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Ao fazer uma análise leiga acerca do judiciário brasileiro, é possível perceber uma descrença em relação à sua efetividade, seja em função da morosidade ou pelo próprio formalismo que envolve a administração da justiça. Essa perspectiva é bem notada quando se analisa os discursos daqueles que mantiveram alguma experiência judicial, seja direta ou indiretamente. Surpreende que a aversão ao Poder Judiciários atinge até mesmo quem trabalha em alguma instituição jurídica, como fica claro no depoimento extraído do estudo de Paula sobre representações sociais e o acesso à justiça, cuja entrevistada denominada Alexandra concedeu e asseverou

Eu vou te falar o seguinte. Eu rezo para não ter problema pra ter que acionar o judiciário. Eu rezo para não ter um problema sério. Se eu fico dois dias sem internet, eu ligo pra lá e reclamo. Se não recebi alguma coisa, eu reclamo e tento resolver por outras vias, porque a última coisa que eu quero fazer é acionar o judiciário, porque é burocracia é tão grande, é tanta coisa, tanto prazo, tanta dificuldade para um juiz despachar, tanta dificuldade que a gente vê aqui no dia a dia, de juntar as petições, as dificuldades são tão grandes seja pra gente, funcionário, seja para a parte, para a gente conseguir... a gente não consegue fazer isso, levar a justiça, não consegue mesmo. Eu torço todo dia para não acontecer alguma coisa comigo e eu precisar do judiciário (2012, p. 97).

O discurso da servidora do poder judiciário há 17 anos (PAULA, 2012, p.97) é plausível e deveras representativo. O trecho da entrevista acima revela que o próprio Poder Judiciário não é crente na sua capacidade de entregar um efetivo acesso à justiça ao cidadão, haja vista a falta de estrutura revelada.

Nesse ínterim, a fim de amenizar essas mazelas que permeiam o Poder Judiciário e prejudicam a entrega de uma prestação jurisdicional célere e justa é que emergem os juizados especiais.

Em um primeiro momento chamados “juizados de pequenas causas”, foram trazidos pela Lei número 7.244, de 7 de novembro de 1984 e, com o sucesso experimentado, recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou a denominá-los juizados especiais e declarou a obrigatoriedade de sua implementação.

A instituição dos aludidos juizados se deu primeiramente no âmbito da justiça estadual, sendo regulamentados pela Lei 9.099 de 1995. Os juizados especiais, de acordo com o artigo 2º da Lei 9.099, são pautados pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, assim como pela busca, sempre que possível, da conciliação ou transação, sendo condizentes com o aspecto de acesso à justiça

defendido pelo presente trabalho.

Na justiça estadual, os juizados especiais são competentes para decidir causas de menor complexidade e cujo valor não exceda 40 salários mínimos, sendo facultada a assistência por advogado nas causas cujo valor não seja superior a 20 salários mínimos.

Já na esfera federal, os juizados especiais foram instituídos pela Lei número 10.259, de 7 de dezembro de 2001, sendo competentes para julgar causas de até 60 salários mínimos e

distingue-se pelo tipo de causas para as quais tem competência, causas que envolvam a União ou órgão público federal. A maior parte as questões é de natureza previdenciária e de assistência social, as demandas sobre imposto de renda, Sistema Financeiro de Habitação e fornecimento de remédios apresentam também grande incidência (SANTOS, 2011, p. 74).

Como consequência do critério que busca sempre que possível a conciliação entre as partes, no procedimento dos juizados especiais é obrigatória a realização de uma audiência preliminar de conciliação, a fim de evitar a postergação do processo quando há possibilidade de acordo. Se a conciliação não for realizada em sede de audiência própria, poderá ser feita posteriormente, mais uma vez condizendo com os critérios norteadores dos juizados.

Outro aspecto inovador diz respeito à possibilidade da parte receber créditos contra a Fazenda Pública por via de requisição de pagamento, sem a necessidade de aguardar a execução do precatório.

Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório (SANTOS, 2011, p. 75).

Tal possibilidade se dá pelo fato dos juizados especiais terem um limite no valor das demandas, já referidos anteriormente. Assim, além de darem efetividade ao pagamento de pequenos valores devidos pela Fazendo Pública ao cidadão, os juizados especiais trazem à apreciação judicial aquelas causas cujo valor, quando judicializado pelas vias ordinárias, era consumido pelo valor das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios. Assim, a instituição desses juizados vem a mitigar dois limites do acesso à justiça mencionados por Cappelletti e Garth (1988): as custas judiciais das pequenas causas e aquelas geradas pela morosidade, visto que esta última “aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teria direito” (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 20).

cidadão e o Poder Judiciário, ainda mais quando se assevera que

Os juizados especiais têm sido reconhecidos como solução, dentro da estrutura do judiciário, de celeridade para a solução das contendas e de aproximação da decisão judicial dos cidadãos, permitindo a conciliação, a transação, a desistência de recursos e extinguindo o reexame necessário (SANTOS, 2011, p. 75).

No entanto, não obstante toda a inovação trazida pela instituição dos juizados especiais, em que pese o desempenho magistral do papel de facilitador do acesso à justiça pelos mais desfavorecidos economicamente, muito ainda tem de ser feito no cerne da administração da justiça para entregar a estes juizados um maior arsenal, aumentando a dotação orçamentária, assim como melhorando as estruturas físicas e o número de profissionais, sendo preferencialmente mais bem preparados.

Relevante salientar, também, que a litigiosidade ainda é dissipada na formação dos profissionais jurídicos, cujo caráter adversarial impede uma maior efetividade da função dos juizados especiais enquanto propositores de uma conciliação chancelada pelo Poder Judiciário. Nesse ínterim, destaca-se que a probabilidade de se fazer um acordo diminui quando a parte se apresenta na audiência com um advogado, conforme se depreende do estudo realizado pelo Ministério da Justiça, citado por Santos (2011).

Portanto, cumpre concluir que os juizados especiais, por meio de seus critérios norteadores, promovem uma aproximação do cidadão do Poder Judiciário, sobretudo no que se refere à simplicidade das demandas e à dispensa do pagamento de custas e despesas processuais, sendo cediço o reconhecimento de que pertence àquela terceira onda renovatória proposta por Cappelletti e Garth (1988). Ainda, por ser pautado pelo princípio da celeridade, rompe com o aspecto psicológico de ineficácia da prestação jurisdicional, encorajando o cidadão a não ficar inerte frente à alguma situação que demande o conhecimento do judiciário.

3 DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA DEMOCRATIZANDO O ACESSO À

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