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A finalidade desta seção é aproximar as discussões teóricas realizadas anteriormente relativas ao jogo com a ludicidade na área da Educação Física como um facilitador nos processos inclusivos. Além disso, examinar o entendimento do potencial lúdico do jogo de Fusen, enquanto objeto da pesquisa, dentro da proposta de atender ao público de estudantes com deficiência física severa.

Segundo Freire (2003, p.116), a conduta lúdica do jogo ocorre “quando alguém realiza, sem necessidade, um ato já conhecido, deve estar fazendo-o por prazer”. Brougère (1998) explica que a cultura lúdica é, antes de tudo, um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo possível. Isso quer dizer que a cultura lúdica compreende estruturas que não se limitam apenas às regras. Na verdade, ela se individualiza de acordo com os participantes que compõem determinada cultura, construindo, assim, sua própria cultura lúdica. Essa estrutura está diretamente ligada ao sujeito e este não pode transferir a cultura lúdica para outro indivíduo.

A criança vai agir em função da significação que vai dar a esses objetos, adaptando- se à reação dos outros elementos da interação, para reagir também e produzir assim novas significações que vão ser interpretadas pelos outros. A cultura lúdica, visto resultar de uma experiência lúdica, é então produzida pelo sujeito social. Na realidade, há jogo quando a criança dispõe de significações, de esquemas em estruturas que ela constrói no contexto de interações sociais que lhe dão acesso a

eles. Assim ela co-produz sua cultura lúdica, diversificada conforme os indivíduos, o sexo, a idade, o meio social (BROUGÈRE, 1998)

Para Freire (2010), o jogo lúdico pode servir de suporte para o desenvolvimento de habilidades de nível mais alto, pois o jogo não representa apenas o vivido, mas prepara para o que virá. Piaget (1976) afirma que a atividade lúdica é o marco inicial das atividades intelectuais das crianças. O jogo é assimilação, um momento de expressar sua percepção sobre a realidade. Piaget classificou os jogos em: jogos de exercício, simbólicos e de regras.

O jogo de exercício se refere ao ato corporal, uma ação que se evidencia em crianças do período sensório-motor, isto é, que estão estruturando as representações do pensamento. No jogo simbólico se pode fazer de conta aquilo que na realidade não foi possível (PIAGET, 1976). É dar asas à imaginação, que não se limite ao repertório motor apresentado, poder criar um mundo lúdico em que a criança é absorvida. Já o jogo de regras aparece como uma forma estruturada, que compreende uma vida de relações mais complexas de socialização (PIAGET, 1976). A regra é o princípio que norteia a atividade, imposta pelo grupo e que deve ser respeitada. Quando relacionada com a fantasia, com o lúdico, Piaget explica em seus pressupostos que no jogo de regras, mesmo comprometendo os praticantes em objetivos coletivos, não escapa a fantasia, ou seja, o lúdico. Soler (2006) considera que os jogos de regras contêm elementos que são necessários para sua prática, como um objetivo claro a ser alcançada, a existência de regras, as intenções opostas e a possibilidade de se levantarem estratégias. No que se refere a esta pesquisa, o jogo de regras se relaciona com o estudo apresentado por se constituir em uma forma mais avançada de jogo e por se conectar diretamente à proposta do Fusen.

A partir dos desafios apresentados para a inclusão de estudante com deficiência física severa, buscam-se alternativas para alcançar os pressupostos de uma perspectiva educacional inclusiva. Acreditamos que nos jogos e atividades lúdicas se encontram os elementos para viabilizar uma Educação Física capaz de facilitar os processos de inclusivos. As diferentes alternativas apresentadas por meio do lúdico servirão para enriquecer a capacidade motora, a autoestima e, consequentemente, a qualidade de vida do estudante com deficiência.

Betti e Zuliani (2002) observam que o jogo lúdico é um rico acervo, capaz de ser utilizado tanto como estratégia de ensino, quanto como conteúdo, o que possibilita a construção de uma metodologia de ensino singular frente às demais disciplinas. Este aspecto cria uma atmosfera de oportunidades que podem ser construídas pelo professor para todos os estudantes, favorecendo o desenvolvimento afetivo, social e motor. Segundo Fortuna (2008,

p. 465) “na brincadeira somos exatamente quem somos e, ao mesmo tempo, todas as possibilidades de ser estão nela contidas. Ao brincar exercemos o direito à diferença e a sermos aceitos mesmo diferentes ou aceitos por isso mesmo”.

Para isso, não basta o ensino de habilidades motoras e o desenvolvimento de capacidades físicas – aprendizagem estas necessárias, mas não suficientes. Se o estudante apreende os elementos do jogo, precisa também levar em conta a organização social para praticá-lo. Sendo assim, a Educação Física pode preparar o estudante para ser um praticante lúcido e ativo, que incorpore os componentes da cultura corporal em sua vida, para deles tirar o melhor proveito possível.

Segundo Betti (2001), o jogo é um dos conteúdos mais utilizados em Educação Física escolar, muito embora esta utilização vá decrescendo, conforme os anos de escolarização vão aumentando, ou seja, a educação infantil o utiliza muito e de forma lúdica, enquanto no Ensino Médio poucos professores o percebem como conteúdo.

As atividades planejadas de forma lúdica permitirão que estudantes com deficiência participem e se divirtam ao seu modo, compartilhando o mesmo tempo e espaço, sendo respeitados e compreendidos a partir de suas possibilidades corporais, com liberdade e autonomia, visto que, conforme Brougère (1998), o jogo é antes de tudo o lugar de construção de uma cultura lúdica, rica, complexa e diversificada.

No ambiente escolar, a presença do jogo lúdico implica na articulação entre a liberdade de uma atividade puramente divertida com a construção de contextos de aprendizagem em que aspectos de cooperação e competitividade aparecem em um movimento dialético. Para Mendes (2017, p.66):

A ludicidade incentiva e promove ações coletivas, em estar com o outro. Com sua redução, estar com o outro, construir relações de cooperação com os outros do mundo assume a posição de estar contra o outro, uma constante competição. Isso não implica no entendimento de que a competição não possa ser desenvolvida de maneira saudável. Cooperar e competir são duas dimensões naturais das interações entre os seres vivos.

O contexto da ludicidade implica em experiências que levam a interações que são construídas entre os participantes, podendo surgir o aspecto competitivo mesmo em um ambiente colaborativo, mas que pode ser conduzido de forma saudável. Assim, no espaço escolar, a cultura lúdica é um rico acervo de possibilidades criativas que levam os participantes a superarem desafios.

Ainda segundo Mendes (2017), o jogo lúdico entendido como recurso pedagógico é aquele que concebe a escola como espaço e função educacional de ensinar. Nesse sentido, o professor ou a escola, ao incluírem os jogos em sua prática pedagógica, atribuirão um papel educativo e objetivos a serem alcançados.

Dito isso, apresentamos no próximo capítulo a origem, desenvolvimento e as regras do jogo de Fusen. Entendemos que essa alternativa pedagógica pode contribuir quanto às possibilidades de inclusão de estudantes com deficiência nas aulas de Educação Física. Como visto nesta seção, o lúdico atua como um facilitador dos processos inclusivos e além disso, o caráter educativo pode ser explorado. Também, sugerimos que o jogo de Fusen possa ser visto como de caráter espontâneo e adaptativo, ou seja, que poderá sofrer mudanças de acordo com a estrutura disponível para seu desenvolvimento (sua cultura), as características dos participantes, a motivação e o momento. Para isso é necessário que o professor de Educação Física tenha a capacidade criativa de adaptação e experimentação contínua.

Compreendemos que o jogo de Fusen pode se tornar uma alternativa para estudantes com deficiência física severa, visto que, de acordo com Vieira (2013, p.106), “pessoas que apresentam graus severos de deficiência, em geral, são excluídas da prática de atividade física”. Então, apresentamos nas próximas seções o jogo de Fusen, sua origem, regras e desenvolvimento no Brasil e no município de Caxias do Sul.