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JUDICIALIZAÇÃO E ASCENSÃO INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO

3. SUPREMACIA JUDICIAL E CONTROLE DO ATO POLÍTICO

3.2 JUDICIALIZAÇÃO E ASCENSÃO INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO

Conforme anota Luís Roberto Barroso, constitucionalizar uma matéria no ambiente em que vigora a supremacia formal e material da Constituição significa retirar do universo das instâncias políticas majoritárias (o Legislativo e o Executivo) a decisão final sobre questões fundamentais da comunidade e subjugá-la ao exercício da autoridade jurisdicional242. Em outras palavras, quer-se dizer que o último capítulo envolvendo determinadas matérias terá seu desfecho perante o Judiciário. Envolvendo questões constitucionais, então, o Judiciário “é juiz exclusivo da extensão da sua própria autoridade”243

.

De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular244.

Ademais, com a impregnação da ordem jurídica pela Constituição, a linha que separa Direito e Política tem sido matizada drasticamente. A Constituição, como bem adverte Luís Roberto Barroso, faz a interface entre direito e política, “[...] mas a linha divisória entre ambos, que existe inquestionavelmente, nem sempre é nítida, e certamente não é fixa”245.

241

LASSALE, Ferdinand. Op. cit. p. 31. 242

BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. p.6.

243

BARBOSA, Ruy. Os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo. Rio de Janeiro: Companhia Impressora, 1893. p.87.

244

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. p.1. 245

Observa Dirley da Cunha Júnior que desde o período que remonta ao início do século passado, com o advento das Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919), verificou-se uma tendência em incorporar em seus textos, objetivos e diretrizes políticas, transformando questões de política em questões jurídicas, a dizer, incluindo-as diretamente na pauta do Poder Judiciário. Bem por isso afirma o autor que “[...] Qualificadas como questões jurídicas, as atividades políticas do Estado, quando não regularmente cumpridas, submetem-se ao crivo do Judiciário, aqui residindo à própria essência da judicialização da política”246.

Surge, então, o fenômeno da Judicialização, designando justamente a expansão da jurisdição no contexto em que impera a supremacia judicial, isto é, “significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário” 247

.

Tentando elucidar as causas que concorreram para a consolidação da Judicialização no quadro institucional do novo constitucionalismo, o professor da UERJ identifica algumas circunstâncias de naturezas diversas, ganhando especial destaque “o reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as democracias modernas” e, em certa medida, “a desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral”248

.

No Brasil, em particular, somadas aos fatores verificados em todo o mundo, duas causas bastante particulares têm sido o combustível para a vertiginosa “judicialização da vida”249

, para citar conhecida expressão utilizada por Luís Roberto Barroso. A primeira foi o sistema de controle de constitucionalidade consagrado pela Constituição de 1988, que enfeixa o modelo misto, conformado pelo de “matriz americana – em que todo juiz e tribunal pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz europeia, que admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional”250

.

Quanto à segunda, recorre-se a apontar o modelo de constitucionalização adotado, horizontalmente abrangente e verticalmente analítico, vale dizer, carregada de matérias não essencialmente ligadas às questões substancialmente fundamentais do Estado e da comunidade, e detalhista a ponto de conferir maior certeza do Direito, estimulando ainda mais

246

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A judicialização da política, a politização da justiça e o papel do juiz no estado constitucional social e democrático de direito. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA; Direito Constitucional. p.156.

247

BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. p.7.

248

Idem. Ibidem. p.7. 249

Idem. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. p.2. 250

os legitimados a proporem ações diretas perante o supremo, e levando as pessoas no dia a dia a se sentirem mais confiantes em buscar a justiça com base na Constituição.

A confluência entre a incorporação progressiva de inúmeras questões e diretrizes políticas nos textos constitucionais, de um lado, e o aprofundamento da crise de representatividade amargada nas instâncias políticas majoritárias, do outro, conduziram ao cenário político de expansão do protagonismo da Jurisdição constitucional e a consequente ascensão institucional do Poder Judiciário251.

Adentrando o Poder Judiciário, em alguma medida, ao espaço tradicionalmente reservado à política majoritária, trava-se na doutrina uma séria discussão sobre a necessidade atual de repensar um novo arranjo funcional dos poderes, erigido a partir de uma Constituição normativa dotada de uma força jurídica capaz de constranger todos os poderes ao cumprimento das tarefas por ela impostas252.

Para os termos do presente trabalho, o estudo que se segue afigura-se tema relevante para situar o território institucional ocupado pela função judiciária no ambiente em que vigora o neoconstitucionalismo, a demonstrar, em última instância, o atual quadro dos espaços de Poder deixados pela Constituição ao âmbito das instâncias políticas, com repercussão para a discussão sobre a possibilidade de revisão e correção judicial das escolhas realizadas pelo Chefe do Poder Executivo no exercício da função de governo.

3.3 REPENSANDO A SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES DO PODER: O PAPEL DO PODER