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LÍNGUA OFICIAL, LÍNGUA DE ESCOLARIZAÇÃO E LÍNGUA NACIONAL

2. CAPÍTULO II: ENQUADRAMENTO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR-LESTE

2.2. LÍNGUA OFICIAL, LÍNGUA DE ESCOLARIZAÇÃO E LÍNGUA NACIONAL

NACIONAL

A língua portuguesa tem, em Timor-Leste o estatuto de Língua Oficial (LO), confirmado pelo artigo 13º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, aprovada a 22 de Março de 2002 pela Assembleia Constituinte, do qual se transcreve o primeiro ponto: O tétum e o português são as línguas oficiais da República

Democrática de Timor-Leste.81

Ao contrário do que acontece com outros conceitos, a definição deste é uma questão pacífica. Como tal, é suficiente o recurso às palavras de MARQUES no Dicionário

Temático da Lusofonia (DTL), já aplicado à língua portuguesa: LO é, na definição dada

pela UNESCO (nas ‘Notes Statistiques’, Julho de 1992) «a língua utilizada no quadro das diversas actividades oficiais: legislativas, executivas e judiciais» de um Estado soberano. É qualquer língua que um Estado defina como tal, quer na Constituição (v.

80 Cf. nota 9.

34 g., o nº 3 do artigo 11º da Constituição da República Portuguesa […] e o artigo 13º da

Constituição de Timor), quer por lei ordinária, quer apenas por via do costume.82

Sendo língua oficial, passa obrigatoriamente pela língua portuguesa a comunicação entre os cidadãos timorenses e o Estado. Tendo em conta que esta língua é, em termos físicos, externa, embora com uma presença histórica, e que está a ser importada com muitas dificuldades, mormente no que se refere à população jovem que já abandonou a escola, ela poderá configurar uma situação discriminatória, atenuada, contudo, pela existência da outra língua oficial – o tétum. Porém, esta língua de Timor só há pouco tempo começou a ser codificada na escrita e levará mais algum tempo até que ela possa servir os cidadãos da mesma forma que o português, nos actos administrativos, na regulamentação de contratos, na defesa de direitos ou no cumprimento de deveres, enfim, nos actos mais formais entre instituições ou entre cidadãos, no espaço específico de Timor-Leste ou no espaço mais alargado da relação com outros países.

A possibilidade da ocorrência deste problema é também abordada por MARQUES na mesma entrada do DTL: A língua oficial (ou as línguas oficiais), cuja escolha depende

de razões políticas, deve ser a língua utilizada em todos os actos do poder público estadual, quer de direito externo (tratados e convenções internacionais), quer de direito interno (Constituição, leis ordinárias, actos políticos, sentenças judiciais, actos administrativos, discursos oficiais, etc.). Já é mais duvidoso se os cidadãos, quando se dirigem aos órgãos do poder público (v. g., através de requerimentos, petições, representações), têm de também de usar a língua oficial ou se podem utilizar outra que seja objecto de reconhecimento, como, por exemplo, uma língua nacional.83

O facto de ser LO, em Timor-Leste, acaba por lhe atribuir também outro estatuto – o de Língua de Escolarização ou Língua de Instrução84. Entende-se por língua de

instrução/escolarização a língua veicular de acesso aos conhecimentos das outras

82 Maria Lúcia G. Marques (2005), «Língua Oficial», in Dicionário Temático da Lusofonia, Lisboa, Texto Editores, p. 607.

83 Maria Lúcia G. Marques, Ibidem.

Sobre esta questão, veja-se o nº 2 do artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, que defende o direito ao atendimento na própria língua nos organismos oficiais.

84 É prevista a utilização da Língua Portuguesa e do Tétum como instrumentos de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. (Lei de Bases do Sistema Educativo, Ministério da Educação, Cultura, Juventude e Desporto, Díli, s.d., - alínea a) do nº 2, Artigo 15º)

35 disciplinas, ou seja, aquela em que os alunos têm de compreender, reter e aplicar conceitos das diferentes disciplinas do currículo85. Tendo em conta que o nível de complexidade das várias disciplinas vai aumentando de ano para ano, exigindo também um aumento gradual das competências em língua portuguesa, torna-se necessário pensar nas necessidades dos jovens que frequentam a escola de um modo dinâmico, a fim de que sejam pensados caminhos programáticos, para o ensino do português, continuamente ajustados às necessidades dos aprendentes, também eles estudantes86. O mesmo artigo da Constituição da RDTL que atribui o estatuto de LO ao tétum e ao português, no seu nº 2, estabelece que «o tétum e as outras línguas nacionais são

valorizadas e desenvolvidas pelo Estado»87. A designação de Língua Nacional (LN) implica uma situação de protecção dessa língua, mesmo a nível internacional. Para a definição deste conceito, recorremos uma vez mais a MARQUES, que concretiza:

Língua falada em determinado território que, por plasmar marcas de uma herança específica ou código de afirmação de originalidade ético-cultural, pode configurar um elemento caracterizador de uma consciência nacional e, nos casos mais evoluídos, ser suporte de uma expressão literária autónoma. [A LN pode corresponder à LO em alguns casos, mas] existem comunidades infra-estaduais que também falam, ou só

falam, outra língua, diferente da oficial. É o que acontece, por exemplo, com grande parte das línguas autóctones no espaço político-geográfico em que se expandiu a Lusofonia.

Tendo em mente o conceito agora descrito e a relação da língua portuguesa com os timorenses, ela parece, em certa medida, poder também ser observada como LN. Com a excepção do facto de não ser possível dizer que é falada em Timor-Leste, no mesmo sentido que o diríamos para as outras línguas autóctones88, o português é, de facto, uma

85 Isabel Leiria (coord. de) e Outros s.d. [2008], Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna (PLNM) – Ensino Secundário, Ministério da Educação / Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), p. 12.

86 Cf. nota 147.

87 Maria Lúcia Garcia Marques (2005), «Língua Nacional», in Dicionário Temático da Lusofonia, Lisboa, Texto Editores, p. 606 – citando o nº 2 do artigo 13º da Constituição da República Democrática de Timor- Leste.

88 O português tem uma fortíssima carga simbólica, e é usado nalgumas situações pelos mais velhos que ainda o falam, mas é praticamente inexistente entre os jovens. Não tenhamos ilusões ao vermos gente a falar em português para o telejornal. (João Paulo T. Esperança (2001), «Algumas achegas sobre política

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marca da herança específica e de um código de afirmação de originalidade ético-

cultural timorenses, configurando um elemento caracterizador de uma consciência

nacional, ao mesmo tempo que é, ainda, suporte de uma expressão literária autónoma dos autores timorenses89.

O que se pretende afirmar aqui, sem preciosismos técnicos ou teóricos, cabe nas palavras de HULL90 quando afirma que a língua universal de Timor-Leste, o Português,

é genuinamente uma instituição ‘nacional’91.