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julho de 2010 das violências as mulheres e intrafamiliares (contre les violences faites aux femmes et

intrafamiliales) :

(http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000026263463&dateTexte=&catego rieLien=id) ; e em 2006 a Lei sobre o fortalecimento da prevenção e da repressão da violência entre o casal

e contra menores de idade:

http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000422042&categorieLien=id; a

Lei de 2002 sobre a punição do assédio moral no trabalho:

http://legifrance.gouv.fr/affichCodeArticle.do?idArticle=LEGIARTI000026268205&cidTexte=LEGITE XT000006070719.

67 No original : « Des militantes créent la première association de lutte contre les violences conjugales,

« SOS Femmes Alternatives », et le premier foyer pour femmes battues, « Flora Tristan », ouvre en 1978. En dépit de ces actions pionnières, la réalité de ces violences n’est pas mieux perçue. La multiplication des centres d’écoute ou d’accueil spécialisés n’aura lieu, avec l’attribution de subventions publiques, qu’à la fin des années 1980 ». (Jaspard, 2005: p. 13)

(Abreu, 2010; Diniz, 2006; Sarti, 2004; Corrêa, 2001). Nesse contexto de ebulição de ideias e de práticas inovadoras, os movimentos feministas e de mulheres organizaram a criação de centros de apoio às mulheres em situação de violência, pensados muito próximo aos moldes dos grupos de conscientização franceses. Neles, mulheres se encontravam para debater sobre questões “próprias a elas”: casamentos, sexualidade, concepção, maternidade, aborto etc. A institucionalização desses espaços não era uma premissa. Antes, pensavam em criar dispositivos de permanência nos quais as próprias feministas atenderiam às mulheres e suas demandas (Taube, 2002, Gregori, 1993; Pontes, 1986).

Se a proximidade com o Estado não era um consenso entre os movimentos feministas e de mulheres (Gregori, 2006; Debert e Gregori, 2006), observa-se ao mesmo tempo a existência de ações voltadas a criar uma agenda política institucional (Diniz, 2006). Estas ações culminaram na criação, não sem tensões ou dissensos, da Delegacia de Defesa da Mulher no município de São Paulo (Andrade, 2012a ; Nadai, 2012; Gregori, 2006; Diniz 2006). Alguns setores do movimento feminista e de mulheres acreditavam em uma transformação do Estado por dentro de suas bases, produzindo assim ações concretas no enfrentamento à violência contra a mulher. Mesmo na França, as propostas de institucionalização de centros de permanência e apoio voltado para mulheres em situação de violência conjugal eram vistas como maneiras de criação de agendas políticas e transformações nas relações entre homens e mulheres (Herman, 2012; Jaspard, 2005).

Durante a década de 1990, observou-se um processo em diversos países de “profissionalização” dos movimentos sociais em Organizações Não-Governamentais (ONGs), dentre eles, o movimento feminista. Como observa Zarpelon (2002), esse fenômeno de proliferação de ONGs alterou o padrão combativo de atuação dos movimentos sociais na década de 1970/1980 para um modelo de “assistência e competição por recursos públicos e de agências financiadoras internacionais nos últimos anos” (p. 203). As ONGs passaram, então, a atuar cada vez mais como executoras ou avaliadoras de programas sociais dos governos. Profissionalizando-se na redação de projetos e captação de recursos, os movimentos feministas que se organizaram em ONGs ou com maior e melhor infra-estrutura sobrepuseram-se aos pequenos grupos que não dispunham de competitividade para angariar financiamento e executar suas atividades (Zarpelon, 2002; Schild, 2000; Alvarez, 2000).

Os centros de apoio e de acolhimento a “mulheres em situação de violência”, no Brasil e na França, foram atravessados por esse contexto “global” na década de 1990, disputando financiamento das agências internacionais, assim como a parceria em projetos

governamentais. Assim, antes de serem institucionalizados como políticas públicas governamentais, eram os movimentos feministas os encarregados de acolher mulheres em situação de violência de todo tipo, os quais originaram nos centros de apoio e de trabalho social (Schild, 2000). Em sua atuação, os movimentos feministas foram os principais produtores de demandas ao Estado, criando uma agenda política na qual a violência conjugal ou sexista (França) e a violência contra a mulher e de gênero (no Brasil) constituíram-se paulatinamente como intoleráveis à sociedade (Herman, 2012).

Na França, ainda hoje, observa-se a existência de um processo de engajamento dos movimentos feministas no acolhimento e apoio às mulheres em situação de violência. As associações francesas de apoio à mulher (prise en charge) são parceiras do Estado, embora não se entendam como parte dele. Em sua maioria, estão organizadas como associações pela Lei 1901/200968, propondo anualmente projetos aos organismos

públicos nas localidades onde atuam. Aspecto que produz uma instabilidade de ações ou a continuidade de projetos, uma vez que não está garantido o financiamento público às suas atividades por um tempo prolongado. Apesar disso, Jaspard (2005) observa que esse é também processo de “institucionalização” pelo qual passaram os movimentos feministas franceses militantes organizados contra a violência conjugal e sexista. No Brasil, a institucionalização dos centros de apoio à mulher ocorreu, principalmente, nos anos 2000, a partir da formulação de políticas públicas que buscaram uniformizar os protocolos de atendimentos à mulher (Brasil, 2006). Mesmo que exista uma garantia da existência dos centros de apoio no Brasil, eles também ficam à mercê de disposições orçamentárias e interesses políticos daqueles que ocupam, de tempos em tempos, o poder executivo.

Descrever os contextos de possibilidade de emergência de ações contra a violência possibilita observarmos como uma razão de Estado baseia-se na prática dos princípios dos direitos humanos e na produção de sujeitos legítimos de serem inscritos em suas políticas. Desta maneira, ao mostrar que os centros e associações de apoio seguem protocolos nacionais e internacionais de atuação em casos de violência doméstica de

68 A lei que configura as associações francesas as define como uma “convenção pela qual duas ou mais

pessoas colocam em comum, de forma permanente, seus conhecimentos ou suas atividades com o objetivo de compartilhar benefícios. Ela está regida em relação à sua validade, pelos princípios gerais do direito aplicados aos contratos e obrigações”. As associações podem atuar livremente, desde que respeitem “as leis e os bons modos, mas precisam efetuar uma declaração de seus objetivos, local de atuação e a proposta de trabalho na administração local onde desenvolverão suas atividades para obter efeitos jurídicos. O texto

integral está disponível no endereço :

http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=LEGITEXT000006069570&dateTexte=2009050 6

gênero e violência sexista e conjugal apontam para as maneiras como essas práticas

estatais emergem no cotidiano dessas instituições que as acionam de maneiras inventivas (Das e Poole, 2008; Herzfeld, 1992). Percorrer o cotidiano burocrático dessas instituições é também mostrar como as práticas estatais, entendidas por um pensamento “ocidental” como racionais, estão atravessadas também por discursividades de gênero e de sexualidade, por moralidades religiosas e saberes psi (psicológico, psiquiátricos, psicanalíticos), assistenciais e jurídicos. Além disso, a dimensão das emoções na relação entre profissionais e mulheres, e entre mulheres e mulheres (como no MADA), produzem práticas de escuta e de cuidado, adensando o entendimento sobre formas e experiências

violentas e destrutivas.

2.1.1. CEAMO: Entre afetos, violência e Direitos Humanos

Foi através da consulta aos inúmeros materiais explicativos existentes no CEAMO (Centro de Referência e Apoio à Mulher) que soube do discurso sobre sua criação: uma demanda do movimento de mulheres de Campinas, em 2001. Eu havia acabado de chegar no CEAMO, era janeiro de 2014, e ainda estávamos conversando – eu, a psicóloga e a coordenadora do espaço – sobre a formação do grupo de mulheres (descrita no Capítulo 4). Pela impossibilidade de iniciar imediatamente a pesquisa com as mulheres, uma vez que os grupos estavam suspensos há algum tempo, voltei-me às informações sobre a formação da instituição. Neste material, havia dados estatísticos sobre as mulheres atendidas pelo CEAMO (faixa etária, número de filhos, estado civil, profissão, encaminhadas por qual serviço da rede de assistência, dados sobre o cônjuge etc), os quais produziam a população que seria atendida: as mulheres em situação de violência de

gênero. Também havia prontuários sobre os acompanhamentos realizados, indicando as

questões tratadas nos encontros entre profissionais e mulheres durante os atendimentos individuais. Entre relatórios de avaliação do serviço e prestação de contas sobre suas atividades para a prefeitura do município de Campinas, encontrei ao acaso a informação sobre sua criação.

Redigido para celebrar 10 anos de existência do CEAMO, o documento articulava a sua história às demandas do movimento de mulheres de Campinas. Eu já sabia, pela placa afixada na sala de recepção da instituição, que o CEAMO havia sido criado em 12 de setembro de 2002. No entanto, para mim, aquela menção feita rapidamente sobre o momento de criação do espaço, era significativo. Isso porque trazia um dos elementos importantes para pensar a prática do espaço: as pautas do movimento de mulheres.

Embora eu não entendesse aquele documento como uma prova de verdade sobre a existência do CEAMO, suas linhas apontavam para eventos e noções que alçaram a violência contra a mulher na agenda política governamental.

Como mostra a bibliografia e relatos sobre o período (Taube, 2002; Gregori, 1993; Grossi, 1991; Pontes, 1986), o intuito com a criação dos centros de apoio à mulher no Brasil consistia na possibilidade de um lugar de atendimento integral – jurídico, psicológico e social –, de acolhimento e de escuta sensibilizada das histórias contadas pelas mulheres que vivenciavam situações de violências conjugais em seus lares. Naquele momento, nos anos 1980, a existência de centros e casas abrigos estava voltada muito mais para uma expectativa de publicização, legitimação, informação e ação direta (acolhimento, escuta, apoio), que para a criação de demandas ao Estado (Diniz, 2006). O objetivo era, portanto, evidenciar o problema das situações de violência como um intolerável que, por isso, precisava ser combatido (ver Introdução desta tese). Somente na década de 1990, propostas de institucionalização dos espaços formados nos anos anteriores começaram a ser vislumbradas como política de Estado, pautados por um contexto de reatualização dos princípios dos Direitos Humanos (Convenção de Viena, 1993). Mesmo que esse processo não tenha sido consenso entre os movimentos feministas e de mulheres atuantes no enfrentamento à “violência contra a mulher”, pensava-se que, como política pública seria possível garantir a continuidade desses serviços, os quais teriam um orçamento destinado e garantido para a manutenção e fortalecimento de suas atividades.

A partir do conhecimento sobre o contexto de constituição e de institucionalização dos centros de apoio à mulher brasileiros, observei ressonâncias no material comemorativo de mais um aniversário do CEAMO: 10 anos69. Segundo a história contada no documento, o movimento de mulheres e os movimentos populares do município de Campinas teriam dado origem às Assembleias do Povo e à constituição de Conselhos Populares entre os anos 2000/2001. Durante essas reuniões, formou-se o Movimento de Mulheres da Periferia: proponente do projeto de um centro de referência à mulher no munícipio de Campinas. Ainda em 2001, a proposta foi enfim formulada e apresentada durante as reuniões do Orçamento Participativo e da Conferência Municipal de Assistência Social. A demanda feita pelo Movimento de Mulheres da Periferia encontrou um contexto político favorável para desenvolvê-la, uma vez que a criação de um centro

69 O documento, datado de setembro de 2012, não foi publicado, uma vez que foi apresentado como uma

de referência à mulher já vinha sendo apontado pelo então Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Campinas, como enuncia o documento.

O objetivo, com a constituição do espaço, consistia em romper com esta visão de

papeis sociais de homens e mulheres construídos histórica, política e socialmente que rebaixa e discrimina a mulher e seu papel na sociedade. Próximo a questões colocadas

pela pauta feminista, a partir das proposições do movimento de mulheres e da Coordenadoria da Mulher, foi criado no ano seguinte o Centro de Referência e Apoio à Mulher Operosa (CEAMO)70. Desde esse primeiro momento, seu atendimento pautou-se em prestar orientação psicológica, social e jurídica à mulher vítima de violência no âmbito

doméstico. Procurava-se questionar as relações de gênero, visando o rompimento do ciclo da violência através do atendimento individual ou em grupo. Certamente, a história

apresenta meandros e intensos debates que o documento não expõe, mas que estão presentes em qualquer processo de proposição de ideias. O documento mostra, de outra maneira, os elementos que a coordenadora do CEAMO na época considerou como importantes de serem contados. Dizendo muito mais sobre como o serviço se entendia dentro do processo de criação de um Centro de Referência, do que compondo uma prova de veracidade ou apresentando os debates que fizeram parte da constituição do espaço.

Com a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal, no ano de 2003, diretrizes acerca da atuação dos Centros de Referências começaram a ser formuladas. Concentradas, principalmente, na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2003), documento atualizado anualmente nas Conferências Municipais e Regionais realizadas até então por todo o país e que compreende as principais pautas para a promoção da “igualdade de gêneros”, foco de suas atividades. Como proposição, foi sugerido que os Centros de Referência deveriam pautar- se sobre quatro eixos: combate, prevenção, assistência e garantia de direitos. Nos anos seguintes, essas primeiras proposições compuseram a “Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência” (Brasil, 2006b), um protocolo de atendimento unificado publicado pela então Secretaria Especial

70 O nome somente será reformulado para Centro de Referência e Apoio à Mulher no ano de 2014, durante

uma reunião de definição da missão do CEAMO, com a existência de uma nova equipe. Como já mencionado, no ano de 2013, com a posse de um novo prefeito e a nomeação de uma nova coordenadora para o CEAMO, a equipe anterior, que constituía o CEAMO desde sua criação, deixou o espaço em protesto. Compartilhei apenas alguns meses da direção da coordenadora nomeada pelo prefeito, a qual abriu portas e possibilitou o início da pesquisa de campo. Em março de 2014, uma outra coordenadora assumiu o cargo com uma trajetória mais próxima e profissional da área da assistência social, sendo a responsável até o momento pelo espaço.

de Políticas para as Mulheres (SPM)71. Por esta Norma, os municípios passaram a ser responsáveis pela execução dos Centros de Referência, seguindo suas diretrizes nacionais de funcionamento. Isso quer dizer que sua atuação deveria, desde então, estar atinada aos princípios dos Direitos Humanos e pautada pelos Tratados e Convenções Internacionais e Regionais às quais o Brasil é signatário, principalmente: a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da Organização das Nações Unidas (CEDAW, 1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher da OEA (Convenção de Belém do Pará, 1994).

Os Centros de Referência deveriam, assim, respeitar os princípios concernentes à chamada “segunda geração dos direitos humanos”, acordados na II Conferência de Direitos Humanos (Viena, 1993)72. Nela, um “novo indivíduo de direitos” é produzido e

sobre o qual os Estados-Nação têm a responsabilidade de garantir e promover direitos civis e políticos. Em meio ao contexto chamado de “Pós-Guerra Fria”, a preocupação emergente nesta Convenção era com a seguridade social de determinados indivíduos, que passam a ser entendidos como frágeis e vulneráveis, como descrevem Vianna e Lacerda (2004):

Trata-se de uma percepção ancorada na fragilidade específica de certos sujeitos de direito em fazerem valer de forma plena seus direitos enquanto indivíduos. Em razão de um conjunto variado de determinações (a relação

71 A partir do golpe parlamentar ocorrido no Brasil, em operação desde maio de 2016, houve uma severa

mudança nas Secretarias Especiais, dentre elas a de Políticas para as Mulheres (SPM). Com a justificativa da necessidade de cortes orçamentários, as áreas voltadas a assistência social, saúde, educação e pautadas nos direitos humanos sofreram um duro retrocesso. Atualmente, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres foi realocada ao Ministério da Justiça e Cidadania, situação em que se encontrava a área na década de 1990. O mote do corte orçamentário teve impacto em diversas instâncias governamentais, afetando também o CEAMO com seu deslocamento da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social, para a Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência e Cidadania. Atualmente, o CEAMO disputa verba com outras áreas fundamentais à promoção dos direitos humanos, como a promoção da igualdade racial e as ações voltadas à promoção de direitos das “pessoas com deficiência”. Na realização dos 16 dias de ativismo em 2016, período internacional de ações voltadas ao combate à violência contra a mulher, o CEAMO dispôs de verba reduzida a ponto de comprometer, inclusive, a distribuição de panfletos educativos em pontos estratégicos do município de Campinas.

72 A primeira formulação dos Direitos Humanos (então nomeada como “Direito dos Homens”), fomentada

em 1948, preconizou em um primeiro momento a criação de direitos transculturais, assim como a gestão dos Estados Nacionais signatários sobre vida das pessoas (Debert, 2006b; Pandjiarjian, 2006; Vianna e Lacerda; 2004). A ideia de direitos universais, os quais não poderiam ser violados sob pena de punições, produziu a figura de um indivíduo que precisava ser protegido contra os excesso do Estado. Vale dizer que sua elaboração tentou superar os horrores dos genocídios desencadeados na Segunda Guerra Mundial. Também procurou arbitrar contra as brutalidades presentes em contextos de guerras, nas quais a população civil era a mais atingida e vulnerável. Assim, a defesa dos direitos humanos particulares (o direito à privacidade, à honra e à reputação), centrado nos indivíduos, tinham como objetivo promover a garantia dos direitos universais (Vianna e Lacerda, 2004; Debert, 2006a, 2006b; Pitanguy, 2002). Além de retomar questões como a universalidade, a interdependência e a indivisibilidade dos Direitos Humanos, já presentes em sua primeira formulação em 1948, a chamada “segunda geração dos direitos humanos” atualizou seus termos a partir de Pactos e Tratados formulados e endossados pelos Estados-Nação nas décadas anteriores: O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966; Proclamação de Teerã (1968).

desigual entre homens e mulheres, a condição peculiar de crianças e jovens como sujeitos limitados do ponto de vista das responsabilidades legais etc), tais indivíduos estariam em posição de maior vulnerabilidade, inclusive, em relações convencionalmente percebidas como privadas (p. 20).

Assim, o indivíduo torna-se um “sujeito político com predicado”: mulher, criança, negros, deficientes, refugiados de guerra etc (Vianna e Lacerda, 2004). A defesa dos Direitos Humanos passa, então, a abranger também a área de proteção social. Não apenas em relação às liberdades individuais, mas aquela necessária para que os indivíduos pudessem exercer livremente os direitos fundamentais assegurados. Buscava-se assim criar uma expectativa de igualdade entre os sujeitos em um mundo paradoxalmente pautado por desigualdades (Fassin, 2010).

Como espaço de emergência das práticas governamentais, o CEAMO segue os protocolos e diretrizes descritas na Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Brasil, 2006b): prestar aconselhamento, informação e acompanhamento psicológico, jurídico e social; promover o resgate e a autoestima da mulher em situação de violência”; “dar resposta efetiva para minimizar o efeito traumático da violência”. Entretanto, a operacionalização dessas regulamentações e normativas não é exatamente uniformizada. Provavelmente, jamais será por mais que se ensaie esse movimento. Isso porque a maneira como são praticados seus protocolos e proposições passa por sujeitos diversos, com suas moralidades próprias, idiossincrasias, inclusive, concepções particulares sobre o que seria o “fenômeno” da violência ou sobre como deveriam ser os relacionamentos afetivos. Dessa maneira, uma gramática inventiva pautada pelos Direitos Humanos e materializada nas práticas cotidianas desse centro de apoio se mescla produzindo formas próprias de atuação a partir, e através, dos modelos e regulações estatais.

A partir deste percurso legal e político, o CEAMO organizou seu atendimento no acolhimento (atendimento de urgência), acompanhamento (sistemáticos e monitoramentos) e fortalecimento (atendimentos individuais, grupos de mulheres e oficinas de aperfeiçoamento) das mulheres em situação de violência doméstica de gênero. Além disso, realizam a articulação entre os serviços da rede (estudos de caso entre serviços, reunião da Rede Mulher e Conselho da Mulher) e ações educativas e de informação (palestras em escolas e empresas, minicursos a outros profissionais da rede, atividades de conscientização ligadas às pautas nacionais e internacionais etc).

Os casos considerados pelas profissionais como mais graves – mulheres emocionalmente vulneráveis ou em situação de risco de morte – são inseridos no

atendimento sistemático. Nesses casos, elas são atendidas pelo menos uma vez por

semana, através de ligações telefônicas contínuas entre elas e a profissional que as acolheu, seja da psicologia ou do serviço social, assim como atendimentos agendados e realizados no próprio CEAMO ou em suas residências, quando não têm impossibilidades

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