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Justiça distributiva e republicanismo

3 AS INSTITUIÇÕES REPUBLICANAS

3.3 Críticas republicanas às instituições liberais a partir da teoria da justiça de

3.3.1 Justiça distributiva e republicanismo

Segundo Pettit, o fato da teoria de justiça republicana partir de uma base mínima, qual seja, a liberdade como não dominação, não a impede de gerar políticas substantivas em diversas áreas. Este minimalismo contrasta tanto com os extensos programas políticos partidários quanto com alternativas normativas rivais, como o já citado liberalismo-igualitário rawlsiano:

A teoria interpreta a liberdade de uma maneira mais rica que Rawls, não sendo surpreendente que seja capaz de construir uma versão adequada de justiça social com base apenas nas exigências da liberdade, não sendo necessário introduzir um requisito independente ligado à igualdade socioeconômica. (PETTIT, 2014, p. 104)

Este minimalismo, como mencionado, seria capaz de gerar instituições e políticas substantivas, dentre as quais aquelas ligadas à tributação, meio-ambiente, sistema público de justiça, direitos trabalhistas, programas de justiça restaurativa etc. (PETTIT, 2014, p. 105-106).

Pettit admite, no entanto, que as exigências de seu modelo de justiça não são tão extensas quanto às de John Rawls, cujo segundo princípio de justiça exige igualdade material até um ponto dificilmente alcançável. Pettit afirma que, ao se ocuparem de “fantasias morais”, teorias da justiça radicalmente igualitárias terminam por ignorar certos problemas mais tangíveis ligados à relação entre os cidadãos, em especial quando estas adquirem um caráter assimétrico.

Em que pese seja difícil aceitar que teorias igualitárias, inclusive a de John Rawls, admitam a existência de relações assimétricas46, nos parece plausível que o

minimalismo da teoria de Pettit tenha a capacidade de gerar instituições políticas mais factíveis. Assim, ainda que seja admissível uma desigualdade material mais acentuada que aquela que seria permitida em uma estrutura básica rawlsiana, o objetivo de maximização da liberdade como não dominação não pode ser jamais deixado de lado, sendo certo que determinado grau de desigualdade material teria como efeito a existência de um grau acentuado de dominação e, consequentemente, deveria ser retificado.

Neste ponto, é importante salientar que o republicanismo de Pettit exige um nível mínimo de recursos e proteções com o objetivo de garantir um status sem dominação. Como já vimos, a liberdade como não dominação é construída a partir de um ponto de vista intersubjetivo, de forma que não importa se os indivíduos têm ou não os mesmos bens, mas sim como esta distribuição impacta no modo de interação social e em que medida essa interação pode implicar relações de dominação (PETTIT, 2012, p. 91).

Neste sentido, um exemplo pode esclarecer melhor quais as consequências práticas da diferença de abordagem tratada. Uma das exigências do segundo princípio rawlsiano é a existência de um esquema redistributivo. Contudo, um modelo republicano também exige que os cidadãos recebam determinados subsídios públicos, dentre os quais pode ser incluído o direito a uma renda básica. No entanto, o fundamento aqui é, justamente, a ideia de que sem determinados programas securitários as liberdades básicas estariam em risco, o que levaria à existência de dominação na sociedade:

Este direito [renda básica] poderia significar que as pessoas tenham uma renda adequada para funcionar propriamente na sociedade. E esta renda podem fazer com que as pessoas não tenham que pedir favores aos mais poderosos. (PETTIT, 2007, p. 6).

Esta garantia de um rendimento mínimo pode ser estruturada seja através de transferências de recursos pura e simples, ou combinada com determinados serviços públicos básicos, como saúde, educação etc. Trata-se de um modelo, ademais, compatível com o livre mercado na medida em que as distribuições que surgirem do posterior arranjo de bens neste contexto devem ser reputadas como justas. E, neste cenário, dificilmente alguém terá que abrir mão de parte de sua liberdade, sujeitando-se à dominação, para ter acesso a certos bens mínimos. Isso significa que, em um modelo republicano deste tipo, esta renda básica deve ser, dentro do que é plausível em um sistema político, suficiente para evitar a potencial dominação (LOVETT, 2010, p. 198- 201).

Podemos perceber, portanto, que o foco na maximização da liberdade como não dominação, apesar de seu minimalismo, é capaz de apoiar políticas e instituições robustas. E o mínimo aqui é aquele determinado a partir do teste do olhar, já apresentado anteriormente, que vai então exigir a criação de instituições ligadas à infraestrutura, seguridade e proteção.

Percebemos que este modelo nada tem de radical, podendo ser encarado como uma espécie de aprimoramento de certas instituições já existentes em democracias contemporâneas que se inspiram em um Estado de bem-estar. Já o modelo rawlsiano não tem em mente um welfare state, o qual pode violar o valor equitativo das liberdades básicas, mas sim o que chama de uma “democracia de cidadãos-proprietários” (property-owning democracy) (VITA, 2007, p. 255).

Este modelo de arranjo de mercado proposto pelo economista James Meade tem como característica central uma distribuição equitativa da propriedade entre todos os cidadãos, bem como um sistema robusto de tributação progressiva. O objetivo desse modelo, segundo Rawls, é uma dispersão da propriedade e de ativos produtivos entre os cidadãos (RAWLS, 2001, p. 161).

No entanto, ainda que este modelo de cidadãos-proprietários seja aquele visado por Rawls por evitar que uma pequena classe monopolize os meios de produção tal qual pode ocorrer em um capitalismo de walfare state, violando o valor equitativo da liberdade, fato é que as mudanças institucionais necessárias para alcançar este modelo são extremamente profundas, e nenhuma estrutura conhecida atualmente satisfaz estes critérios (VITA, 2007, p. 261-263).

Neste sentido, mais uma vez o minimalismo do modelo republicano parece representar uma vantagem do ponto de vista prático, tal qual é o objetivo de Pettit. Isso significa que, mesmo dentro de um Estado capitalista de bem-estar, e mesmo diante de eventuais assimetrias decorrentes de uma distribuição desigual de renda, as instituições devem garantir a maximização da não dominação. E, sendo este critério satisfeito, são desnecessárias mudanças radicais – e pouco factíveis – como as sugeridas pelo modelo de John Rawls.

Além disso, é importante apontar que o modelo proposto por Pettit, justamente exigir a ausência de qualquer forma de dependência, inclusive com relação ao Estado, deve estabelecer instituições que evitem a chamada “armadilha da pobreza”, ou seja, um estímulo para que os beneficiários de eventuais programas sociais optem, quando possível, pelo mercado de trabalho. Isto porque esta situação é, evidentemente, uma situação de dependência do beneficiário em relação ao Estado e, portanto, não está de acordo com a maximização da não dominação.

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