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3 DO JORNAL À PALAVRA POLÍTICA

3.2 Jornalismo, linguagem e criação

O surgimento da imprensa possibilitou a veiculação de textos escritos de forma muito mais rápida na sociedade; conquanto tenha ela, ao mesmo tempo, um caráter renovador (pois permite o fluxo de diversos gêneros) e conservador (quando delimita convenções a serem seguidas). Sendo assim, como veículo de novidades nos acontecimentos sociais, a linguagem da imprensa informativa apresenta-se como grande responsável também pela oficialização das novidades no campo linguístico escrito (cf. CARVALHO, 1983).

As questões sobre as dimensões sociais e estruturais da palavra linguística e de sua relação com a realidade ocuparam grande parte das investigações no campo da Linguística, desde os seus primórdios. As estratégias da linguagem jornalística podem indiciar muitos aspectos de uma sociedade, de seu tempo e de seu modo de expressar o mundo referencial, pois trata-se de uma semiotização do mundo, em que estão em jogo diversas estratégias.

Tradicionalmente, costuma-se pregar uma linguagem jornalística que preze pela neutralidade opinativa e pelo rigor na correção linguística, ligando-a à linguagem padrão da sociedade em que é veiculada. Mas a linguagem jornalística não é e não pode ser uniforme, pois tantos são os gêneros textuais que circulam no domínio, tantos são os assuntos abordados – a depender das seções – que nos parece arriscado indicar o que seja uma linguagem jornalística. Pensamos ser mais apropriado se falar em linguagens do jornalismo, que se vinculam aos assuntos tratados, aos suportes em que são veiculados, ao público ao qual é endereçado e também às normas linguísticas de cada época.

Segundo Paillet (1986), embora não exista nenhuma linguagem que possa satisfazer os anseios pela neutralidade jornalística, existe a busca de uma linguagem média (p.76). Esta linguagem dependerá tanto da empregada na atualidade quanto da tradição jornalística, e terá uma relação distinta com cada cultura. De qualquer forma, o autor insiste que existe ainda algo em comum às normas empregadas no discurso jornalístico: ele adota a linguagem que pode ser compreendida pelos “dirigentes e pelos homens instruídos” (PAILLET, 1986, P.76). Apesar de todas as variantes sociais com seus diferentes registros de linguagem, o registro formal parece ser uma exigência política imposta às linguagens do jornalismo, pois a sociedade valoriza o seu emprego e qualifica como erros os desvios (LAGE, 1985, p.37).

Fala-se muito da primazia da imagem na atualidade, pela grande ascensão dos meios e suportes de comunicação que viabilizam a transmissão das imagens. Todavia, no jornal impresso, ainda há o predomínio da palavra e as imagens atuam na maioria das vezes como

âncora dos textos editados diariamente.

A notícia é a unidade básica com que se trabalha no jornalismo. “Em torno dela, giram artigos, reportagens, crônicas e comentários” (CARVALHO, 1983, p. 54). Os acontecimentos julgados relevantes de acordo com critérios de proximidade, de atualidade e de imprevisbilidade (CHARAUDEAU, 2009, p.101) passam por um processo de construção midiática que envolve diversas etapas ligadas a sua representação no mundo linguístico até serem elevados ao status de notícia, que pode ser uma informação ligada a uma fonte ou pode designar o próprio fato, “mas o acontecimento só se torna notícia a partir do momento que é levado ao conhecimento de alguém” (CHARAUDEAU, 2009, p.132). “Propomos chamar ‘notícia’ a um conjunto de informações que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um caráter de novidade, proveniente de uma determinada fonte e podendo ser diversamente tratado” (CHARAUDEAU, 2009, p.132, grifos do autor).

O âmbito jornalístico, observado por Carvalho (1983), é o meio de comunicação impresso que primeiro expressa as mudanças lexicais na escrita. As informações, veiculadas por meio de imagens e pela linguagem, são um dos primeiros reflexos concretizados das mudanças na língua.

Os textos da imprensa são aceitos como exemplo de língua escrita; constituem na sua variedade, uma espécie de transição entre a língua falada e a língua escrita. No jornal, os elementos lexicais são muitas vezes usados de maneira nova ou mesmo são criados muitos termos (CARVALHO, 1983, p.5, grifo nosso).

Charaudeau (2009) reforça o caráter escritural da imprensa, o que faz deste espaço uma área analítica, muito mais do que na oralidade ou na iconicidade. “A escrita desempenha o papel de prova para a instauração da verdade, o que não é possível para a oralidade, não recuperável e aparentemente mais efêmera” (p.113).

As diferenças entre fala e escrita estão no cerne da discussão sobre mudança linguística (cf. capítulo 1). A fala é naturalmente mais propícia a mudanças porque é através dela que se dão as manifestações individuais da língua. Não pretendemos aqui hierarquizar a fala em relação à escrita; reconhecemos que o estudo da fala foi durante muito tempo marginalizado pelos estudos linguísticos, sobretudo por influência do estruturalismo, e que isso legou a seus estudos uma posição marginal durante muito tempo. Todavia, é inegável o prestígio social que tem a escrita, por representar sujeitos privilegiados academicamente e por restringir o acesso àqueles menos escolarizados. É pelo uso na escrita que se dá o registro de novos itens lexicais em obras lexicográficas, pois a palavra escrita documenta e

materializa as mudanças da fala.

Acreditamos que a fala e a escrita, enquanto modalidades de uso da língua, não se opõem, mas se relacionam em um contínuo de acordo com as diversas manifestações textuais que existem e que surgem a cada dia na sociedade. Defendendo essa ideia, Marcuschi (2010), baseado no gráfico de Koch e Österreicher (1990), elabora uma representação do que seria o contínuo entre fala e escrita, distribuindo por ele os gêneros mais usuais na atualidade:

Figura 5 – Contínuo fala x escrita de Marcuschi (2010, p.41) 59

Como podemos observar através do retângulo pontilhado, as notícias de jornal estão representadas como comunicações públicas escritas, mas próximas da fala, assim como as entrevistas, debates e discussões veiculadas por rádio ou televisão. Isso quer dizer que esses gêneros fazem parte de uma mesma situação de comunicação (comunicação pública), têm

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“O contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam o continuo das características que produzem as variaçoes das estruturas textuais-discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num contínuo de variações, surgindo dão semelhanças e diferenças ao longo de contínuos sobrepostos” (MARCUSCHI, 2010, p.42, grifos do autor).

por isso afinidades discursivas, mas aproximam-se ou afastam-se da fala e da escrita de acordo com regras e restrições impostas pelas condições de sua produção. A notícia de jornal é um registro escrito, mas está sujeita a estratégias próprias da fala.

A relação entre a neologia do discurso e a neologia da língua coloca em discussão o uso, que não esconde a manifestação da língua como fenômeno heterogêneo. Guilbert (1975) apresenta a criação neológica em dois momentos, que se complementam no reconhecimento do neologismo. Primeiramente, é necessário que ocorra a criação do neologismo de maneira individual (fala), por um locutor-criador. Mas a palavra nova só ganhará status social quando retomada por outros locutores da comunidade linguística. Como espaço privilegiado da palavra, a mídia escrita tem o poder de difundir as novas palavrass que surgem a partir de novidades no campo social e político.

Nesse ponto, observamos a pertinência de se estudar a criação lexical no domínio do jornalismo político, porque ele se comporta como difusor de acontecimentos e de discursos ligados de forma indissociável à comunidade em que circulam. Além disso, por suas regras ligadas aos gêneros jornalísticos, ele acaba representando uma linguagem média da modalidade escrita, trazendo as criações individuais para o âmbito da norma social.

A repetição do ato de criação instala o neologismo individual na sociedade do léxico; a criação é aprovada por um certo uso. O termo criado é, então, lexicalizado e perde ao mesmo tempo sua qualidade de neologismo, por se tornar uma palavra socialmente estabelecida (GUILBERT, 1975, p.49) 60.

Relacionar a criação lexical à atividade jornalística política significa unir um dos principais suportes de veiculação da linguagem escrita ao complexo processo de construção da linguagem verbal. A construção do mundo se dá através da linguagem, que se atualiza e passa de indivíduo a indivíduo, criando uma enorme rede que entendemos por cultura. Essas relações se estendem através do tempo, deixando marcas e se renovando com as subsequentes gerações e seus novos hábitos.

60 Tradução livre de “La répétition de l’acte de création installe le néologisme individuel dans la société du

lexique; La création est entérinée par um certain usage. Le terme créé est alors lexicalisé et perd, du même coup, sa qualité de néologisme, pour devenir um mot socialement établi”.

capítulo 4

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

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