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Apesar de se passarem cinquenta anos da primeira publicação de Mourasuchus (Price, 1964), estudos detalhados sobre o gênero ainda são escassos: até o momento, foram realizadas apenas três descrições morfológicas detalhadas, sendo duas cranianas (Langston, 1965; Bona et al., 2013b) e somente uma pós-craniana (Langston, 2008). Além disso, apenas um trabalho (Bona et al., 2013a) se ocupou em analisar as relações filogenéticas entre as quatro espécies de Mourasuchus entre si e destas com os demais Caimaninae. Diante deste quadro, decidiu-se estabelecer o projeto que resultou na presente da dissertação para se proporcionar, principalmente, um maior conhecimento acerca da morfologia, sistemática filogenética e taxonomia de Mourasuchus.

Especificamente, os quatro objetivos da presente dissertação, conforme relatados no plano inicial, são:

a) Expandir a diagnose do gênero, e de suas espécies, através do estudo morfológico comparativo de espécimes das quatro espécies do gênero Mourasuchus, principalmente as espécies Mourasuchus arendsi e M. amazonensis, cujas descrições são sucintas e pouco detalhadas.

b) Através do estudo osteológico-anatômico comparativo, estabelecer novos caracteres de valor filogenético na tentativa de se obter uma hipótese filogenética mais robusta e sustentada para o táxon.

c) Obter uma melhor compreensão acerca da biogeografia de Mourasuchus, em especial através da investigação de sua afinidade filogenética com Orthogenysuchus

olseni e as questões biogeográficas relacionadas.

d) Contribuir para o entendimento da paleoecologia do táxon, através do estudo dos caracteres morfológicos, especialmente do crânio.

O primeiro objetivo pode ser encarado como uma revisão da chamada “alfa- taxonomia” de Mourasuchus, cujas justificativas são basicamente aquelas já apresentadas no primeiro parágrafo desta seção, em especial o caráter sucinto das descrições dos holótipos – e das diagnoses oferecidas – de M. amazonensis e M. arendsi.

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Já ao segundo objetivo proposto será oferecida uma abordagem mais abrangente daquela proposta originalmente. Nos últimos anos, tem havidovárias publicações com descrições de novas espécies e redescrições de espécies já conhecidas de Caimaninae (Fortier & Rincón, 2012; Pinheiro et al., 2012; Bona & Carabajal, 2013; Bona et al., 2013a; Bona et al., 2013b; Hastings et al., 2013; Scheyer et al., 2013; Fortier et al., 2014) e até o momento não foi publicada nenhuma análise filogenética reunindo todas essas novas informações. Assim sendo, um objetivo adicional desta dissertação é fornecer uma análise filogenética de Caimaninae incluindo os novos táxons descritos, com o objetivo de oferecer a filogenia mais completa possível para este táxon, além do objetivo inicial de investigar as relações filogenéticas de Mourasuchus e destas com Orthogenysuchus

olseni – o que, por sua vez, constitui o terceiro objetivo desta dissertação.

Este terceiro objetivo, por sua vez, também terá sua abordagem expandida uma vez que se falará sobre a biogeografia dos Caimaninae como um todo, abordando todas as possíveis dispersões trans-oceânicas que podem ter ocorrido na história do grupo – citadas anteriormente, na “Introdução” desta dissertação – e não apenas a que envolve

Orthogenysuchus olseni. Tal discussão será ancorada principalmente nos resultados da

análise filogenética que será realizada como parte do segundo objetivo, citado anteriormente.

O último objetivo específico citado – sobre o entendimento da paleoecologia de

Mourasuchus – é uma linha de pesquisa interessante por uma gama de motivos. Como

exposto anteriormente, o Mioceno da América do Sul representou um tempo e um espaço em que a fauna crocodiliana atingiu uma grande diversidade não só em número de espécies, como também em número de linhagens coexistentes – Alligatoroidea, Gavialoidea e Crocodyloidea, além do sebecídeo Langstonia, restrito ao Mioceno Médio (Langston, 1965) –, além de uma grande disparidade morfológica que permitiu a ocupação de diferentes nichos. Neste contexto, a morfologia peculiar exibida por

Mourasuchus, a ser detalhada a seguir, expõe a possibilidade de que este crocodilo

ocuparia ainda um outro nicho distinto das formas contemporâneas ao grupo.

Como relatado anteriormente, o aspecto mais característico e intrigante de

Mourasuchus é a sua peculiar morfologia craniana: estes crocodilos possuem um rostro

extremamente longo, largo e achatado dorso-ventralmente (Fig. 7), além de mandíbulas que, acompanhando o tamanho do rostro, são também bastante longas, mas também esguias e frágeis, com uma sínfise mandibular bastante diminuta e não-fusionada

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(Langston, 1965, 1966; Bona et al., 2013a; Fig. 14). Cada ramo mandibular de

Mourasuchus, assim como cada uma das arcadas dentária das maxilas, possui cerca de 40

dentes (Price, 1964; Langston, 1965; Bona et al., 2013a). O tamanho dos dentes em

Mourasuchus possui uma diferença de tamanho marcante; em M. atopus, Langston

(1965) relata que os quatro dentes mandibulares são maiores, enquanto do quinto alvéolo em diante tanto os dentes quanto os próprios alvéolos diminuem progressivamente de tamanho em sentido ântero-posterior. Apesar de um “pico secundário” no tamanho dos alvéolos ao redor do 17º alvéolo, Langston (1965) relata que tal diminuição continua gradativamente até um ponto em que, ao invés de alvéolos definidos, há apenas uma espécie de “vala” em que os dentes, ainda progressivamente menores, se alojam (Fig. 15). Um padrão semelhante pode ser observado em uma mandíbula preservada de M.

amazonensis, descrita posteriormente.

Figura 14: Uma hemimandíbula direita (UFAC-2283) e uma esquerda (UFAC-1669) de Mourasuchus sp. posicionadas juntas para demonstrar a fragilidade e a morfologia esguia das mandíbulas do gênero. Escala = 5 cm.

Tais características da morfologia craniana levaram Langston (1965) a teorizar que Mourasuchus não era um predador ativo de grandes presas, como a maioria dos crocodilos extintos ou viventes, mas sim um animal que se utilizaria de técnicas “menos extenuantes” para captura e consumo de alimento. Tal hipótese fez com que trabalhos posteriores (Riff et al. 2010; Bona et al. 2013b) classificassem Mourasuchus como um crocodilo “filtrador”. Em uma descrição de materiais pós-cranianos de M. arendsi, Langston (2008), descreveu algumas características– como vértebras cervicais curtas, com pouco desenvolvimento de suas hipapófises – que indicariam que Mourasuchus possuiria uma baixa capacidade de movimentação do pescoço, o que é crucial para a

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captura de grandes presas em crocodilos viventes (Busbey, 1994) e, logo, corroboraria a hipótese que encara Mourasuchus como um animal “filtrador”.

No entanto, como proposto pro Bona et al. (2013b) os hábitos alimentares propostos para Mourasuchus ainda são meramente especulativos, e um melhor esclarecimento a respeito deste tópico pode ser obtido com um estudo de biomecânica. A realização de tal estudo não está incluída entre os objetivos desta dissertação; no entanto, considera-se que os estudos anatômicos realizados durante esta dissertação possam reunir dados e perspectivas que possam ajudar a, pelo menos, criar um quadro mais definido sobre a questão da alimentação em Mourasuchus. Este fato, além da realização de uma revisão bibliográfica sobre o tema de métodos de ingestão de alimento e ecologia de crocodilomorfos em geral, viventes ou extintos, tornaram um estudo sobre a paleoecologia e a alimentação de Mourasuchus um tema considerado pertinente a esta dissertação.

Figura 15: Parte posterior da mandíbula esquerda de Mourasuchus atopus (UCMP-38012, acima) e de M. amazonensis (DGM 526-R, abaixo) demonstrando a quase confluência entre os alvéolos mandibulares posteriores observada em Mourasuchus. Escalas = 5 cm.

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