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2.2. Fraudes e Falcatruas

3.1.3 Joseph Stiglitz

O economista norte-americano um novo-keynesiano crítico ao neoliberalismo e aos paradigmas econômicos colocados por essa corrente de pensamento, em especial o livre mercado. Em 2010, Stiglitz publicou um livro em que discute não apenas a crise financeira nos Estados Unidos, mas, em geral, a crise na teoria econômica do livre mercado, mostrando como a desregulamentação financeira do fundamentalismo de mercado permitiu o aparecimento das instituições e produtos financeiros do shadow

banking e sua intensa multiplicação.

Em O Mundo em Queda Livre, o autor aponta erros tanto na política fiscal quanto na política monetária norte-americana que, em sua opinião, contribuíram para a formação da bolha especulativa no mercado imobiliário do país na medida em que influenciaram o comportamento tanto das famílias quanto das instituições financeiras para uma posição cada vez mais arriscada. A política perseguida por George W. Bush, e continuada por Barack Obama, de diminuir a cobrança de impostos para todas as classes sociais – política que ficou conhecida como Bush tax cuts – foi controversa no cenário norte-americano, e acusada não apenas de falhar em sua proposta de retomar o crescimento econômico e reduzir a desigualdade na nação, mas ainda de colaborar para a formação de uma crise fiscal nos Estados Unidos. Em relação à política monetária, Stiglitz acusa o padrão de consumo norte-americano, baseado em tomada de crédito e dívidas em geral, de acelerar a formação e o estouro da bolha imobiliária.

Mas é na criação e uso desregulado de produtos e processos financeiros que o autor vê a culpa pela crise de 2008, e, na globalização e interconexão entre os países, os motivos para seu aprofundamento e propagação. Para Stiglitz, a falta de transparência dos bancos e outras instituições financeiras criou uma cadeia arriscada de incentivos enquanto os preços dos imóveis subiam no mercado, mas que sucumbiu à inadimplência quando entraram em queda. Com o sistema financeiro desregulado, o cenário ficou livre para a

12 Stiglitz recebeu o prêmio Nobel em 2001 por suas contribuições, em conjunto com outros dois

economistas, para criação de fundamentos da teoria dos mercados com informações assimétricas, e é, na mesma linha de pensamento, defensor da regulação estatal dos sistemas e mercados financeiros.

45 criação de produtos financeiros complexos e modos obscuros de comercializá-los, mas com a falta de transparência do governo durante a superação da crise, algumas instituições foram consideradas too big to fail, enquanto outras, inclusive as famílias, foram deixadas à revelia do livre mercado. Para evitar essa situação de impunidade, a sugestão do autor é a de que, longe de sucumbir à influência política dos lobbys financeiros, o governo impusesse ao sistema bancário que se dividisse em pequenas instituições segmentadas em atividades distintas, para evitar que uma quebra específica pudesse causar a quebra também da confiança dos agentes em todo o sistema bancário – e evitando, portanto, a formação de instituições too big to fail.

O autor ainda exime as baixas taxas de juros da culpa pela formação da bolha imobiliária. Em suas palavras,

(...) que outro tipo de atividade diria que o custo dos seus insumos (aço, salários) foi a razão de seus lucros terem sido tão baixos e o desempenho tão ruim? O principal insumo da atividade bancária é o custo de seus fundos, e no entanto os banqueiros parecem queixar-se de que o FED tornou o dinheiro demasiado barato! Se os fundos de baixo custo tivessem sido bem usados, teríamos uma economia mais competitiva e dinâmica. (STIGLITZ, 2010 p. 45)

Ainda que reconheça que, num sistema desregulado, as taxas de juros em alta talvez tivessem impedido a formação da bolha, Stiglitz assume que, se houvesse regulação devida, as baixas taxas poderiam ter funcionado a favor da criação de novos investimentos, novas tecnologias, e até expansões empresariais.

Dentro de sua corrente de pensamento, Joseph Stiglitz compreende os mercados, em especial os de produtos financeiros, como entes falhos sujeitos a externalidades, e imputa a isso a posição de risco que foi assumida pelos bancos antecedendo a crise de 2008. Para o autor, a demasiada interligação do sistema financeiro gerou externalidades tão grandes que, por um lado, fugiram aos olhos dos agentes financeiros, mas por outro, incentivaram um comportamento arriscado, com a esperança de que os custos fossem divididos por um grande número de pessoas. De fato, a existência dessas externalidades e sua utilização para justificar determinado comportamento dentro do sistema financeiro comprovam, na visão de Stiglitz, que os mercados não podem ser considerados eficientes e não podem ficar livres de regulação.

Quanto às políticas de socorro no pós-crise, o autor reitera sua afirmação de que a falta de transparência governamental e a impunidade de algumas instituições que

46 colaboraram para a formação e estouro da bolha, através de comportamento arriscado e inescrupuloso, não foram suficientes para superar a crise financeira e ainda podem carregar consigo consequências de longo prazo:

Os resgates fornecem um exemplo de um conjunto de políticas incoerentes, com consequências potenciais de longo prazo. (...) Um dos argumentos enunciados por muitos que atuam nos mercados financeiros em defesa da atitude de não ajudar os donos de hipotecas que não conseguem cumprir suas obrigações é o de que isso dá lugar a um risco moral (...). As preocupações a respeito do risco moral afetaram também a decisão de não salvar Lehman Brothers. Mas essa decisão gerou, afinal, a maior série de salvamentos da história. Quando chegou a vez dos grandes bancos dos Estados Unidos, no rastro de Lehman Brothers, os pruridos com o risco moral foram postos de lado. (STIGLITZ, 2010 p. 55).

De acordo com Stiglitz, risco moral e confiança dos agentes são aspectos importantes da solução de uma crise econômica porque não são os ativos reais de uma economia que, em geral, são destruídos durante uma crise. Ficam os prédios, as fábricas, os trabalhadores, mesmo que bancos, firmas e famílias vão à falência. “O que acontece em uma crise é a erosão da confiança e o enfraquecimento do tecido institucional da sociedade”. (Stiglitz, 2010, p 110). Dessa maneira, recuperar o crescimento econômico não depende apenas de retomar a produção e cuidar para que não cresça em demasia o desemprego, mas também de recuperar a confiança dos agentes no sistema de mercado e na ação rápida e efetiva de seu governo.