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Sócio 4-S, entre 1.000.000 jovens existentes em nosso Estado, tu te destacas, porque o convite que recebemos para fazer um Brasil mais forte é aceito por ti e te permitirá já nos primeiros passos que dás, entrar com coragem, na fila dos que ombro a ombro, decidiram-se a construir um Brasil Grande e Unido. (Trecho da EXORTAÇÃO 4-S)

Neste momento de discussões sobre os rumos da agricultura brasileira, é construído um espaço para que um novo sujeito entre em cena: o jovem. É ele quem tem a missão de construir um Brasil Grande e Unido (conforme a epígrafe). Não “qualquer” jovem do campo, mas o jovem 4-S. É ele quem Sabe . É ele quem Sente. Quem Serve. Quem tem Saúde para tudo realizar (conforme a sigla 4-S). A partir das representações produzidas sobre o campo catarinense e sobre o elemento produtivo – o agricultor –, a ACARESC pôs em prática uma série de ações no sentido de “modernizar”, de transformar este meio rural, e dentre suas estratégias podem citar-se os Clubes 4-S.

A formação de um novo agricultor constituiu-se no objetivo da ACARESC durante sua existência. O discurso foi utilizado como um importante mecanismo de impor práticas aos jovens agricultores. E quem era esse jovem elaborado discursivamente pelo Serviço de Extensão Rural da ACARESC? Ora, esse era um jovem que precisava SABER, ou seja, “Aprender a usar métodos racionais em Agricultura, Pecuária e Economia Doméstica.”112 O conhecimento racional foi valorizado em detrimento de conhecimentos repassados de geração a geração, herdados do saber costumeiro. Aqui ocorre uma incompatibilidade de saberes que entram em choque, onde um (o “científico”) seria legitimado como o único possível de tirar o Brasil e sua agricultura do “atraso”. Através dos saberes adquiridos através dos Clubes 4-S, os jovens “tornam-se assim, capazes de atuar com valor no meio

em que vivem discutindo e encontrando soluções próprias para suas dificuldades.”113 O

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ACARESC. Manual dos clubes de trabalho 4-S, op. cit. p. 3.

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Saber foi traduzido, de certa forma, como as práticas necessárias para a permanência do jovem no campo.

O agricultor que se utiliza de conhecimentos modernos necessita, além de saber, SENTIR. Isso significa, no olhar da ACARESC, que

os jovens rurais aprendam a olhar a vida com otimismo e realismo. Aprendem a sentir no trabalho que fazem, uma contribuição para o desenvolvimento de sua comunidade e da Pátria. O constante sentimento de lealdade, a atitude correta no pensar e agir, fazem- nos sentir que seus esforços não buscam unicamente o bem-estar particular, mas também o de seus semelhantes.114

O sentir está aliado ao saber, ao conhecer, ao construir. É construído o sentir. Sentir é também “[...] habilitar os jovens a arcar com a parcela de responsabilidade que lhes

caberá no futuro, como membros de uma comunidade democrática”, ou ainda, “dar oportunidade para que os sócios aprendam a sentir responsabilidades.”115 Sentir-se jovem e responsável pelo engrandecimento da pátria.

Mas para que Saber, Sentir? Não apenas para si, mas o jovem precisa SERVIR, afinal, “servindo, os jovens aprendem a ser úteis a sua comunidade, pois participam de

atividades e empreendimentos que venham em benefício do lugar onde moram.”116 Servir era atrair os olhos da comunidade, chamar sua atenção. Para esse novo saber legitimar-se, a utilização da força não é aconselhável. Fizeram-se necessárias estratégias de convencimento. O discurso necessitou fazer-se diferente e novo, naquele momento, para ser legítimo. É preciso ter SAÚDE para desenvolver os trabalhos, as atividades da melhor forma. Mas a saúde propagada pelos Clubes 4-S baseava-se em uma série de conhecimentos para sanar (ou tentar) os problemas pela raiz. Por exemplo, de nada adiantava acabar com as moscas dentro de casa, era preciso ir mais longe: “O importante é

combatê-las, e para isto devemos ter hábitos como: Guardar os alimentos em latas e armários e não deixá-los na mesa descobertos, pois as substâncias açucaradas atraem moscas.” Deve-se ir à raiz do problema, ser radical: “Combater, de preferência as moscas no lugar onde se criam, ou seja, nas sujeiras. Por isso, o estrume animal não deve ser

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Ibidem. p. 3.

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jogado livremente aos campos. Deve ser recolhido numa estrumeira cujas tampas tornem perfeitamente fechadas até que o esterco fique bem curtido.”117 A saúde é o princípio do trabalho. Um agricultor doente não trabalha, não produz, não engrandece a comunidade ou a nação, e de nada adiantariam os saberes se eles não fossem aplicados diretamente no próprio agricultor, em sua saúde, de forma racional.

Um agricultor “atrasado”, “arcaico” não poderia fazer frente aos projetos pretendidos pelos que tentavam impulsionar o Brasil para o “progresso”. Assim, pode-se perceber que o discurso da ACARESC foi muito articulado, não pretendendo apenas romper a estrutura tida como “arcaica”, mas, sobretudo, criar um novo agricultor. Nesta perspectiva, as atividades junto à juventude rural forneceram elementos para a atração dos jovens para estes clubes, mas o uso da coerção explícita, a obrigatoriedade de ingressar nos Clubes 4-S não foi utilizada. Eram, sim, utilizadas estratégias para chamar a atenção dos jovens, pois ser um quatroessista significava ter respaldo em relação ao saber, ao conhecimento. Tratava-se de pensar que, através destes clubes, eram desenvolvidas atividades que realçavam uma diferenciação entre os jovens agricultores (os “quatroessistas” e os “não-quatroessitas”), grosso modo, através do saber. Aqueles eram jovens que se diferenciavam dos demais agricultores, tanto jovens quanto adultos, porque eram jovens que “sabiam”, ou seja, eram jovens que tinham acesso ao conhecimento científico.

Pode-se pensar que o agricultor que não se identificava com o discurso modernizador da Extensão Rural, que tinha como instrumento privilegiado de ação os Clubes 4-S, era defensor do “atraso”. O(s) sujeito(s) produzido(s) pelo discurso modernizador era o sujeito moderno, que, utilizando conhecimentos racionais e cientificamente comprovados (os fertilizantes, as técnicas empreendidas no campo que chegaram com a Extensão Rural), tornava-se capaz de implementar as mudanças necessárias para o desenvolvimento da agricultura no Brasil.

O discurso da Extensão Rural procurou formar um (jovem e) novo agricultor, um novo sujeito. Tanto para os extensionistas quanto para os jovens quatroessistas, os conhecimentos tornavam-se uma importante forma de poder, de imposição de práticas e

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Ibidem. p. 6.

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BERGER, Elaine B. Combate às moscas. Jornal Oestão. Página da ACARESC. Chapecó, 26 nov. 1978. (A autora do artigo foi extensionista social no município de Faxinal dos Guedes, SC).

concepções. “Saber é Poder” para o extensionista que orientava os jovens dentro do discurso da Extensão Rural; mas também para o jovem em relação aos agricultores adultos e aos jovens que não faziam parte dos Clubes 4-S, pois desempenhavam práticas amparadas por um discurso de utilização racional dos espaços. Porém, não considero as relações de poder enquanto unilaterais, e elas podem ter outras configurações, afinal, o jovem quatroessista podia de alguma forma zombar do discurso extensionista, assim como os jovens que não faziam parte dos Clubes 4-S podiam desempenhar algo semelhante.