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As línguas orais são predominantes no mundo, porém, as línguas gestuais coabitam com aquelas e nem sempre foram associadas à deficiência. Na verdade, as línguas gestuais ou, pelo menos os sistemas de linguagem gestual, terão surgido em contextos diferenciados e entre populações maioritariamente ouvintes. Um desses exemplos decorre de monges em clausura em mosteiros europeus desde a Idade Média (Fischer, 2009:249). Tendo feito votos de silêncio, a comunicação é, apenas, permitida por meio da língua gestual e somente permitida a oral quando recebiam visita numa sala denominada de Parlatório, como acontece nos Mosteiros de Cister. Contudo, não há executores das línguas gestuais monásticas como língua materna. Um outro contexto de emergência das línguas gestuais é atribuído a uma linguagem especializada e restrita às mulheres aborígenes na Austrália; a língua dos Índios das planícies norte-americanas; em ambientes ruidosos onde não se consigam ouvir as vocalizações; entre caçadores evitando produzir ruído para que não dispersem as presas (Armstrong & Wilcox, 2005:312). Pessoas s/Surdas poderão ter feito parte destas sociedades e tendo desenvolvido gestos domésticos, terão, igualmente, desenvolvido toda uma estrutura que atualmente se considera como língua com sintaxe sofisticada e complexa.

Há uma tendência evolucionista que se começa a evidenciar e que é objeto de reflexão. A partilha de genes entre espécies é uma realidade conhecida no seio da ciência. Partilhamos 99% da nossa constituição genética com os chimpanzés e ainda mais com os chimpanzés pigmeus, os bonobos (Armstrong & Wilcox, 2005:307). Há, então, uma relação biológica entre a presença de um gene e a sua expressão molecular. O que coloca problemas na compreensão desta relação é saber o significado de partilha de um gene comum ao homem e a outras espécies no domínio cognitivo e da atividade mental. Castro Caldas (2009b) refere que os primatas não hominídeos não têm controlo voluntário sobre a respiração não lhes permitindo dominar um sistema de movimentos relacionados com este aparelho e que lhes permita mimetizar a linguagem oral do ser humano (p.83). Sabe-se, porém, que mimetizam com toda a propriedade o gesto manual, à semelhança de outros animais. A dificuldade do chimpanzé, por exemplo, em

adquirir a linguagem está na incapacidade de controlar os lábios e a língua, isto é, em produzir um discurso articulado. A faringe dos grandes primatas impede o som aspirado dos humanos, emitindo apenas vocalizações mais simples através da laringe como sendo grunhidos, gritos agudos e choro (Fischer, 2009:35).

Existe, assim, um sistema neuronal constituído e designado por “neurónios espelho”. Mais à frente retomaremos este tópico evidenciando a sua função. Centremo- nos nos primatas não hominídeos: são várias as experiências de cientistas que utilizam instrumentos e mecanismos para ensinar chimpanzés a comunicar, pressupondo a atividade de produção e compreensão da linguagem. Há evidência que estes primatas conseguem alcançar níveis de competência correspondentes a uma criança de dois anos de idade. São várias as investigações que evidenciam a proximidade da linguagem entre grandes primatas e seres humanos (Fitch & Hauser, 2004;Gardner, Gardner & Canford, 1989).

No final da década de 70, foram feitas experiências que envolveram o ensino de línguas gestuais a grandes primatas, nomeadamente a orangotangos no Bornéu que em cerca de um ano aprenderam 20 gestos da Língua de Sinais Americana (ASL). Estes foram ensinados de acordo com modelos de experiências aplicadas a gorilas e chimpanzés nos EUA. Conclui-se desta investigação que a capacidade para a 'linguagem' de todos os grandes primatas é, semelhante, independentemente da espécie. As experiências com a linguagem em orangotangos têm-se desenvolvido nos últimos anos, tendo produzido resultados ao nível da compreensão e da produção linguísticas surpreendentes. Uma outra experiência foi desenvolvida com a chimpanzé fêmea Washoe que inspirou Francine Patterson a tentar ensinar uma adaptação da ASL a uma gorila ocidental das terras baixas: uma fêmea de 13 meses chamada Koko em julho de 1972. Aclamada pelo mundo como a primeira gorila a alcançar proficiência em contexto de conversação, Koko apresenta um vocabulário ativo de mais de 500 gestos e possui um vocabulário passivo correspondente a outros 500 gestos. O seu vocabulário total é semelhante ao de uma criança com menos de 5 anos de idade. Infere-se daqui que os gorilas são 'preparados' para algum tipo de linguagem, que lhes permite usar a língua gestual em laboratório. Testado o QI de Koko através do exame Stanford-Binet, este fica entre 85 e 95, valores pouco mais baixos do que a média de humanos com as mesmas aquisições. Em 1976, um gorila ocidental das terras baixas, macho de três anos e meio batizado de Michael, juntou-se a Koko. Durante dois anos, os gorilas Koko e Michael interagiram entre si usando a ASL (Fischer, 2009: 31-32).

O ano de 1967 marcou a comunicação entre primatas e humanos quando a chimpanzé Washoe proferiu a frase “quero doce” em ASL. Os vinte anos subsequentes permitiram uma mudança de atitude e de posição dos linguistas em relação à capacidade dos primatas para a linguagem, conferindo capacidade para o desenvolvimento da linguagem. Washoe aprendeu 34 gestos em ASL nos primeiros 22 meses de investigação tendo, em 1970, adquirido um total de 132 sinais utilizados de forma idêntica à usada por crianças humanas nos primeiros estágios de aquisição da linguagem oral.

Fischer (2009) descreve um outro caso. Geneticamente mais próximo do ser humano, o bonobo Kanzi foi ensinado a comunicar com os seres humanos através de um lexigrama, um teclado com símbolos que representam conjuntos de palavras ou ações. Distingue-se dos primatas anteriores pelo que as suas respostas são motivadas e não condicionadas. Kanzi é estimulado a usar símbolos de maneira espontânea e criativa para comunicar com humanos e outros congéneres. Este bonobo aprendeu a compreender diferentes atos de fala, como questões, declarações e comandos de voz em inglês, respondendo através do lexigrama. Parece ser o primata que mais perto esteve de produzir um léxico e uma sintaxe identificável e compreensível pelos seres humanos e por analogia, parece ser possível inferir que, se a capacidade linguística de um ser humano de dois anos de idade se designa de linguagem, então o bonobo Kanzi fala connosco (p.37) e nesse caso estaria a demonstrar a capacidade de a utilizar em diferentes situações e não o resultado de um exercício de listagem de itens. E Fauconnier e Turner (2003) esclarecem que a linguagem humana se desenvolveu através de uma capacidade de integração conceptual indispensável à criação artística, à religião, raciocínio e ciência e, por isso, exclusiva dos seres humanos e não partilhável por outras espécies, ainda que a coincidência genética com outras espécies seja uma evidência, a arquitetura cognitiva e as suas habilidades e singularidades não o são como refere Donald citado por aqueles autores:

“Our genes may be largely identical to those of a chimp or gorilla, but our cognitive architecture is not. And having reached a critical point in our cognitive evolution, we are symbol-using, net worked creatures, unlike any that went berofe us”(p.171).

Havendo uma coincidência e partilha genética entre humanos e estes primatas, o que terá levado a que a linguagem se desenvolvesse no Homem? As teorias são várias, colidem com o facto da linguagem se ter desenvolvido abruptamente resultando de um mosaico multiforme de pré-competências periféricas. Não existem fósseis linguísticos nem fósseis representantes do antecessor comum aos chimpanzés e humanos (Armstrong & Wilcox, 2005:307). Castro Caldas (2009b) acredita que, além destas características emergentes:

“terá sido o próprio sistema cognitivo que se apoderou do potencial que essas competências constituíam. Assim sendo, a explosão da linguagem resulta da aproximação de um sistema cognitivo ao sistema de comunicação mais primitivo, que continuamos a partilhar com o chimpanzé” (p.86).

Nas últimas décadas paleontropologistas determinaram que o bipedalismo define os traços anatómicos do hominídeo. Este perfil surgiu antes do aumento de tamanho do cérebro. Nesse sentido, libertou as mãos para construir utensílios, para carregar objetos e para a locomoção, cuja transformação teve a sua origem há 3 milhões de anos. Nessa altura, foi encontrado o mais famoso exemplar australopiteco do sexo feminino, Lucy como representante desta realidade (Armstrong & Wilcox, 2005: 307). Qual será então o lugar das línguas gestuais na Torre de Babel? Parece claro que a referência bíblica aponta para o predomínio de uma língua oral que representaria todos os habitantes da Terra. A ira de Deus manifestou-se e rebelou-se contra a soberba e a ambição do Homem. Criaram-se as línguas dos diferentes continentes:

“1 Em toda a Terra, havia somente uma língua, e empregavam-se as mesmas palavras. 2 Emigrando do Oriente, os homens encontraram uma planície na terra de Chinear e nela se fixaram. 3 Disseram uns para os outros: «Vamos fazer tijolos, e cozamo-los ao fogo.» Utilizaram o tijolo em vez da pedra, e o betume serviu-lhes de argamassa. 4 Depois disseram: «Vamos construir uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim, havemos de os tornar famosos para evitar que nos dispersemos por toda a superfície da terra.» 5 O SENHOR, porém, desceu, a fim de ver a cidade e a torre que os homens estavam a edificar. 6 E o SENHOR disse: «Eles constituem apenas um povo e falam uma única língua. Se principiaram desta maneira, coisa nenhuma os impedirá, de futuro, de realizarem todos

os seus projectos. 7 Vamos, pois, descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros.» 8 E o SENHOR dispersou-os dali por toda a superfície da Terra, e suspenderam a construção da cidade. 9 Por isso, lhe foi dado o nome de Babel, visto ter sido lá que o SENHOR confundiu a linguagem de todos os habitantes da Terra, e foi também dali que o SENHOR os dispersou por toda a Terra” (Génesis 11:1-9) (Galache, 1995).

A diferença existe, então, para impor limites à desmesurada ambição pela hegemonia de um povo. Sem ela, a igualdade reclamada por todos seria uma aquisição materializada em nulidade como descrevemos no capítulo anterior. Cardoso (2001:47) defende a tese de que a beleza existe na medida em que a diferença existe e nesse sentido O sabor está na diferença. Aplicar-se-á no contexto da diversidade linguística, a beleza existe pelas diferentes línguas que se constituem.

As línguas gestuais são uma manifestação do pensamento e uma forma de linguagem diferente das línguas orais. Nesta investigação, determinaremos o lugar das línguas gestuais na Torre de Babel. Perante o exposto, e atendendo ao momento presente de mudança de paradigma educacional que privilegia um ensino inclusivo, a inserção de alunos s/Surdos em contexto de sala de aula de turmas do ensino regular prevê a articulação entre diferentes agentes educativos, desde Intérpretes, Formadores/Docentes de LGP a terapeutas da fala e a Professores da Educação Especial. Esta plataforma de trabalho pretende colmatar as necessidades educativas especiais dos alunos s/Surdos que até então conviviam quase exclusivamente com os seus pares. Colocam-se, assim, vários problemas na definição dos papéis de cada um destes agentes educativos.

Nesta parceria, que tipo de relações se estabelecem no sentido de promover o mais eficaz acesso ao conhecimento por parte do aluno s/Surdo? Não caberá ao professor conhecer também as especificidades da LGP? Será que o professor, especialmente o de línguas, tem consciência do estatuto de língua atribuído à LGP? Não será crucial que esta plataforma de agentes educativos deva conhecer as especificidades cognitivas e neurológicas desta população? Como poderá o professor de educação especial, o técnico de audiologia, o intérprete, a família promover o desenvolvimento destas crianças se não conhecerem que relações existem entre o pensamento e a linguagem? São algumas questões que pretendemos desenvolver tentando intersetar outras áreas de conhecimento, pretendendo, assim contribuir para a construção do

conhecimento sobre este tema cuja consciência é ainda neófita em Portugal, mesmo no âmbito das Ciências da Linguagem.

b. Estatuto da Língua Gestual Portuguesa (LGP)

O reconhecimento do estatuto de LGP, pelos professores de línguas, enquanto Língua Natural dos s/Surdos é um tema controverso e ainda com pouca visibilidade no panorama das Ciências da Educação e nas Ciências da Linguagem. Os grupos de estudo firmados na problemática que envolve as Línguas Gestuais em todo o mundo, nos Estados Unidos da América, Holanda e Suécia, têm contribuído, desde a década de 60, para que as línguas gestuais sejam progressivamente reconhecidas em vários países, renovando a conceção de linguagem, desde sempre atribuída à correspondência de som - significado.

Atualmente, esta correspondência passa por signo - significado. Em Portugal, já se conhecem trabalhos científicos nesta área desde 199460. Em 2002 publica-se material

didático para o ensino da Língua Gestual a crianças s/Surdas61

. Recentemente, o Ministério da Educação homologa o Programa Curricular de Língua Gestual

Portuguesa (2007), dez anos após o seu reconhecimento constitucional:

“Proteger e valorizar a Língua Gestual Portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades”. [(Artigo 74, h) – Educação, 1997]

Este reconhecimento na Constituição da República Portuguesa ocorre quase simultaneamente com a recomendação do Parlamento Europeu (PE) em 1998, através da Resolução sobre as Línguas Gestuais62 dirigida aos governos dos Estados –

Membros, exortando-o a considerar a concessão de plenos direitos às línguas gestuais. Promove o seu reconhecimento como línguas oficiais das pessoas s/Surdas, conferindo- lhes acesso à educação bilingue bem como a serviços públicos.

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Amaral, M.A, Coutinho, A. Martins, M.R.D. (1994). Para uma Gramática de Língua Gestual Portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, S. A.

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Faria, I. H., Ferreira, J. A., Barreto, J., Martins, M., Neves, N., Santos, R., Vilela, S. (2002a.) +LGP – Materiais de Apoio ao Ensino da Língua Gestual Portuguesa: O Corpo. Laboratório de Psicolinguística, FLUL. Publicação em CD-Rom, versão 1.0.

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Ainda que haja legislação vária sobre este tema, a LGP é ainda considerada uma língua recente, uma língua cujas perceção e produção são diferentes das línguas orais. Trata-se, então, de uma língua cuja representação é demonstrada e partilhada pelo gesto, percecionada pelo sentido da visão e realizada num espaço tridimensional, onde se marca a dinâmica da localização e orientação da mão, dos movimentos, configurações, expressão facial e corporal (Baltazar, 2010:3). Trata-se de uma língua cujo estímulo é visual e não auditivo e cuja resposta é manual e não oral, por isso carece de estudo em diferentes áreas de conhecimento. Mais recentemente, foi publicado o Dicionário de

Língua Gestual Portuguesa (2010) atualizando o Gestuário63 (1996) não só em número

de entrada, mas introduzindo indicações básicas acerca da gramática da língua gestual e permitindo ao aprendente visualizar em CD-ROM como as mais de 5000 entradas se configuram no espaço, tornou-se a “língua rainha” da comunidade s/Surda (Pereira, 2008:196). Delgado-Martins (1996) coloca a questão de se saber se um sistema não verbal, sem representação da fala, pode ser considerado uma língua. Esta mesma questão é construída no questionário cujos resultados são apresentados na Metodologia. Fazer esta pergunta significa perguntar acerca do estatuto das línguas gestuais e especificamente da LGP. A mesma autora opta por abordar:

“a linguagem gestual como um sistema organizado segundo as regras de uma língua, com modalidade de produção motora da mão e do corpo, e com modalidade de percepção visual”(p.103).

Em 1996, a LGP ainda não estava constitucionalmente legitimada e o seu estatuto estava, assim, consignado ao termo “linguagem”. As línguas gestuais remetem para um conjunto de questões que podem colocar em causa um conjunto de pressupostos linguísticos, nomeadamente toda as conceções de língua, linguagem e teorias descritivas da linguagem. Mas foi a partir das teorias descritas da linguagem que Stokoe (1960) com Sign Language Structure e Fant (1972) com Ameslan: An

Introduction to American Sign Language que se encetaram inúmeros estudos de

natureza cognitiva e neurológica provando que as línguas gestuais o eram. Na verdade, Stokoe suportou o seu estudo no princípio de que as línguas são baseadas em sistema de contraste e, por conseguinte, o significado seria dado por diferenças percetíveis ao nível

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Ferreira, A. V. (1995). Gestuário: Língua Gestual Portuguesa. (2.ªed.) Lisboa: SNR. Disponível em suporte digital: http://www.inr.pt.

dos fonemas (exemplo: pato/rato). A ASL não é uma mera reprodução do discurso oral nem uma língua corrupta, antes sofisticada (Armstrong & Wilcox, 2005:307; Armstrong & Wilcox, 2007:11). Neste sentido, seriam altamente convencionalizadas, ainda que possam ter os gestos um grau de iconicidade ou transparência, o grau de arbitrariedade desenvolveu-se ao longo de gerações, sedimentando histórias que tenham dado origem a determinado gesto (Goldin-Meadow, 2005:2272). O espectro da iconicidade está obviamente presente nas línguas gestuais e é atualmente objeto de estudo no âmbito da Linguística Cognitiva, revelando a conceção básica e primária atribuída a este processo de formação de conceitos (Armstrong & Wilcox, 2007:778). Voltaremos a este aspeto mais à frente e retomaremos no quarto capítulo. Recorreremos aqui, ao caso específico da LGP, sabemos que o gesto relativo à palavra “bacalhau” é idêntico ao de “sexta- feira”. Os alunos s/Surdos da Casa Pia revelaram esse conhecimento e transportam-no nas suas representações da LGP. Bacalhau e sexta-feira têm o mesmo gesto porque nesse dia da semana, comiam sempre bacalhau. Ora tanto um com outro gesto não são icónicos e hoje são arbitrários (Delgado-Martins, 1996:104). Esta referência ilustra a base da propriedade arbitrária dos signos linguísticos de Saussure (1999), ao estabelecer-se a distância entre o significado de qualquer uma das palavras “bacalhau” e “sexta-feira” e o gesto que representam. Nas gerações seguintes, as línguas, porque usadas, tornam-se opacas e mais arbitrárias. O mesmo acontece com as línguas orais, fonologicamente a palavra “cão” está incomensuravelmente distante do seu significado. Durante a década de 80, Formadores e Docentes de ASL ficaram intrigados pelas investigações conduzidas por linguistas da língua gestual americana (ASL). As propriedades abstratas das línguas são partilhadas por línguas orais e línguas gestuais, apenas diferem na codificação (Wilcox & Wilcox, 2005:131). Na década de 70 deu-se a revolução cognitiva que anunciou na década de 90 a neurociência cognitiva com o intuito de conhecer as relações entre a linguagem, a aprendizagem e a cognição. Uma destas aplicações passa por conhecer os ambientes precoces de aprendizagem das crianças s/Surdas. Para tal, necessário é que haja investigação e ainda que ela se tenha desenvolvido, as crianças s/Surdas têm de ter capacidades cognitivas que tornam os métodos pedagógicos e psicológicos viáveis (Marschark & Hauser, 2008:12). Outro fator importante a considerar para a legitimação do estatuto de língua para a LGP é o grau de inteligibilidade dos gestos isolados e inseridos numa conversação que foram avaliados por diferentes investigadores, tendo concluído que, para uma pessoa ouvinte que não tenha contacto com pessoas s/Surdas nem com a língua gestual, não conseguem

aceder ao significado nessa interação, tal como, se estivermos em presença de línguas cujas relações de parentesco não sejam evidentes, tornam-se opacas e a intercompreensão não existe. Considerando, agora, uma criança s/Surda cujos pais sejam s/Surdos, a sua língua materna não é a língua oral do país a que pertence. Porém, os processos de aquisição da linguagem verbal oral por uma criança ouvinte, cujos pais sejam ouvintes, são os mesmos que a criança s/Surda no contexto familiar s/Surdo. A língua gestual é, naturalmente, a sua língua materna. Tratando-se as línguas gestuais, línguas naturais, é interessante colocar a questão da origem da linguagem: como terá o ser humano conseguido comunicar sem utilizar o trato vocal e aceder ao canal acústico. O caso da língua gestual na Nicarágua é o exemplo mais recente que se conhece e que se constitui como outro argumento a favor da natureza linguística da língua gestual (Delgado-Martins, 1996: 104). Em 1977, dois anos antes do Governo Sandinista tomar posse, estabeleceu-se um centro de educação especial frequentado por um grupo de 50 crianças s/Surdas no Bairro de Manágua de S. Judas. Rapidamente aumentou para o dobro de alunos. Uma das medidas implementadas pela Reforma Educativa deste governo em 1979 contemplou a criação de uma instituição vocacionada para as crianças s/Surdas, agora na Villa Liberdad. Em 1980, havia 400 alunos s/Surdos inscritos em ambas as escolas. No domínio da sala de aula operacionalizavam-se metodologias oralistas, com vista ao ensino da língua espanhola oral, ainda que o programa tenha tido pouco sucesso. Nos intervalos, porém, sem a supervisão dos professores, as crianças desenvolveram o que veio a ser o Idioma de Signos Nicaraguense (ISN). Comunicavam entre gestos, a população ouvinte e os agentes educativos não acediam às interações entre as crianças. O Ministro da Educação em 1986 contactou Judy Kegl, uma linguista americana dedicada ao estudo da ASL que descreveu o processo em marcha: primeiro os gestos familiares, as crianças mais novas adotaram o pidgin, em contacto com as mais velhas, elevaram-no a um maior grau de complexidade, emergiu e o crioulo e o que se designa de Língua gestual Nicaraguense (Carvalho, 2007: 122). Ainda que com características distintas, este caso foi único na História. Sandler, Meir, Padden e Aronoff (2005: 2662) descrevem uma comunidade endogâmica constituída por 3500 membros

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