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O jornalismo perante a blogosfera

Jay Rosen (2004) estabelece diferenças sólidas entre jornalismo e blogues Para este professor nova-iorquino, o blogue deriva da eco- nomia de uso, enquanto o jornalismo vem da economia de mercado O jornalismo, sendo do domínio de profissionais, quase nunca aceita os blogueiros, desconsiderando-os como amadores, ao passo que os jornalistas são sempre bem vindos à blogosfera Rosen vê ainda outras distinções, a primeira das quais é a consideração que as barreiras de entrada no jornalismo são altas, ao passo que nos blogues são baixas Pela segunda, ele define blogueiro como escritor que produz para lei- tores e outros escritores

Já Barbosa e Granado (2004) aceitam uma posição de complemen- taridade entre os dois meios O importante é o estabelecimento de relações de confiança e fidelidade, muito precisas dado se viver num mundo onde há uma cada vez maior diversidade de fontes de infor- mação a chegar ao público (Barbosa e Granado, 2004, p 53), postura semelhante tomada por Gillmor (2005, p 228) Para este autor, o uso de tecnologias digitais traz consequências a vários grupos de pes- soas, para além dos jornalistas: os que são objecto das notícias e o

público Gillmor entende que os blogues e outros meios modernos de comunicação são sistemas de retorno, afinal funcionando quase em tempo real como o Messenger e capturando a imensidão de ideias e realidades de cada blogueiro Este é um tipo de público que aban- dona o papel de mero consumidor e se assume como interveniente na produção das notícias Por isso, e devido aos novos media como os blogues, estamos mais bem informados, dentro de uma estrutura de código aberto, o qual envolve pessoas de todo o mundo, cada uma contribuindo com pedaços do que se tornará um padrão (Gill- mor, 2005, p 35)

Na actividade dos jornalistas, um dos pontos essenciais são as roti- nas produtivas, os modos como os profissionais recolhem, tratam e divulgam a informação (Tunstall, 2001; Tumber, 2000) Toda esta acti- vidade tem dificuldades ou constrangimentos: o acesso às fontes e a necessidade de preparar elementos sobre os mais diversos temas tratados pelos jornalistas, a constante variação de acontecimentos, o tempo e o espaço de produção (Santos, 1997, 2006) O trabalho jor- nalístico, apesar de caótico na pesquisa de informação, segue pata- mares de rotina próprios de qualquer outra indústria A que se junta a hierarquia, caso do editor, que adapta a peça noticiosa ao espaço e tempo disponíveis e à cultura de redacção e à necessidade de tra- balho conjunto (recolha de imagens, montagem de peças na tele- visão), traduzido num produto final sólido Ao invés, como escreve Viégas (2005), os blogueiros crêem nos valores-notícia contidos nas peças que elaboram mas não são muito persistentes na defesa dos seus pontos de vista Além disso, e ao contrário dos media tradicio- nais, não sabem medir adequadamente as audiências: quem os lê, o quê e que proveito tiram dessa leitura

Um aspecto fundamental sempre presente e que ilustra a dife- rença do jornalismo perante a blogosfera reside nos binómios entre público e privado e entre identidade e anonimato, que a segunda mistura com frequência É normal o blogue mostrar o privado, caso de fotoblogues com imagens do seu autor, família, amigos e mesmo desconhecidos que captou com a câmara fotográfica ou de vídeo Há, pois, uma espécie de querer mostrar a sua intimidade a estra- nhos – pois não se sabe quem lê o que se escreve – o que pertencia

ao domínio do privado, numa sequência sociológica vinda da televi- são e dos reality‑sows como o Big Brother Há um lado de voyeurismo em ver e mostrar-se, que leva a uma segunda condição: a do blogue como varandim de exposição de ideias, ficando o seu autor à espera que apareça alguém identificado com a proposta e a comente e crie um novo círculo

O outro binómio é o da relação entre conhecido e anónimo Um blogue pode ser anónimo (contrário do jornalista que assina a peça), não necessita de comparar fontes de informação com perspectivas diferentes (diverso do jornalista, que ouve as várias partes envolvi- das num acontecimento) e o seu autor expressa habitualmente uma posição subjectiva (claro que o fenómeno do anonimato extravasa a fronteira dos blogues ligados ao jornalismo e ocupa uma grande cen- tralidade na blogosfera) Devido à auto-edição, qualquer pessoa passa por “jornalista” (as aspas indicam reserva, porque o jornalismo implica um conjunto de princípios éticos e deontológicos para além de um saber de construção de notícias) Do mesmo modo, qualquer pessoa pode ser fonte de informação e escrever, pelo que um jornalista não deve negligenciar tal fenómeno Claro que um jornalista-blogueiro, na senda do definido por Singer (2005), adquire um estatuto oposto ao anonimato, atingindo eventualmente uma posição de estrela (Palomo, 2004, p 73), detectável, por exemplo, na actual condição social de

Dan Gillmor (2005)

Vimos já da possibilidade de haver uma circularidade visível entre blogues Ela também se estende aos jornalistas Há muitos profissio- nais que, de manhã, para além de lerem o seu jornal (ou outro meio), a concorrência e os takes das agências, fazem a ronda por alguns blo- gues com informação útil, que adquirem prestígio ao ponto de serem citados nas notícias

A circularidade levanta uma questão associada, a da concorrência entre blogues e media tradicionais Um blogue não é um jornal, pois não possui hierarquia, estrutura organizacional, responsabilidades económicas, políticas e de valores éticos ou morais, necessidade de objectividade, verosimilhança e isenção Um jornal, para viver precisa de rendimentos, seja a venda de exemplares, assinaturas ou publici- dade Claro que, se um blogue tiver muita audiência e a souber apro-

veitar, pode converter isso em colocação de publicidade, o que sig- nifica o contrário do defendido por Rosen (2004), o do blogue per- tencer a uma economia de troca Aliás, data de 2005 o surgimento de blogues institucionais que promovem produtos e serviços das suas empresas Há, noutro campo, uma discussão séria, a existente entre jornais pagos e gratuitos, com estes a ameaçarem aqueles em termos da própria sobrevivência