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Compreendido o dever fundamental de pagar impostos, cumpre estabelecer sua relação com o princípio da capacidade contributiva, decorrente da própria solidariedade que deve permear o pagamento do tributo.

No tocante ao princípio da capacidade contributiva, este é extraído do artigo 145, §1o, da Carta Constitucional de 1988, ao dispor que sempre que possível,

os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O mencionado dispositivo constitucional pode ser interpretado como o meio que o constituinte originário previu para que o Estado cobrasse os impostos de modo a atender ao princípio da igualdade material entre os contribuintes.

Para o alcance do conceito do princípio da capacidade contributiva é preciso a análise de suas dimensões objetiva e subjetiva.

A primeira é responsável pela identificação das hipóteses de incidência, de modo que a tributação possa ocorrer somente quando há manifestação de riqueza. Sendo assim, o legislador deve eleger fatos geradores revestidos de conteúdo econômico, como a renda e o patrimônio44.

Enquanto a segunda ocupa-se pela graduação dos tributos e a limitação à                                                                                                                

44  RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. In: RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 18, 2010. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1371/1161>. Acesso em: 17 de julho de 2017. p. 8-9.  

tributação, ou seja, deve ser aferida a capacidade de pagamento de cada contribuinte para graduar-se, a partir de então e de acordo com a manifestação de riqueza escolhida pelo legislador, o fato gerador de cada tributo. Por esta última dimensão, acredita-se ser imprescindível que a efetivação do princípio da capacidade contributiva seja acompanhada da observância dos princípios da proporcionalidade, progressividade, seletividade e personificação45.

Sendo assim, o atendimento ao princípio da capacidade contributiva é vetor à chamada justiça fiscal, que se propõe à promoção da redução das desigualdades entre aqueles que pagam impostos mas que possuem condições sociais e econômicas distintas. Neste sentido, a exação deve ser diretamente proporcional à condição econômica, quem tem mais deve pagar proporcionalmente mais.

Assim entende Ricardo Lobo Torres, ao afirmar que de acordo com o princípio da capacidade contributiva “cada um deve contribuir na proporção de suas

rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira.”46. No mesmo sentido, imperioso o entendimento de Aliomar Baleeiro ao destacar que “a capacidade contributiva do indivíduo significa sua idoneidade

econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total dos serviços públicos.”47.

Para Ricardo Lodi Ribeiro48, todos devem contribuir para as despesas públicas, na medida de suas possibilidades econômicas, ainda que não sejam diretamente beneficiários. Por isto a capacidade contributiva fundamenta-se na justiça fiscal e na igualdade material, legitimando que sejam feitas distinções pelo legislador com base nas diferentes situações econômicas dos contribuintes.

                                                                                                               

45  RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. In: RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 18, 2010. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1371/1161>. Acesso em: 17 de julho de 2017. p. 8-9.  

46 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2008, p. 94.

47 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense,

2015, p. 259.

48 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas

contribuições parafiscais. In: RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 18, 2010. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/view/1371/1161>. Acesso em: 17 de julho de 2017. p. 6-7.  

O autor entende que o princípio da capacidade contributiva pode ser entendido a partir de duas perspectivas: pela igualdade e pela solidariedade.

Em uma perspectiva igualitária, entende-se ser necessário averiguar os pontos de igualdade e desigualdade entre as situações econômicas dos contribuintes para entender se as distinções encontradas justificam, de fato, a atribuição de um tratamento diferenciado pelo legislador tributário.

Já sob a perspectiva da solidariedade, acredita ser necessário angariar recursos daqueles cuja sobrevivência digna não depende das prestações estatais para, desta forma, socorrer os reclames elementares da grande massa que, embora não tenha recursos para contribuir, necessita das prestações estatais.

Por estes fatores compreende-se o princípio da capacidade contributiva, como verdadeiro instrumento para promoção da justiça fiscal.

No entanto, deve-se ter em mente que a intensidade de vigência deste princípio não é idêntico em relação a todos os impostos, pois há diferentes graus e níveis de afirmação consoante o tipo de imposto cobrado.

A bem da verdade, essa intensidade se dá em maior escala nos impostos diretos, incidentes sobre a renda ou patrimônio, como no caso do imposto sobre renda, do IPTU ou IPVA.

Lobo Torres 49 , contudo, entendia que quanto ao IPTU, sua progressividade era decorrente da extrafiscalidade e não emanava do princípio da capacidade contributiva, mas a Emenda Constitucional n. 29 de 2000, deu nova redação ao art. 156, §1o da Constituição Federal, para admitir a progressividade também em razão do valor do imóvel e ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

Por outro lado, há menor intensidade nos impostos indiretos incidentes sobre consumo e serviços, como no caso do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS, o que leva pessoas dotadas de menor capacidade contributiva a suportarem, proporcionalmente, uma carga tributária maior, configurando um cenário de alta regressividade da matriz tributária.

                                                                                                               

49  TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 94  

Além disso, como efeito da globalização e revolução tecnológica, propagaram-se condutas adotadas, principalmente por um seleto grupo de pessoas físicas e jurídicas, em busca de paraísos fiscais e de países que possuem legislação local com a não instituição ou instituição de baixas alíquotas de impostos.

Fatos que geram exportação de recursos ao exterior sem o devido pagamento de impostos e contribuem, indiretamente, para a sobrecarga da exação sobre parcela dos contribuintes, incorrendo na violação ao princípio da capacidade contributiva.

Esta parcela da população, que cumpre com suas obrigações tributárias, acaba por ser duplamente onerada. Isto porque arca com o tributo derivado da obrigação legal, decorrente da sua manifestação de riqueza, mas também com os tributos sonegados, pois, para que o financiamento das atividades do Estado não sejam afetadas, geralmente há o aumento da carga tributária, e este impacto decorrente da sonegação fiscal recai sobre aqueles que de fato contribuem para o Estado fiscal, contribuindo, sobretudo, para o aumento das desigualdades entre os contribuintes e da própria injustiça fiscal.

Por esta razão, importante o estudo sobre algumas destas práticas que contribuem para o quadro acima apontado, qual seja, de violação ao princípio da capacidade contributiva e de injustiça fiscal, como será apresentado no próximo capítulo.

2 – CONDUTAS LESIVAS À ORDEM TRIBUTÁRIA E À JUSTIÇA FISCAL  

 

Como iniciado no capítulo anterior, algumas práticas adotadas, principalmente por pessoas jurídicas e cidadãos pertencentes à classe rica, contribuem para o desequilíbrio do princípio da capacidade contributiva, bem como para fragilização do Estado Fiscal.

Na presente pesquisa, optou-se por estudar três dessas práticas, as quais são causas para a desigualdade tributária: 1) a evasão fiscal (também conhecida com sonegação fiscal), 2) a elisão fiscal e a 3) transferência de lucros, fenômenos marcados por planejamentos tributários internacionais arrojados e pela “concorrência fiscal danosa”50.

Em seguida, estuda-se também os paraísos fiscais (Tax Havens) e os países com baixa ou nenhuma tributação, os quais são elementos chaves para que as referidas práticas encontrem guarida.

2.1 EVASÃO FISCAL E ELISÃO FISCAL  

A evasão fiscal ou sonegação fiscal constitui crime contra a ordem tributária, conforme disposto no artigo 1o, inciso I, da Lei Federal 8.137/9051 e no

artigo 71 da Lei Federal 4.502/6452.

O crime se configura pois há ocorrência do fato gerador do tributo mas, por meio de condutas ilícitas, como a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias, o contribuinte visa suprimir, reduzir ou retardar o cumprimento de uma obrigação legal tributária.

                                                                                                               

50 TORRES, Heleno Taveira. Brasil inova ao aderir às sofisticadas práticas do sistema do Fisco

Global. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2015-jul-08/consultor-tributario-brasil-inova-aderir- praticas-sistema-fisco-global>. Acesso em: 09 de dezembro de 2016.

51 Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e

qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (...)

52 Art. 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou

parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.