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2.1 O JORNALISMO ESPECIALIZADO

Phillipe Bordieu, em sua obra On Television (TRAQUINA, 2005: 19), afirma que “não é possível compreender porque é que as notícias são como são sem uma compreensão dos profissionais que são os ‘agentes especializados’ do campo jornalístico”. Ou seja, o jornalista já não é só jornalista, ele também é um profissional com especialidades definidas e específicas.

Na atual sociedade, cada vez mais multifacetada, fragmentada e dividida em ilhas individuais com prioridades diversas, cada pessoa tem um interesse diferente do outro. Assim, cada público busca em um jornal o que lhe interessa, e cada jornal que escolhe, é escolhido conforme as opiniões e vontades que deixa transparecer, de forma proposital, ou não. Nesse contexto, surge o jornalismo especializado, onde as escolhas individuais prevalecem sobre a ligação com o todo, a coletividade, fazendo com que, assim, a informação passe procurar atender às especificidades ao se dirigir aos públicos diferenciados.

“Na realidade a escolha de um assunto que interessa a toda comunidade parece cada vez mais difícil de se fazer. A sensação que temos é que o espaço de debate tornou-se reduzido, ou melhor, o interesse pelo debate é que tem diminuído a tal ponto que as pessoas parecem não se envolver mais, a opinião pública vem sendo substituída pela pesquisa de mercado” (ABIAHY, 2005: 05).10

O desenvolvimento do jornalismo especializado está relacionado a uma lógica econômica que busca a segmentação do mercado como uma estratégia de atingir os grupos que se encontram tão dissociados entre si, baseando-se um pouco na famosa máxima de guerra: dividir para conquistar. Muito além de ser uma ferramenta mais eficaz de lucro para os conglomerados midiáticos, o jornalismo especializado é uma

10 ABIAHY, Ana Carolina. O jornalismo especializado na sociedade de informação. 2005. Disponível

resposta a essa demanda por informações direcionadas que caracteriza a formação das audiências específicas, além de provocar uma maior profissionalização dos jornalistas. Cada vez mais as empresas jornalísticas têm procurado profissionais capazes de atender a determinados nichos específicos, sejam por suas aptidões especializadas, seu maior contato com fontes importantes dentro de cada segmento, ou maior desenvoltura do profissional no meio.

“Com a maturidade alcançada por estas profissões, a fase artesanal dá lugar à especialização e à cooperação entre especialistas. A própria complexidade técnica que se observa nos media torna inevitável esta especialização e esta cooperação. Cada uma das formações compreende assim outros aspectos gerais, específicos e profissionais próprios ao setor”. (RODRIGUES, 1997: 180).

Traquina (2005: 20) afirma que o campo jornalístico começa a ganhar forma nas sociedades ocidentais, durante o séc. XIX, como dito anteriormente; “os jornalistas ficaram empenhados num processo de profissionalização que procurava maior autonomia e estatuto social” (TRAQUINA, 2005: 20).

Com a chegada do século XIX, começam os sinais da profissionalização dos jornalistas, com a criação de associações e sindicatos, estabelecimento de códigos de éticas e uma estruturação da educação jornalística (DAVIS, 2000: 53).

"A profissionalização afetada as atitudes em relação à função da imprensa. Educadores jornalistas comparam o jornalismo ao direito e medicina - Profissões que agem com a confiança pública. Uma confiança pública que possui responsabilidades para a sociedade. Para a profissão jornalística, eles incluem um retrato fiel dos acontecimentos sem sensacionalismo. Profissionalização causa um impacto sobre o processo de coleta de notícias em si. A definição de notícia, procedimentos e práticas para a captação de notícias, e as relações com as fontes foram revistos pela profissionalização” (DAVIS, 2000: 53).11

11 Tradução livre do seguinte excerto: “Professionalization affected attitudes concerning the function of

the press. Journalism educators compared journalism to law and medicine - professions acting as a public trust. A public trust possessed responsabilities to the society. For the journalistic profession, they included accurate portrayal of events sans sensationalism. Professionalization impacted on the news-gathering

Diversos autores têm notado que a profissionalização é uma tendência histórica que acompanha a industrialização e a urbanização. Há um consenso que afirma que uma sociedade industrializada é uma sociedade profissionalizada.

“A ideologia do profissionalismo defende que o praticante deveria não ter independência e autoridade, mas também uma ‘identidade profissional’ que tenha um impacto no ‘pensamento e comportamento através do desenvolvimento de ideologias profissionais distintas’ (...) Como escreve Bourdieu (1996:11): ‘cada profissão produz uma ideologia profissional, uma representação mais ou menos idealista e mítica de si mesma’” (TRAQUINA, 2005: 21;22).

Traquina (2005: 25) a citar Bourdieu (1998: 19) novamente, afirma que o jornalismo é um microcosmo e os jornalistas partilham “estruturas invisíveis que organizam a percepção e determinam o que vemos e não vemos”. Os jornalistas, então, têm “lentes especiais”, através das quais vêem certas coisas de maneira especial e outras não, e isso os difere de outros profissionais, tornando-os aptos a exercerem a profissão. Para Mark Deuze, no artigo What is Journalism (2005), 12esse “poder especial”, essa profissionalização do jornalismo vem da consolidação consensual da ideologia jornalística ao redor do mundo (DEUZE, 2005: 444).

“Em décadas de estudo sobre o jornalismo, os acadêmicos se referem ao processo de profissionalização dos jornalistas como um desenvolvimento marcadamente ideológico, como ideologia emergente serviu para aperfeiçoar continuamente e reproduzir um consenso sobre quem era o jornalista ‘real’, e quais (partes) dos media, em qualquer momento, seriam considerados exemplos do jornalismo ‘real’”. (DEUZE, 2005: 444)13.

process itself. The definition of news, procedures and practices for gathering news, and relations with sources were revised by professionalization”.

12 DEUZE, Mark. What is journalism. 2005. Disponível em: http://

jou.sagepub.com/content/6/4/442.short (Consultado em: 12/06/2009, às 13h12).

13 Tradução livre do seguinte excerto: “In decades of journalism studies, scholars refer to the journalists’

professionalization process as a distinctly ideological development, as the emerging ideology served to continuously refine and reproduce a consensus about who was a ‘real’ journalist, and what (parts) of news media at any time would be considered examples of ‘real’ journalism”

Nesse caso, o autor define ideologia como um sistema de crenças características de um grupo particular (os jornalistas), incluindo o processo geral de produção de idéias e sentido (a informação). Mas ainda que acredite-se haver valores centrais para o exercício do jornalismo ao redor do mundo, “há muito desacordo sobre as normas profissionais e os valores para reivindicar o surgimento de ‘padrões universais profissionais’ no jornalismo”. (DEUZE, 2005: 445)14, o que vê-se são especificidades de país para país.

Mas além do fator econômico relacionado aos grandes conglomerados, a aparição de um grupo de profissionais especializados implica, simultaneamente, na aparição de vários campos específicos e diferenciadas relações competitivas. À medida que o tempo passa, esse grupo se especializa cada vez mais e seus membros tornam-se verdadeiros profissionais, que têm de dominar uma linguagem específica da área em que atuam. A competência desses profissionais significa a incompetência dos não profissionais (TRAQUINA, 2005: 20). “Ainda que a maioria dos jornalistas não saiba exatamente o que profissionalismo seja, todos os jornalistas têm de pensar em si próprios como profissionais” (HERBET, 2000: 07) 15. Então, torna-se impossível falar em jornalismo especializado, sem antes falar sobre a profissionalização do mesmo e sobre o grupo como um todo.

Eles seguem uns aos outros, são quem mais (per) seguem as notícias, e partilham uma forma comum de ver as notícias. Eles formam uma espécie de tribo, com valores, critérios e uma cultura própria. A profissionalização do jornalismo e a sua especialização ocorre em todo o mundo, mas suas características são diferentes. Em Portugal, após o 25 de Abril, vê-se a entrada cada vez maior de indivíduos no ramo do jornalismo, bem como a profissionalização massiva dos jornalistas, e com isso, sua especialização, provocado pela era dos media portugueses em luta concorrencial. Em 1987, o país conta com 1.508 jornalistas. Dez anos depois, esse número salta para 4247 (MEIRELES, 2007: 31). Caracterizam-se por serem profissionais que lutam pela sua

14 Tradução livre do seguinte excerto: “There is too much disagreement on professional norms and values

to claim an emergence of ‘universal occupational standards’ in journalism”. 15

Tradução livre do seguinte excerto:“Although most journalists are not sure exactly what professionalism means, all journalists should think of themselves as professionals”

autonomia no trabalho, que acreditam na atividade enquanto serviço público e a informação que transmitem como conhecimento.

Howard L. Wilensky, citado por Traquina (2005: 21), em seu estudo de 1964 afirma existir uma sequência de eventos para a profissionalização, todas elas seguidas pelo jornalismo português: trabalho em tempo integral (os jornalistas não deixam de serem jornalistas ao saírem do seu trabalho, e trabalham sempre num esquema de 24hrs/7 dias); seleção e treino (seleção entre os mais informados e com maior acesso às fontes; os estágios profissionais); formação de associações profissionais (sindicatos e federações); reconhecimento público e legal da profissão e sua prática (leis de imprensa ainda vigentes em diversas partes do mundo) e elaboração de um código de ética (código deontológico dos jornalistas portugueses).

A constituição de uma categoria que se difere do restante dos profissionais significa uma autonomia, porque a especialização confere uma autoridade a um profissional, sobre um determinado tema.

Assim, os jornalistas acabam fazendo parte de várias comunidades interpretativas; um grupo definido pelas suas interpretações partilhadas da realidade (podendo estas ser semelhantes ou não), uma cultura profissional e uma metodologia de trabalho em comum. Além de terem o reconhecimento coletivo das responsabilidades específicas que têm no espaço público. São profissionais especializados, que “professam; professam saber o que é notícias e como escrevê-las” (TRAQUINA, 2005: 35).

Assim sendo, por mais que o jornalismo especializado tenha surgido no último século, a sua profissionalização já tem bases formadas há mais tempo que isso, fazendo com que a sua difusão seja mais alastrada. O jornalismo político é uma das especializações com maior difusão e mais amplamente discutida, devido a sua importância para as sociedades em geral, então, faz-se importante o estudo e pesquisa

de como se dá a profissionalização e especialização do jornalista de modo a compreendê-lo melhor enquanto indivíduo e profissional atuante dentro de um grupo específico.