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CAPÍTULO II – gênero, etnicidade e trabalho: as representações das mulheres

2.4 Jurema: A constituição da trabalhadora doméstica negra como supersticiosa e

Nas páginas anteriores, ative-me a analisar aspectos das representações de mulheres negras veiculadas em Cheias de Charme. Num primeiro momento, a representação da mulata, mulher negra, jovem e hipersexualizada, que é composta por elementos sexistas e racistas e, em seguida, a representação da mãe preta, mulher negra, idosa, assexuada, sem vínculos familiares, cuja vida não se dissocia do trabalho doméstico, sempre disposta a servir, seja como doméstica, seja como conselheira maternal. Foi possível perceber que essas representações têm precedentes históricos, mas ao se repetirem na telenovela continuam com o processo de produção de sentidos e, de certa forma, reconstroem esses sentidos a partir da propagação constante.

Na sequência, passo a analisar outra figura que se repete, como um estereótipo na construção das personagens interpretadas por mulheres negras. Trata-se de personagens trabalhadoras domésticas, de pele negra de tom mais escuro, olhos grandes, gordas e que são constituídas como engraçadas, sendo que o efeito de humor se baseia em aspectos, como a ingenuidade construída como estupidez ou na postura agressiva, na fala coloquial ou no sotaque nordestino. Geralmente, essas personagens agregam todas as características elencadas acima, constituindo um tipo específico. Elas figuram nas novelas, em filmes nacionais, como Domésticas, o filme, conforme analisei num artigo242 e também na publicidade de produtos de limpeza, como as propagandas da linha Start243.

Em Cheias de Charme, duas personagens trabalhadoras domésticas agregam características de personagens cômicas: Jurema (interpretada por Olívia Araújo) e Socorro

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SANTOS, R. J. Por que eu tinha que nascer assim: preta, pobre e ignorante? As representações das trabalhadoras domésticas em Domésticas, o filme. Revista Caderno Espaço Feminino, UFU, Uberlândia, V.26, n.2, 2013. Disponível em:<http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/view/24676>. Acesso em: 27/10/2016.

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(interpretada por Titina Medeiros). Aqui, atento-me à personagem Jurema que é constituída como cômica, suas falas motivam o riso de personagens brancas.

A cena que passo a descrever, representada na Figura 16, se passa no interior da casa de Lígia. Vê-se um ambiente decorado em tons claros, no qual está Jurema vestida com cores fortes, calçada com chinelos, destacando na sala, Lígia adentra o recinto. É alertada por Jurema:

Jurema: “Dona Lígia, não faz isso não.” Lígia: “Que foi que eu fiz?”

Jurema: “Bolsa no chão, não entra dinheiro.”

Samuel, o filho de Lígia, questiona: “Você não vai me dizer que você acredita mesmo nisso?”

Jurema: “Olha, aconteceu com uma colega minha, ela colocou a bolsa no chão, enquanto ela virou, veio um pivete, foi o fundo de garantia dela todinho.”

Samuel: “Maior vacilona essa amiga sua, largar a bolsa com dinheiro no chão.”

Jurema: “O povo é quem diz, eu não largo minha bolsa no chão.”

Figura 16: Jurema se assusta ao ver a bolsa de Lígia no chão. Capítulo 84, exibido em

21/07/2012.Fonte: <https://globoplay.globo.com/v/1906756/programa/>. Acesso em

17/03/2017.

Durante toda a cena, Samuel e Lígia riem das afirmações de Jurema. Nessa cena, o efeito de humor é causado pela superstição de Jurema e a forma como ela mistura a realidade

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externa à casa da patroa com o ambiente doméstico. Temos a construção de uma personagem ingênua que diz coisas consideradas sem sentido. No primeiro momento, baseia-se numa superstição para alertar a patroa sobre o risco de deixar a bolsa no chão. Quando interpelada sobre o sentido da crença, a explicação é excêntrica e causa riso.

Poderíamos vê-la apenas como mais uma personagem cômica de uma novela das 19:00 horas, visto que as novelas deste horário são marcadas pelo tom leve e humorístico, recurso adequado para conseguir audiência num horário no qual recursos como sexo e violência, que também atraem os telespectadores, são vetados. No entanto, Jurema se insere num rol de outras personagens interpretadas por mulheres negras, gordas que fazem personagens cômicas, geralmente trabalhadoras domésticas, a reiteração destas figuras nas tramas opera na associação entre a mulher negra e o cuidado dos outros. Tia Anastácia, a personagem da obra literária Sítio do Pica-pau Amarelo é a mais conhecida, sendo que suas superstições eram questionadas pela boneca Emília, que a considerava estúpida.

Figura 17: Jurema orienta a criança. Capítulo 84, exibido em 21/07/2012.

Fonte:<https://globoplay.globo.com/v/1906756/programa/>. Acesso em 17/03/2017.

Em outra cena, a filha de Lígia saltita em direção à geladeira e a abre. Nisso entra Jurema e diz:

Jurema: “Menina! Não abra a geladeira com os pés descalços que a boca fica torta.”

158 Lígia questiona, rindo:

“Que é isso Jurema? Essa eu nunca ouvi, viu?”

Jurema: “O quê? Olha, o bafo do congelador, mais a friagem dos pés dela descalço, não presta! É, aconteceu com a filha de uma vizinha, a boca dela ficou tortinha, veio parar aqui. (Mostra um lado do rosto.) Lá no Borralho todo mundo sabe disso.”

Lígia: “É? Tá bom.” (Enquanto ri disfarçadamente com a filha)

Novamente, o efeito de humor é produzido a partir da explicação supersticiosa, o conhecimento popular do qual a mulher negra é porta-voz é alvo de riso e considerado não plausível pela mulher branca e a filha desta. Temos Jurema representando o povo, enquanto Lígia e sua filha representam a parcela instruída da população que não acredita no conhecimento popular, tratado como crendices sem fundamento racional. Há semelhanças bem marcantes com a personagem de Tia Anastácia, em que o caráter supersticioso é desqualificado a partir do riso das personagens brancas. É como uma repetição da fala de Emília em Histórias de Tia Anastácia: “pois cá comigo — disse Emília — só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. […] — coisa mesmo de negra beiçuda, como tia Nastácia. Não gosto, não gosto e não gosto... [...] 244.

É o interdiscurso presente na novela que liga a figura de Jurema à personagem de Tia Anastácia, sendo que as situações explicitadas estão presentes na literatura do início do século XX. Não há referência verbal à corporeidade da personagem negra na novela, como na obra literária, entretanto, é preciso chamar a atenção para a recorrência de mulheres negras gordas no papel de empregadas domésticas cômicas. Essa repetição, ao longo do tempo, tende a naturalizar esse lugar para tais mulheres. Não me refiro exclusivamente ao lugar de doméstica, mas ao lugar de um sujeito indigno de emitir discursos creditáveis, cuja boca apenas emite discursos que servem para fazer rir através de falas consideradas como bobas, ingênuas e irrelevantes. Nessas circunstâncias, o riso funciona como uma forma de desacreditar, de transformar em menos digna de importância a voz destas mulheres. Temos um discurso e seu ecoar no tempo, reiterando um mesmo lugar de inferioridade para as mulheres negras. Orlandi alerta sobre a necessidade de se considerar “o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária.”245

244

LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. São Paulo: Brasiliense, 1995.

245

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Nesta situação discursiva, age a memória afetada pelo esquecimento. A fala supersticiosa da personagem negra doméstica, que provoca riso na mulher e na criança, ambas brancas, parece ser casual, entretanto, produz efeito de sentido a partir da memória afetada pelo esquecimento ideológico. De acordo com Orlandi:

Por este esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos pré-existentes. Esse esquecimento reflete o sonho adâmico: o de estar na inicial absoluta da linguagem, ser o primeiro homem dizendo as primeiras palavras que significariam apenas e exatamente o que queremos. Na realidade, embora se realizem em nós, os sentidos apenas se representam como originando-se em nós: eles são determinados pela maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isto que significam e não pela nossa vontade.246

As falas que Jurema emite definem seu lugar de sujeito no interior da trama. É por meio da enunciação de falas consideradas supersticiosas e logo desacreditadas a partir da intervenção das demais personagens, que Jurema se constitui como aquela a quem não se deve dar ouvidos. Sua posição de sujeito contrasta com a posição de Lígia, a patroa branca, advogada, a qual se deve ouvir. Nestas construções, nota-se a disputa em torno do discurso, como adverte Foucault: “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.”247

Quem pode dizer? Em quais circunstâncias?

Considero imprescindível problematizar essa imbricação estabelecida entre os/as negros/as e o humor na televisão. É como se o simples fato de ser negro/negra já implicasse em ser engraçado, cômico. As personagens interpretadas por negros de pele mais escura são construídas de forma a causar riso, pelas falas, desempenho e trejeitos. Há uma associação marcante na televisão aberta brasileira entre os/as negros/as e o jocoso, o cômico, alguns atores chegam a se pintarem de preto para representar personagens cujo propósito é fazer rir248. Concomitante à exibição de Cheias de Charme, no horário das 21 horas era exibida pela mesma emissora a novela Avenida Brasil, na qual uma personagem negra, gorda, também atuava de forma a causar risos ao dizer frases engraçadas e trocar o sentido do refrão de uma

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ORLANDI,2009, p.35.

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FOUCALT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo, Edições Loyola, 2013, p.10.

248 Ver a personagem Adelaide, do Programa Zorra Total, interpretado por Rodrigo Sant’Ana, em que o ator

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música que cantava249. Ou seja, tal repetição dessa figura estereotipada nas novelas é uma matriz de sentido que opera estabelecendo assimetrias com base em gênero, raça e classe.

A personagem Jurema é semelhante ao papel desempenhado por Olívia Araújo em Domésticas, o filme, no qual interpretou uma jovem empregada doméstica ingênua, constantemente chamada de “burra” pelas companheiras por dizer coisas sem sentido e por ser facilmente enganada. Mais uma vez, vemos um tipo de personagem ser constituído no corpo de uma atriz negra, representando repetidamente papel de empregada doméstica cômica. Esse lugar destinado às atrizes negras na teledramaturgia é destacado por Joel Zito:

No papel de criadinhas cômicas, Lizette Negreiros e Marilene de Carvalho foram as duas atrizes que mais se destacaram na Tupi. Esse estereótipo, que já fazia parte do teatro desde o início do século XX, tem sido utilizado com frequência pela televisão250

No diálogo com Araújo, percebe-se que a associação entre as mulheres negras, o trabalho doméstico e a comicidade não é algo novo e tem precedente histórico no teatro do início do século XX.

O efeito cômico se dá a partir da repetição por parte de Jurema de superstições populares. Henri Bergson, no seu ensaio sobre o riso, compreende um dos mecanismos do humor com base na imagem do boneco de mola que, disposto na caixa, é acionado e arremetido para fora. Um brinquedo da infância, cujo movimento produz efeito cômico. Esse movimento seria uma das formas de se produzir o efeito cômico.

Imaginemos agora uma espécie de mola moral: certa ideia que se exprima, se reprima, uma vez mais se exprima, certo fluxo de falas que se arremesse, que se detenha e recomece sempre. Teremos de novo a visão de uma força que se obstina e de outra resistência que a combate.251

Em ambas as cenas, Jurema repete superstições e é questionada por Lígia ou por seus filhos. Temos, assim, a mola moral da qual Bergson cita, falas que se arremessam e a resistência que as combate, produzindo o efeito cômico. De acordo com o filósofo, a comicidade “ex-prime, pois, uma imperfeição individual ou coletiva que exige imediata

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Cacau Protásio interpretou Zezé, na trama Avenida Brasil.

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ARAÚJO, 2004, p.173.

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correção. O riso é essa própria correção. O riso é certo gesto social, que ressalta e reprime certo desvio especial dos homens e dos acontecimentos.”252

Em se tratando de Jurema e do precedente das inúmeras mulheres negras caracterizadas como cômicas nas novelas e programas de TV, nota-se um empenho no sentido de constituí-las como diferentes, inferiores. Nesse sentido, o riso funciona como correção dessa diferença, como compasso que opera estabelecendo a diferença de raça, gênero e classe. Instituindo as mulheres negras como inferiores e destinadas exclusivamente para servir aos outros.

Nas cenas anteriormente descritas, há também uma desqualificação dos conhecimentos populares e, logo, dos grupos dos quais esses conhecimentos se originam, que se fazem representar pela personagem Jurema. O próprio nome da personagem remete à planta homônima, cuja presença marcante se relaciona ao universo mágico religioso que entrelaça as matrizes culturais ameríndias, africanas e o catolicismo popular, muito presente no Nordeste brasileiro. Tais conhecimentos religiosos têm sido historicamente relegados ao plano de superstições, quando não, alvos de cerceamento.

Temos a associação que se repete entre mulher negra, gorda e trabalho doméstico, além da utilização de personagens que agregam essas características para produzir efeito de humor, comicidade. É como se cada uma dessas características, a etnia/cor, o corpo gordo e a profissão fossem risíveis por si só, sendo que a junção destas em um mesmo personagem constituísse a receita para uma figura hilária.

O humor, nestas circunstâncias, é percebido como demarcador de diferenças e assimetrias. É um riso provocado para surtir o efeito de silenciar, abafar sob seu ruído a desigualdade e a exclusão das mulheres marcadas como corporeidades estigmatizadas, logo, restritas ao doméstico, visto que as atrizes negras e gordas nas novelas representam reiteradamente papéis associados ao cômico e/ou restritos ao espaço doméstico e/ou periférico.

O silêncio não é ausência de palavras. Impor o silêncio não é calar o interlocutor mas impedi-lo de sustentar outro discurso. Em condições dadas, fala-se para não dizer (ou não permitir que digam) coisas que podem causar rupturas significativas na relação de sentidos. As palavras vêm carregadas de silêncio (s)253 252 Ibidem, p.43. 253 ORLANDI, 2007, p.102.

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Os marcadores de sexo,gênero, raça/etnia e classe, bem como de corporeidade se conjugam na construção de representações desqualificadoras das mulheres negras, gordas e trabalhadoras domésticas. Ao se instituir personagens portadoras destas características como cômicas e se repetir constantemente essa imagem estereotipada, dá-se o processo de silenciamento das mulheres negras, gordas e trabalhadoras domésticas, cuja voz passa a ser sufocada pelo riso das multidões educadas pelas mídias, em especial pela televisão.

Acerca das funções do riso o historiador Quentin Skinner oferece uma excelente contribuição, o autor analisa as influências da cultura humanista da Renascença no pensamento de Hobbes e percebe a influência da cultura retórica romana sobre o pensamento renascentista no que diz respeito ao riso. O autor cita Quintiliano em sua obra Instituto oratória: “Podemos ser bem sucedidos ao fazer com que nossos adversários dialéticos pareçam ridículos, provocando o riso contra eles, então podemos esperar arruinar sua causa e persuadir nossa audiência a tomar partido por nosso lado.”254

Ou seja, a histórica construção de personagens negras, domésticas e engraçadas opera política e ideologicamente no sentido de constituir diferenças e assimetrias, marcando as mulheres negras como corpos disponíveis e restritos ao serviço de outros. Tal construção atua na restrição simbólica dessas mulheres ao trabalho doméstico, desvalorizado e desprezado socialmente e ao mesmo tempo busca silenciar as vozes e apagar a presença das mulheres negras domésticas militantes, como por exemplo Creuza Oliveira e Benedita da Silva que lutam há décadas por reconhecimento e direitos, tendo se inserido em espaços outrora restritos aos homens brancos e proprietários se fazendo visíveis e atuantes.

A maioria das cenas em que Jurema aparece é no interior da casa da patroa. O pouco destaque que a personagem ganha se dá após ingressar no trabalho na casa de Lígia, sendo que sua vida pessoal não é evidenciada. Esse aspecto também foi enfatizado por Joel Zito de Araújo, segundo o qual as mulheres negras nas novelas, comumente aparecem no interior da casa dos brancos ou em outros espaços prestando serviços:

Na maioria das telenovelas da Tupi, assim como nas da Globo, os atores negros tiveram maior possibilidade de participação através de papéis subalternos, compondo a criadagem dos ricos e da classe média. Se houvesse uma regra explícita, o que não é usual no racismo brasileiro, poderíamos levantar a hipótese de que os papéis que estariam reservados para os negros enfocariam “amigos que ouvem e fazem confidências, os tipos cômicos e gratuitamente engraçados, os pitorescos.”255

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SKINNER, Quentin. Hobbes e a teoria clássica do riso. São Leopoldo: 2004, p.09-10

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Novamente, a cenografia como cena discursiva se destaca, o espaço em que o discurso da associação da mulher negra ao doméstico remunerado é construído e sustentado é o espaço doméstico, não as casas das mulheres negras, mas o espaço das casas das/os brancos, nas quais elas trabalham. Há uma interdependência entre a cenografia e o discurso de subalternização das mulheres negras, reiteradamente associadas a posições em que estão a serviço dos brancos.

A manutenção das representações conservadoras sobre as/os negras/os se dá através da repetição de sentidos, como os que pretendi discutir neste tópico que hora se encerra. Essa reiteração tem o efeito de informar e influenciar as/os telespectadoras/es, fazendo com que naturalizem a desigualdade e a restrição de sujeitos sociais marcados pelo gênero, raça/etnia a lugares sociais constituídos como subalternos. Segundo Araújo:

O enfoque racial da televisão brasileira é resultado da incorporação do mito da democracia racial brasileira, da ideologia do branqueamento e do desejo de euro-norte-americanização de nossas elites. (...) o processo de criação e produção de telenovelas tem-se abastecido no reservatório dos estereótipos negativos e amparado nos resíduos da memória coletiva, que é também reflexo de situações sociais reais que discriminam racialmente negros e mulatos256.

Esse processo simbólico tem o mesmo peso que as demais estratégias da sociedade racista e classista para circunscrever os indivíduos a lugares subalternos. A repetição constante desses sentidos interpela os indivíduos em relação aos lugares de sujeitos, restringindo-os à prisão simbólica da subjetividade que, apesar de não contar com grades, pode ser bem mais efetiva, visto que encarcera na linguagem, na cultura da comunicação e no imaginário social. .

2.5 Novas representações sobre as domésticas?: A babá universitária

Foi notada a presença de mulheres negras em outros lugares sociais na telenovela, no entanto, as personagens negras com papéis de maior destaque são trabalhadoras domésticas. A juíza e a jornalista negras só aparecem uma vez. A novela pretende produzir um efeito de realidade, visto que, na sociedade brasileira, conforme Benedita da Silva, 6,2 milhões de

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mulheres que compõem a categoria trabalhador/a doméstico/a são mulheres negras. No entanto, é importante questionar o papel dos discursos midiáticos em reiterar pretensos lugares sociais destinados a sujeitos constituídos com marcadores de gênero e raça. Em que medida a novela, como um produto cultural consumido por um vasto percentual da população brasileira e vendido para diversos países da América Latina e Europa, reforça a restrição das mulheres negras a lugares sociais significados como subalternos?

Desde seus primórdios, o movimento negro no Brasil questiona as representações negativas acerca da população negra, dentre as ações, desde os meados de 1930 em várias cidades brasileiras os/as militantes se organizaram para lutar por mudanças, criando programas de alfabetização popular, projetos de qualificação profissional, desfiles de beleza, bailes de debutantes com o intuito de alterar a situação de subalternidade e exclusão vivenciada pela população negra. Concomitantemente, através da imprensa e outros meios, as/os militantes negras/as se posicionaram contra a subalternização do povo negro. Em 1935, Eunice de Paula Cunha escreveu no jornal O Clarim artigo intitulado Apelo às mulheres negras, do qual foi retirado o seguinte trecho:

[...] Só nós, negras, caras patrícias, extasiamos diante do acontecimento mundial. Quando as lutas se sucedem com o fim de melhorar a vida deste ou daquele povo, é sinal de que os espíritos tomam noção dos seus deveres e suas boas ideias são aceitas. [...] E nós, patrícias, precisamos nos mover, sacudir a indolência que ainda

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