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Juventude, sociabilidades e práticas de lazer

Capítulo 2: Objecto e problemática teórica

2.4. Juventude, sociabilidades e práticas de lazer

O desenvolvimento económico e social das sociedades modernas operou no domínio dos tempos livres grandes mudanças, alteraram-se valores, aspirações e consequentes comportamentos das populações. Na base destas mudanças estão questões como o aumento da escolaridade, a antecipação da reforma, a redução da carga horária no trabalho, bem como o significativo aumento dos tempos livres e crescente percepção dos indivíduos da importância

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O associativismo juvenil afirma-se como o meio privilegiado de intervenção dos jovens na sociedade, credibilizando, assim, uma verdadeira política(s) de juventude. As políticas de juventude têm o objectivo de fazer aproximar a juventude às instituições sociais e à realidade. E nelas deve existir uma dimensão ético-social articulada com o objecto da ética política, já que as problemáticas dos jovens são educativas e pedagógico- sociais. Assim, estas políticas devem incluir: a criação e a melhoria de infra-estruturas dotando-as de recursos humanos qualificados (ex: bolsas plurianuais de apoio à contratação de animadores pelas associações); o inventivo ao desenvolvimento de políticas municipais de juventude por parte de todas as Câmaras Municipais; a criação de um programa de apoio aos intercâmbios internacionais (europeus) e à mobilidade juvenil, voluntariado e cooperação entre jovens e as associações juvenis dos países membros; a integrar nos programas para a juventude os problemas dos jovens marginalizados, inadaptados e os de maior dificuldades, incluindo elementos culturais da sua própria comunidade; desenvolver meios favorecedores da educação dos jovens para a paz, o respeito mútuo, tolerância, solidariedade, participação, compreensão e diversidade de culturas e povos; apoiar as iniciativas dos jovens, incluindo as de tipo informal, nos âmbitos políticos, culturais, sociais e económicos (empresariais); motivar à participação dos jovens na utilização das novas tecnologias, fomentando programas e acções de teor educativo (formal, não-formal) e profissional; aproximar as políticas de juventude à complexidade social e económica, dando uma resposta global aos reais problemas dos jovens, o que requer que sejam políticas articuladas com a política social e económica do Estado mais descentralizadas e com maiores recursos financeiros; entre outras.

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que os tempos de lazer assumem na sua vida social. Deste modo, a CJA surge como um espaço, por excelência, que convida à prática do lazer bem como à interacção entre os actores sociais. Assim, e com o intuito de perceber o modo como os indivíduos se apropriam do espaço da CJA nos seus momentos de lazer e em interacção social, analisarei os conceitos de sociabilidade, práticas de lazer/actividades lúdicas/tempos livres e práticas de saída.

De acordo com Georg Simmel (1858-1918) entende-se sociabilidade como um conjunto de relações sociais que se desenvolvem por si próprias com funções utilitárias como encontrar-se entre amigos, falar com o vizinho, fazer parte de um clube ou associação. A sociabilidade deve ser compreendida a partir da interacção com a estrutura social. Ou seja, como escreve Simmel (1964) independentemente de «tudo o que está presente nos indivíduos sob a forma de um impulso, interesse, propósito, inclinação, estado psíquico, movimento - tudo o que está presente neles de maneira a engendrar ou provocar efeitos em outros ou a receber tais efeitos. (...) Essas formas existem por si próprias e pela fascinação que na sua própria libertação destes laços difundem. É precisamente este o fenómeno a que chamamos sociabilidade» (Barata, 1989, 132:133 cit. por Maia, 2002, p. 349).

A sociabilidade altera-se de acordo com a idade de cada indivíduo. A cada grupo etário corresponde um modo de vida diferente: a juventude é o «tempo dos camaradas» que se encontram na escola, na universidade, nas saídas (ao cinema, à discoteca, ao café…) ou nas actividades de tempos livres (desporto, música, etc.). Quando os sujeitos entram na vida profissional, formam um casal e, sobretudo, quando nascem os filhos a rede de relações modifica-se consideravelmente. As saídas com os amigos são frequentemente substituídas pela recepção no domicílio, pelas relações profissionais e pelos contactos com os familiares, entre as pessoas mais idosas, as relações diminuem e recentram-se só num local. As redes de sociabilidade variam igualmente segundo o estatuto profissional. Quanto mais se sobe na escala social, mais numerosas são as relações sociais. Estão fortemente ancoradas em contextos sociais precisos: as relações sociais implantam-se a partir da família, do local de trabalho, do habitat e dos tempos livres (Dortier, 2006, p. 648).

O lazer14 passou, assim, a ocupar um lugar importante nas nossas vidas. Do ponto de vista dos indivíduos, o investimento em actividades de lazer está longe de ser fútil. Segundo Dumazedier (1962) o lazer pode ser entendido como um conjunto de actividades a que o indivíduo se pode entregar de livre vontade, quer para repousar, quer para se divertir, quer

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O lazer aqui referido será identificado como objecto de estudo dos tempos livres, como uma determinada ocupação de tempo livre.

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para desenvolver a sua informação desinteressada, a sua participação voluntária ou a sua livre capacidade criadora depois de ter sido liberto das obrigações profissionais, familiares e sociais. Deste modo, o lazer encerra em si três funções essenciais: função do repouso (o repouso liberta do cansaço; as obrigações quotidianas e de trabalho aumentam a necessidade de repouso e de lazer); função de divertimento (liberta o tédio; é uma procura de diversão, de fuga para um mundo diferente, por vezes oposto ao mundo de todos os dias); função do desenvolvimento da personalidade (possibilita uma participação social mais ampla e mais livre, permite novas oportunidades de integração nas actividades recreativas, culturais e sociais).

Pelas práticas de lazer e de sociabilidade os jovens definem desta maneira trajectos e projectos. E todos eles diferentes. Pela percepção das diferenças substantivas dos lazeres juvenis, sob a aparente unidade da juventude é possível encontrar uma diversidade de situações sociais que tornam heterogénea a experiência de ser jovem. Ou seja, «diferentes formas de lazer estão na base de diferentes culturas juvenis, e vice-versa» (Pais, 2003, p.189).

O mesmo autor fala-nos também em tempo livre, que pode ser entendido como uma parcela de tempo liberta do trabalho produtivo, é um tempo «social» propício à criação de novas relações sociais e de novos valores (Maia, 2002, p. 378). Dumazedier via no aumento contínuo do tempo livre no mundo contemporâneo (ligado ao aumento dos subsídios de férias e de uma entrada em actividade mais tarde) a possibilidade de uma verdadeira revolução histórica na organização das nossas sociedades e das nossas vidas. Para o autor, a libertação do trabalho profissional ou doméstico torna possível a emergência de um sujeito que teria tempo para se realizar a si mesmo. Desejava que esse acréscimo de tempo livre fosse dedicado à formação, ao desenvolvimento pessoal, que concebia através de actividades desportivas culturais e educativas.

De acordo com Elias (1992), identificam-se cinco esferas diferentes de tempo livre dos sujeitos que se podem confundir e sobrepor de diversas formas: trabalho privado e administração familiar, repouso, provimento das necessidades biológicas, sociabilidade e actividades de lazer.

Já o sociólogo Roger Sue (1993) distingue quatro tipos de esferas de tempos livres: práticas culturais – em que a televisão é, de longe, a prática número um, seguindo-se a rádio, a leitura (jornais, revistas, livros), o cinema e as actividades culturais (concertos, museus, teatro) –; desporto – a prática do desporto é outra forte tendência das nossas sociedades como a corrida, musculação, stretching, marcha, bicicleta, futebol, golfe, natação, ténis, equitação, mergulho submarino, entre outros -; prática de jardinagem e de bricolage – importante

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desenvolvimento, como o testemunham a explosão das grandes superfícies e as revistas especializadas sobre estes assuntos – e práticas sociais – como o café, restaurante, associações. É necessário também levar em conta outras facetas dos tempos livres, como as viagens e as idas ao restaurante, que tiveram um grande desenvolvimento nas últimas décadas.

Surgem assim as práticas de saída que envolvem significados múltiplos e especialidades diversas, com factores que se tornam centrais na criação de novas redes locais de interacção e na mediação de processos identitários, bem como no que respeita à formação de estilos de vida. Tudo isto é possível nos centros urbanos por via da diversidade da oferta cultural de serviços e actividades lúdicas o que «obriga a considerar “novos” espaços públicos urbanos ontem têm lugar privilegiado» (Paula Abreu, «Públicos culturais nas cidades ou das cidades?», cit. por Pinheiro, Baptista e Vaz, 2001, p. 164). Neste sentido pode dizer-se que as «saídas juvenis/culturais» procuram locais onde tenham acesso a espaços alternativos, à cultura pop/rock, exposições, bares, discotecas, espectáculos musicais. Estas práticas de saída têm também um forte cariz de sociabilidade e permitem-nos compreender a necessidade da criação de novos espaços voltados para públicos urbanos, sendo que estes espaços apresentam uma procura mais intensificada e uma apropriação de espaços públicos diversificados. Assim, a cidade urbanizada é um espaço amplo criada segundo as necessidades dos indivíduos, cada cidade tem os seus próprios locais de culto, de diversão e as suas «zonas interditas», a cidade espelha a diversidade e as identidades urbanas. Segundo Carlos Fortuna (1999) são «transitórias», «plurais» e «auto-reflexivas» o que demonstra que as próprias identidades são permanentemente mutáveis e são criadas à imagem das mudanças sociais e das novidades culturais de cada espaço urbano. Pode-se então afirmar que o espaço urbano molda comportamentos e molda as identidades ao mesmo tempo que é moldado pelas próprias identidades que lhe conferem vida e essência, a cidade surge assim, «(…) como um palco onde os estilos se confrontam e onde viver passa a ser uma arte» (João Teixeira Lopes, «Identidades, estilos, reportórios culturais: um certo ponto de vista sobre a cidade», cit. por Pinheiro, Baptista e Vaz, 2001, p. 181).

Os momentos de lazer e a actividade lúdica influenciam positivamente o desenvolvimento e o bem-estar psico-social e motor em todos os estádios da vida, influenciando o desenvolvimento da personalidade, sobretudo na fase da adolescência e juventude. Assim, o tempo livre constitui um elemento fundamental para a qualidade de vida dos indivíduos, sendo que é nos momentos de lazer que os indivíduos reflectem mais sobre si

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mesmos e se descobrem a si próprios, o que nos permite afirmar que tempo livre, requer espaço e liberdade de agir e pensar – e aqui, a cultura tem um papel fundamental: quer seja através da criação ou recepção de obras artísticas, os jovens identificam-se com determinados conceitos, pensamentos, ideologias e grupos. Todavia, se o tempo livre é uma componente importante para os adultos, constitui um aspecto central no desenvolvimento dos jovens, pois, com este, adquirem hábitos que condicionam os seus comportamentos enquanto adultos, o que significa que tão importante como ter tempo livre é tê-lo ocupado com qualidade.