• Nenhum resultado encontrado

Diagrama 3 – Recursos linguageiros no ensino de noções teóricas

1 INTRODUÇÃO

1.4 JUSTIFICATIVA

Ainda que diversificadas investigações tenham sido desenvolvidas nos centros de pesquisa brasileiros sobre o livro didático de português, parecem inesgotáveis as possibilidades que se abrem, a partir de diferentes perspectivas e sua visada sobre esse objeto cultural, que mantém lugar cativo no ensino da língua portuguesa. Arrolamos em três grandes segmentos essas perspectivas: o das políticas públicas de avaliação e distribuição dos LDP; o da produção de LDP, na articulação entre Estado, universidades e editoras; e o do currículo, para o ensino de língua portuguesa nas escolas brasileiras.

A presente investigação focaliza o último segmento, mantendo o diálogo necessário com os demais. Sob tal foco de interesse, justificamos nossa perspectiva investigativa, de

33

analisar as características do objeto de estudo discurso, em sua configuração como objeto de ensino, nos pontos descritos a seguir:

1. Posterior à presença de fundamentos de teorias do texto nos LDP que delinearam objetos de ensino próprios para o ensino da configuração textual – visto que o texto passou a ser a unidade de ensino e, não mais a palavra ou a frase – observamos, após as muitas leituras do corpus, a presença de fundamentos de teorias do discurso, no cenário contemporâneo de produção de LDP, em especial, do ensino médio. Este dado, entre outros, justifica esta investigação, uma vez que trabalhamos com a ideia de que isto pode ter desencadeado a constituição de uma nova unidade de ensino: o discurso. É urgente, portanto, refletir sobre que condições didáticas esse objeto está sendo trabalhado, seja como saber autônomo, seja em seu entrelaçamento com o texto e com os gêneros.

No final da década de 1990, o ensino da língua e da linguagem, já sob ampla influência da virada pragmática na linguística, Batista (1997) lançava uma pergunta que exigia a definição dos saberes ensinados sob aquela influência, questionando sobre o que se ensinava quando se ensinava português, naquele período. Nos dias atuais, a pergunta torna-se mais específica, pois é preciso saber, quando se ensina o discurso, o quê e como se ensina. Em busca dessa resposta, o LDP nos serve como filtro para identificação desses saberes arrolados no ensino do discurso. É um elemento catalizador, pois antecipa processos de ensino, uma vez que noções teóricas sobre a atividade discursiva, antes de ganharem o espaço da escola, nas práticas dos professores, já são postas nas coleções didáticas e, por isso mesmo, o LDP deve continuar servindo como objeto de estudo.

2. As políticas educacionais do Estado operacionalizadas por meio do PNLD, passados mais de trinta anos de execução desse Programa voltado para a avaliação sistemática e obrigatória dos livros didáticos adotados em escolas públicas, embora pareçam conduzir , por um lado, para um duplo esgotamento13, como discutem Rojo (2012) e Batista (2012), o tratamento didático dispensado aos eixos de ensino de língua portuguesa nos LDP, por outro lado, tem sido influenciado por um evidente movimento de renovação, ancorado na virada linguista, como assegura Rangel (2015). Com isso, evidencia-se a necessidade de se

13

Esgotamento tanto do Programa, como gerenciador das políticas públicas voltadas para o livro didático, como do próprio LDP, no que se refere a seu formato padronizado de manual que sugere um currículo e direciona o trabalho do professor, com base no que apresenta o Guia de livros didáticos, documento elaborado a cada edição do PNLD para os diferentes níveis e modalidades de ensino da educação básica que atende

34

compreender a influência do PNLD, em duas linhas de ação: na composição de um currículo não oficial para o ensino da língua portuguesa e no formato e funções do LDP.

Esta pesquisa procura compreender como esses dois aspectos podem sinalizar para as características teórico-metodológicas das obras didáticas, na verificação de sua proposta de ensino, se no sentido de um trabalho pedagógico condutor de reflexões sobre os discursos ou de atividades de metalinguagem , como no ensino tradicional.

3. Na compreensão de que o discurso estaria se constituindo como uma nova unidade de ensino, na recontextualização e/ou transposição de noções de teorias do discurso em objetos de ensino, a pertinência desta investigação está em delinear o perfil desses objetos em suas particularidades, a partir dos encaminhamentos teóricos e metodológicos explicitamente descritos ou subjacentes que estão na base da proposta de ensino de língua portuguesa nos LDP.

4. Em função da mudança de paradigma no ensino de língua portuguesa, que deslocou seus objetos de ensino de uma tradição gramatical e estruturalista para uma abordagem textual, torna-se importante a realização de uma pesquisa que evidencie as peculiaridades dos novos objetos de ensino que emergiram dessa mudança de paradigma e em que favorecem os alunos em suas práticas cotidianas de linguagem. No interior dessas reflexões, é imprescindível analisar se, de fato, tal mudança de paradigma se concretizou amplamente nos LDP, uma vez que abandonar uma tradição gramatical de ensino que remonta ao período colonial, sob a tutela do sistema educacional jesuítico, vindo até os dias atuais, não se concretiza, apenas, pelos ditames do discurso oficial.

Nisso, é preciso considerar que as contribuições de teorias da enunciação, do texto e do discurso são bem recentes, no limite de cinco décadas, o que, talvez, não seja suficiente para uma estabilização na disciplina. Além disso, foi somente nos anos 1980, como já visto, que uma transformação significativa na concepção de língua ocorreu no ensino do português, a partir do que se discute as relações entre língua, história e sociedade, conforme assinala Gregolin (2007).

5. Ademais, como última justificativa, mesmo que o trabalho efetivo do professor de português não seja uma problemática discutida na tese, não deixarão de ter sua pertinência os estudos que abarcam o LDP como um dispositivo de mudança nas práticas docentes, por sua natureza, formato e funções, não vindo as mudanças esperadas se concretizando, entretanto,

35

como já apontava o estudo de Ilari (1997). Este autor pondera que os princípios extraídos da linguística para o ensino da linguagem deveriam ter suscitado mudanças nas práticas dos professores de língua portuguesa, o que não ocorreu, pois se almejava que as ideias linguísticas provocassem a anulação “[...] do chamado ‘ensino gramatical’, em particular do ensino da nomenclatura, que tem, na análise sintática e morfológica, sua estratégia mais tradicional” (ILARI, 1997, p. 102 ).

Como recurso pedagógico na condução dos processos de ensino e aprendizagem da língua, o LDP pode ter influência decisiva nas escolhas dos professores, em relação aos objetos de ensino selecionados, e no desenvolvimento de uma metodologia de ensino coerente com os fundamentos e concepções atuais de língua e linguagem; entretanto, isto não tem se efetivado, devido ao descompasso entre as práticas docentes e os processos de produção, avaliação, seleção e uso dos LDP. Outras pesquisas podem ser desenvolvidas sob este foco da relação destes processos com as práticas docentes. Por essa via, os estudos que se propõem a analisar os processos de incorporação de novos paradigmas ao ensino de língua portuguesa decorrentes de reflexões teóricas no campo da linguística, e de outros aliados a este campo, especialmente, os de diferentes teorias do texto e do discurso, podem indicar caminhos para mudanças efetivas nas práticas docentes. A tese que apresentamos pode contribuir significativamente para isto.