lisboa; O Segarrega, de Felipe Mena Calado Fonseca; A Malagueta, de Luis Augusto May; o Seminário Cívico, de José da Silva Maia; a Aurora Pernambucana, orientada por Luis do Rego; e as Sentinelas, de Cipriano Barata, entre outras folhas.

Entre 1821 e 1822, vai se consolidar nas cidades, o que Barbosa (2010, p. 51) designa como “uma esfera pública de feição liberal”:

Proprietários rurais e de escravos, comerciantes, magistrados e funcionários do Estado passaram a legitimar esse novo espaço público diante da eminência de um confronto de interesses do Estado português. Estão criadas as condições para a constituição de uma esfera pública que terá na imprensa o principal espaço de sua materialização.

Além da imprensa regular e periódica, Morel e Barros (2003, p. 25) afirmam que houve uma proliferação de papéis nas ruas (manifestos, proclamações, folhetos, brochuras). O assunto mais recorrente envolvia a permanência ou não da Família Real no Brasil, após o movimento liberal no Porto, tema de debate inimaginável anteriormente, durante o governo absolutista. A opinião pública ganhava cada vez mais

peso e colocava nas ruas as discussões, através dos impressos, em torno do destino político do território.

Flores (2014, p. 102) comenta que o Decreto de liberdade de imprensa, de 2 de março de 1821, enquanto processo discursivo, gerou “um movimento em que se materializou a fundação de uma posição sujeito-jornalista brasileiro, que corresponde à fundação do discurso jornalístico brasileiro”. A pesquisadora observa que, com a vinda da Família Real, foram instituídas as condições de produção para o surgimento da imprensa. O jornalismo brasileiro, por sua vez, irá começar a se materializar na segunda década do século XIX, quando condições de produção irão propiciar a configuração de uma prática jornalística com identidade própria. Flores analisa a questão:

Antes do decreto, a discursividade dos periódicos era relativa à Corte portuguesa (...) O decreto permitiu explicitar, na discursividade dos periódicos, a contradição entre a formação discursiva dominante e outras formas discursivas (...). Portanto, os periódicos que circularam naquele período pré-independência (...) fundaram uma nova discursividade, legitimando a posição-sujeito jornalista brasileiro em sua autoria. (FLORES, 2014, p.105).

O jornal O Conciliador do Maranhão, que circulou a partir de 15 de abril de 1821, na capital São Luís, representou o primeiro jornal produzido na cidade com circulação periódica, a ofertar notícias referentes ao cotidiano da cidade, seus agentes, as mudanças políticas e as relações econômicas nela travadas. Elaborado na Tipografia Nacional Maranhense, do Governo da Província, seus primeiros exemplares, manuscritos, circularam aos domingos e às quintas-feiras, em formato tabloide, dispondo de quatro a oito páginas.

Com certo exagero, Serra (2011, p. 23) pontuou que “saíam centenas de exemplares, que eram lidos com avidez”. A folha manuscrita era preparada no prédio onde havia funcionado o colégio dos jesuítas [Colégio Nossa Senhora da Luz, construído pelos jesuítas em 1699, onde está situada a Igreja da Sé]. Frias (2001, p. 15- 16) observou que a elaboração da folha manuscrita envolvia “vários moços ( ...) que escreviam porção de números (...) e faziam distribuir pelos habitantes da cidade”.

As primeiras edições manuscritas, de 1 a 8, foram então impressas, como informa a edição de 9 de fevereiro de 1822:

Sairá à luz os números 1 e 2 do Conciliador do Maranhão, pertencentes a 15 e 19 de abril de 1821. Todos os senhores que

nesse tempo subscreveram para estes números poderão mandar receber os seus respectivos exemplares gratuitos à loja de costume, onde também se entregam aos senhores assinantes de toda a coleção; e se vendem avulsos a 200 réis (O Conciliador do Maranhão, 9 de fevereiro de 1822, n° 61, p. 4).

O jornal repassou aos seus leitores, na edição de número 118, a informação de que imprimira as edições de 1 a 8 para serem comercializadas. Contudo, não foram encontradas informações sobre se ocorreu a impressão dos demais números manuscritos do jornal, de 9 a 34. Sobre a fase manuscrita. Ressaltamos que, durante esta pesquisa, não foram encontramos para consulta os manuscritos de O Conciliador do Maranhão nos acervos públicos consultados. Provavelmente não foram conservados.

Até maio de 1821, o jornal circulou duas vezes por semana, aos domingos e quintas-feiras. A partir dessa data, saiu às ruas às quartas e aos sábados, até ter sua publicação encerrada, em julho de 18236, após a adesão do território à independência do

Brasil. Possuía suplementos, publicados eventualmente. Foram encontrados seis registros deles durante a pesquisa. Observamos a mudança gráfica, a partir do nº 7, em comemoração ao aniversário da Revolução do Porto. Foi posto um emblema com aperto de mãos em referência à união dos territórios, antes do título, que mudou para O Conciliador. A publicação de suplementos era noticiada para os leitores, como mostra a edição de número 61, de 9 de fevereiro de 1822, na página 4: “segunda, 11 do corrente, ao meio-dia, sai suplemento a este número”. Essas edições vinham identificadas no cabeçalho como “Suplemento do Conciliador”.

No ano de 1822, além de O Conciliador, circularam a Folha Medicinal e a Palmatória Semanal7. Todos foram impressos na Tipografia Maranhense. A circulação

da Palmatória Semanal chegou a ser anunciada pela primeira folha maranhense: “Quinta-feira, 25 do corrente [abril de 1822], publicar-se-á o Nº 6 de Palmatória”. E em

6 Há uma indicação, na obra de Silva (1972, p. 125), de que a última edição ocorreu em 23 de julho de

1823. A obra traz a imagem desse último exemplar. Porém, tanto na Biblioteca Pública de São Luís com na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, só há registro até a 210ª edição, do dia 16 de julho daquele ano.

7 A Folha Medicinal, segundo periódico a circular na cidade, foi organizado pelo médico português

Manoel Rodrigues de Oliveira. Embora apoiasse o governador Bernardo Silveira Pinto da Fonseca, atacou em seu jornal o padre José Antonio Ferreira da Cruz Tezinho, redator de O Conciliador. Para se contrapor ao médico Manoel Rodrigues de Oliveira, padre Tezinho usou página de O Conciliador e também lançou o jornal Palmatória Semanal no dia 17 de março de 1822. Conforme Jorge (1987, p.43), ao contrário de

O Conciliador, os dois jornais tiveram circulação curta, somente em 1822, entre março e julho. A Palmatória Semanal encerrou em julho de 1822, após a Folha Medicinal parar de circular no mesmo

suas páginas fez menções a outros jornais, principalmente portugueses, como Padre Amaro8, Campeão Português9 e Gazeta Universal10, entre outros, fontes de notícias sobre acontecimentos políticos que envolviam desafetos em Lisboa. A partir dessas referências, publicadas sobre a cena política, construiu a defesa do ideário monárquico- constitucional. O Correio Braziliense foi um periódico visto como inimigo, contra o qual cerrou fileiras e ao qual contestou veementemente, porque o jornal publicado em Londres apontou as fragilidades políticas do governo da província, em contraste ao apoio amplo que O Conciliador do Maranhão dizia ter sido conquistado pelo governo Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca.

O Conciliador do Maranhão, que tinha como bandeira o projeto constitucional português, presenciou acontecimentos políticos que mostraram suas contradições frente às alianças construídas entre governo local, comerciantes, produtores e militares (GALVES, 2011, p. 29). Iniciou suas atividades como defensor da monarquia constitucional portuguesa, rechaçou os atos políticos do Rio de Janeiro que acenavam para o fim do pacto colonial, incentivou a resistência contra as forças contrárias a Portugal e, por fim, anunciou a independência do Brasil. Saiu de cena em julho de 1823. Em seu lugar, a mesma Tipografia Maranhense imprimiu a Gazeta Extraordinária.

Como aponta Galves (2011, p. 71), recaiu sobre o primeiro jornal de São Luís a imagem de antipatriótico e inimigo do Brasil por parte da historiografia, em função da busca, pelas forças que ascenderam ao poder, de criar vilões para justificar a legitimidade da nova ordem, de um país independente, mas governado por portugueses e organizado para atender interesses comerciais.

Seus redatores, padre José Antonio da Cruz Ferreira Tezo, conhecido como padre Tezinho, e Antonio Marques da Costa Soares, eram integrantes da administração do governo de Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca, que ficou no poder entre 1819 e 1822. Tezinho se envolveu em várias atividades: atuou como comerciante, além de acumular as funções de redator de jornal e religioso. Chegou a se eleger deputado pelas

8 Jornal português publicado entre 1820 e 1826, com circulação também em Londres. Foi escrito por

Joaquim Ferreira de Freitas (MUNARO, 2013, p. 3). Dedicado a “todos os portugueses de ambos os mundos”, descreveram Azevedo e Ramos (1991, p. 2).

9Jornal português que circulou entre 1819 e 1821, sob a direção de José Liberato (MUNARO, 2013,

p.03).

10Jornal português “político, literário e mercantil”. O diretor foi o padre José Agostinho de Macedo.

Cortes, em 1823, no entanto, com a volta do absolutismo, não logrou êxito, porque o parlamento foi dissolvido (GALVES, 2011, p. 74).

Antonio Marques da Costa Soares, oficial maior da secretaria do governo, assinou refutações contra inimigos do governo no jornal maranhense. Foi diretor da Tipografia e autor de peças teatrais elogiosas apresentadas ao governo português no Teatro União.

Um jornal oficial à sombra do poder dominante teria ficado livre de pressões e processos? Não foi o caso de O Conciliador do Maranhão. Jorge (1987, p. 24) assinala as controvérsias que envolveram o veículo impresso, como: disputas entre redatores; uma representação de cidadãos contra a folha; e um processo por crime de imprensa. Ocorreram ainda atritos entre o diretor do jornal, Antônio Marques da Costa Soares, e o redator, José Antônio Ferreira Tezinho.

Através do próprio jornal, na edição de 7 de agosto de 1822, Antônio Marques anunciou sua saída do impresso, com comentários abaixo do texto publicado por José Antônio Ferreira, que assumiu a partir de então as funções de diretor, que antes estavam sob a responsabilidade do militar. As alegações para a troca estariam em elogios ao governador da província, não publicados pelo jornal (JORGE, 1987, p. 22). A partir desse fato, podemos entender que as tensões não escapam ao processo de produção da notícia, pois as relações não se dão de forma linear, mas são marcadas por tensionamentos de poder, internos e externos.

Outros episódios de embates no interior de O Conciliador do Maranhão ocorreram com o primeiro diretor, Antônio Marques, que sofreu processo por crime de imprensa (JORGE, 1998, p. 18). Uma representação de 65 cidadãos de São Luís reclamou ao governo português sobre a conduta do diretor e dos conteúdos do jornal, elogiosos demais ao governador Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Outro acontecimento envolveu o redator José Antônio Ferreira, que sofreu processo por crime de imprensa, instaurado por Caetano José da Cunha, que reclamou dos insultos recebidos por meio de O Conciliador do Maranhão. Posteriormente, o padre Tezinho foi absolvido do crime, pelo Conselho de Juízes de Fato.

Esses acontecimentos, de expressivo impacto em uma colônia, envolvendo o jornal, dão-nos a dimensão da complexidade da produção da notícia em O Conciliador do Maranhão. São ocorrências que envolvem leitores, o público do impresso,

descontentes ao ponto de se organizarem e questionarem o jornal. São essas vozes, de leitores do jornal, que também influenciam a constituição das narrativas, ressignificam os textos e, em casos, como os citados acima, formalmente criticam o processo de produção jornalística. Por isso, eles são considerados sujeitos atuantes na elaboração do material jornalístico.

Quais eram as principais fontes das notícias de O Conciliador do Maranhão? Os militares, cuja força política colaborou para a fundação do próprio impresso, eram os principais autores das informações divulgadas sobre a cidade de São Luís e os acontecimentos relativos ao Maranhão. Assinavam documentos oficias e textos de caráter essencialmente opinativo.

A maioria desses textos são assinados por oficiais, comerciantes e funcionários do governo: general Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca (governador da província); Rodrigo Pinto Pizarro (major de cavalaria); Agostinho Antonio de Faria (marechal de campo do exército); Francisco de Paula Felner (integrante da Junta da Fazenda Nacional); João Gualberto da Costa (secretário da Comissão de administração e interesse público); Antonio José Saturnino das Mercês (integrante da Junta de Administração); João Raposo do Amaral (presidente da Junta da Divisão Eleitoral); pároco Francisco José Pereira (assistente da Junta da Divisão Eleitoral); Bernardino Pereira de Castro (escrutinador da Junta da Divisão Eleitoral); José Felipe Martins Vidigal (escrutinador da Junta da Divisão Eleitoral); padre Francisco de Barros Cardoso Lima (secretário da Junta da Divisão Eleitoral); Antonio Raimundo de Miranda (secretário da Junta da Divisão Eleitoral); José Bernardino da Silva (ajudante encarregado do registro, no Porto); Manoel de Souza Machado (mestre do Porto); Agostinho Antonio de Faria (militar); Bispo Silva Berford (presidente da Junta Provisória e Administrativa)11; João Francisco Leal (secretário interino); Felipe de

Barros e Vasconcelos (integrante da Junta Provisional); Antonio Rodrigues dos Santos (integrante da Junta Provisional); e Caetano José de Souza (integrante da Junta Provisional).

11 O poder político da igreja no Maranhão no século XIX evidenciava-se através dos cargos que os

clérigos ocupavam na estrutura do governo da província. No jornal O Conciliador do Maranhão, por exemplo, temos o padre Tezinho como redator e diretor da tipografia maranhense. Também aparecem o bispo Silva Belford como presidente da Junta Provisória, e ainda o pároco Francisco José Pereira e o padre Francisco de Barros, ambos da Junta da Divisão Eleitoral. Essa presença religiosa nos remete ao poderia da igreja no regime absolutista, onde dividia o poder de mando com a monarquia.

Além dos integrantes das forças militares e do governo, leitores que enviavam cartas também se tornavam autores de relatos publicados. Alguns usavam pseudônimos para expressar suas opiniões. Foram encontrados autores de cartas que adotaram os seguintes nomes: “um amigo da boa ordem”; “curioso constitucional”; “um cristão que para ser escusa frades e cônegos”; “amigo da verdade e verdadeiro constitucional”; “o investigador da mentira”; “Pedro da verdade constitucional”; e “liberal do Caité”, entre outros.

Há leitores que abriram mão do anonimato, tais como Luiz Francisco Serpa, Antonio de Araújo Cerveira, Manoel Luiz dos Santos, Raimundo José Nogueira, Joaquim Isidoro Moreira, frei Ignácio Guilherme da Costa, Luiz Gomes, Joaquim Diogo Duarte, Manoel José de Melo e Severino Alves de Carvalho. Os autores das cartas publicadas teciam elogios ao jornal ou faziam observações e comentários. Há os que buscam referendar reputações, questionam outros autores de cartas e defendem interesses. Há publicações de réplicas e tréplicas de cartas com disputas entre os autores das missivas, que questionam a conduta uns dos outros.

A folha maranhense também reuniu notícias sobre o Maranhão, Portugal, outros países e demais províncias. Há registros de decretos, poemas, cartas, manifestos, ofícios, artigos, editais, circulares, proclamações, notas sobre entrada e saída de embarcações, balancetes e representações com informações sobre a organização política do território.

A primeira edição impressa apareceu com oito páginas e trouxe os seguintes textos: “Maranhão, 6 de abril”, “Maranhão, 14 de abril”, “Representação dos oficiais comandantes dos corpos militares desta capitania dirigida ao ilustríssimo Sr. Governador e Capitão General Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca” e “Voz de um português, amigo da Pátria, do Rei e da Verdade aos habitantes do Maranhão”. Impresso na Tipografia Nacional Maranhense, como informado na última página, trazia elementos gráficos, como frases maiúsculas, fios separando textos, e expressões e nomes em itálico, para chamar a atenção dos leitores. Não há desenhos ou ilustrações. Como epígrafe, apresentou o dístico Sit mihi faz audita loqui, frase do Livro 6, do poema épico Eneida, de Virgílio, com o objetivo de exaltar o Império Romano. Em uma tradução livre, a passagem significaria “é meu direito de falar e ser ouvido”.

Para apreendermos melhor as propostas de O Conciliador do Maranhão, quanto ao jornalismo, deter-nos-emos nas autorreferências que o jornal divulgou na edição

inaugural, de 15 de abril de 1821, no texto “Maranhão, 14 de abril”, primeira página. Nesse momento, interessa-nos refletir pontualmente sobre as colocações da publicação a respeito dos valores, da atuação jornalística e da relação com o público.

Nesse primeiro texto, de 15 de abril de 1821, o redator discorre sobre a relação entre a política, a história e o jornalismo, no tocante ao registro dos acontecimentos. Atesta que os jornais podem ajudar os historiadores a analisar os acontecimentos, porque “mesmo sendo contemporâneo dos fatos, não podem presenciá-los em todo o território da nação”. Os jornais podem representar, conforme o redator, “documentos mais verídicos do que os de uma tradição, quase sempre suspeita”. O autor da narrativa continua reafirmando a relevância dos jornais: “mais essencial é o de servirem como mediadores entre os governos e os povos, maximé nas extraordinárias crises, que sempre originarão as alterações no sistema político de um Estado”.

Na justificativa de sua circulação, o impresso maranhense toca na questão política de então: a ascensão do liberalismo e da monarquia constitucional, que vai amparar politicamente aquele regime econômico. Fazer circular um jornal é necessário, pois “por um jornal conhecem os povos os passos que os governos seguem para regê- los, e estes se instruem sobre os sentimentos com que aqueles olham as suas deliberações” (O Conciliador do Maranhão, 14 de abril de 1821, nº 1, p. 1).

A imprensa, como ressalta o redator da folha maranhense ainda, no mesmo texto, apresenta “inegável utilidade para um país onde são admissíveis as ideias liberais”. Após a explanação sobre a relevância histórica do jornal que estava sendo lançado, seu principal objetivo foi delineado: “nos propomos a oferecer ao público, neste periódico, os acontecimentos políticos, que tiveram princípio nesta cidade ao memorável 6 de abril [adesão dos militares e das camadas mais ricas da cidade à mudança para monarquia constitucional]”.

O jornal é visualizado como documento de um momento histórico, a registrar episódios a serem avaliados pela posteridade. Na primeira página, a publicação apresenta seu ideário: vai noticiar as ocorrências políticas de São Luís com “imparcialidade, verdade e franqueza”, porque “serão os nossos timbres e o amor do bem público, e da boa ordem os nossos únicos incentivos” (O Conciliador do Maranhão, 14 de abril de 1821, nº 1, p. 1). São valores sustentados para legitimar sua atuação frente à sociedade.

Na narrativa do primeiro número, foram detalhadas outras questões, como a seleção das informações e o contato com o público do jornal. As contribuições somente fariam parte do conteúdo publicado após serem avaliadas, de acordo com os valores anunciados pelo veículo:

Para o bom desempenho desses princípios, rogamos a todos os habitantes desta Província, animados dos mesmos sentimentos, que nos queiram comunicar tudo o que souberem relativos a fatos; assim como suas ideias tendentes ao bem Nacional, é a justa causa que acabamos de declarar-nos, na certeza de que são observações que serão por nós fielmente transmitidas ao público, uma vez que tenham o cunho de verdade e, decência (O Conciliador do Maranhão, 15 de abril de 1821, nº 1, p. 1).

Para os redatores de O Conciliador do Maranhão, a prática jornalística é um espaço de memória para documentar principalmente os fatos políticos. É atribuída uma distinção em relação aos demais ofícios, um papel de interlocução entre povos e governos no processo de organização das sociedades. Os valores como imparcialidade e verdade chancelariam o trabalho do redator, tornando-o singular e necessário no contexto liberal. Essa condição política tornaria a atuação jornalística oportuna no então cenário absolutista e monárquico em transição. Porém, se as informações chegassem ao jornal “manchadas com uma revoltante impudicia [indecência, obscenidade ou desonestidade]” ou como “sátira escandalosa, que as tornem indignas da lição pública”, alerta o redator, seriam descartadas do noticiário de O Conciliador do Maranhão.

Outra questão pontuada é a relação com o público, item do protocolo de atuação do jornal, bem como a avaliação dos conteúdos comunicados pela comunidade à redação. O redator do veículo detalhou como a colaboração dos leitores e participantes poderia se concretizar. Solicita à sociedade que adote “a decência, modéstia e o respeito,

Documentos relacionados