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La Guitarra : “esse belo e misterioso instrumento”

4 O PERCURSO DIALÓGICO NA OBRA DE MARIO CASTELNUOVO-TEDESCO

4.1 O dialogismo na obra Romancero gitano op 152: uma abordagem

4.1.1 Análise da obra Romancero gitano

4.1.1.2 La Guitarra : “esse belo e misterioso instrumento”

Empieza el llanto dela guitarra.

Se rompen las copas dela madrugada. Empieza el llanto dela guitarra. Es inútil callarla. Es impossibile callarla. Llora monótona como llora el agua, como llora el viento sobre la nevada. Es impossible Callarla.

Llora por cosas lejanas.

Arena del Sur caliente que piede camelias blancas.

99Poema e tradução extraídos de GARCIA

LORCA, 2012, p. 218-219. A Guitarra Começa o pranto da guitarra. Quebram-se os copos da madrugada. Começa o pranto da guitarra. É inútil calá-la. É impossível calá-la. Chora monótona como chora a agua, como chora o vento sobre a nevada. É impossível calá-la.

Chora por coisas distantes.

Areia do Sul quente

Llora flecha sinblanco, la tarde sin mañana, yel primer pájaro muerto sobre la rama.

¡Oh guitarra!

Corazón malherido por cinco espadas.

Chora flecha sem alvo, a tarde sem manhã,

e o primeiro pássaro morto sobre o ramo.

Oh! Guitarra! Coração malferido por cinco espadas.

Na década de 1960, o violonista Andrés Segovia decidiu lançar um LP chamado “Jubileu de Ouro”, no qual iria reunir as principais gravações feitas por ele até o momento. No encarte, além de textos de sua própria autoria em relação às peças selecionadas e sobre sua própria vida violonística, Segovia decidiu chamar o amigo Mario Castelnuovo-Tedesco para escrever um texto sobre a história da Guitarra.

“A guitarra: esse belo e misterioso instrumento” foi o nome desse texto que discorre acerca das relações de diversos compositores violonistas ou dos compositores que não necessariamente possuíam o violão como primeira opção para compor obras. Nesse texto, Tedesco demonstra um farto conhecimento sobre a literatura do instrumento. Alguns compositores citados por ele são: Luigi Boccherini (1743 – 1805); Niccolò Paganini (1782 – 1840); Franz Schubert (1797 – 1828); Hector Berlioz (1803 – 1809) (“desconhecendo o piano, tinha a guitarra como seu instrumento ´confidente´”); Fernando Sor (1780 – 1839),(“graça de jovem Beethoven e qualidades líricas de Jovem Schubert”); Francisco Tárrega (1854 – 1909); Mauro Giuliani (1781 – 1829); Manuel Ponce (1882 – 1948); Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959); Alexandre Tansman (1897 – 1986); Joaquin Rodrigo (1901 – 1999); Arnold Schoenberg (1874 – 1951), (“Serenade op. 24”); Anton von Webern (1883 – 1945), (“Cinco peças para Orquestra op. 10” e “Três canções op. 18”).

Garcia Lorca, só no Poema del Cante Jondo, dedica mais de um poema ao violão: além do próprio La Guitarra temos “Las seis cuerdas” e “Adivinanza de la guitarra”.

Já para Manuel de Falla, no cante jondo, a guitarra é responsável por ditar os ritmos e o que poderíamos chamar de “chão” harmônico. Esse

processo é realizado através do “toque peculiar do povo andaluz” e que de Falla chama sugestivamente de toque jondo.101Nada mais poético do que o toque jondo da guitarra para acompanhar o cante jondo.

Se analisarmos todo o ciclo Romancero gitano de Tedesco, iremos verificar que todos os movimentos são introduzidos pelo violão, que dita, sim, o ritmo proposto para cada um deles. Em três movimentos, essa determinação é literalmente proposta pelo compositor: Tempo di Marcia (na Saeta, dentro do quarto movimento, Procesion), Tempo di Tango (em Memento que veremos logo a seguir em nossa análise) e Tempo di Seguidilla (Baile).

Antagonicamente à Baladilla, na qual o violão realiza uma introdução que se plasmará em acompanhamento, logo em seguida, em La guitarra temos o violão, introduzindo, no primeiro compasso, o tema que será entoado pelas sopranos no compasso 11. Aqui, ocorre uma situação especial na relação texto/música: a guitarra inicia o seu “pranto” ou toque jondo antes da vozes do coro (“Empieza el llanto de la guitarra/ Começa o pranto da guitarra”). O caráter proposto pelo compositor é dolce, com dinâmica piano e andamento Andantino.

Figura 61: Introdução do movimento “La guitarra”

A harmonização do compasso 1 segue praticamente a mesma das vozes no compasso 11, o que faz com que as cadências introdutórias sirvam adiante de acompanhamento para a textura coral dos compassos 11 a 13. Esse procedimento do acompanhamento dobrar boa parte das vozes irá ser recorrente ao longo da peça (compassos 22, 44 e 48, por exemplo.)

100 FALLA, 1922, p. 23.

101 E o toque jondo não tem rival na Europa. Os efeitos harmônicos que inconscientemente produzem nossos guitarristas, representam uma das maravilhas da arte natural. Y es que el toque jondo no tiene rival en Europa. Los efectos harmónicos que inconscientemente producen

Figura 62: Harmonização da introdução do movimento, semelhante à harmonização do coro. Embora a textura coral seja predominante nessa peça, os naipes do coro irão realizar algumas imitações e procedimentos canônicos, como ocorre em praticamente todo o ciclo. Temos imitações por parte dos tenores e baixos, no compasso 15 do tema, e das sopranos e contraltos, iniciado no compasso 13 (“Se rompe las copas de la madrugada/ Quebram-se os copos da madrugada”). No compasso 26 o coro é reduzido aos naipes de tenor e baixo, com o violão realizando um trêmolo que se inicia na nota lá 2 e vai até o lá 3, ao longo dos próximos compassos, em movimento de segundas ascendentes (compassos 26 até 33). Enquanto isso, uma linha melódica descendente, parecida com um baixo contínuo de um passacalle realiza um movimento contrário em relação à voz do trêmolo, descendo em graus conjuntos do lá 2 até o ré 2, para em seguida saltar para o lá 1 que, por sua vez, retorna ao lá 2 para executar a linha melódica acima descrita, por mais dois compassos. Esse jogo de vozes contrárias permanece do compasso 26 até o compasso 40.

Figura 63 e 64: Caráter monótono no mesmo momento no qual aparecem os vocábulos “monotona” (setas). Em destaque também, o trêmolo e o baixo contínuo juntos (retângulo).

O caráter solicitado pelo compositor para o violão, a partir do compasso 26, é “monótono” e os versos dos compassos que se seguem dizem que a guitarra “Llora monotona / Chora monótona”. O trêmolo, portanto, é um artifício violonístico para indicar o “choro” da guitarra/violão retratado pelos versos de Lorca. Vale a pena destacar que diversos autores espanhóis utilizam o trêmolo como recurso expressivo no violão, tais como Tárrega (Recuerdos de la Alhambra) e Rodrigo (na homenagem a de Falla conhecida como Invocación y Danza).

Segundo Tedesco, o título do texto “A Guitarra: esse belo e misterioso

instrumento” não foi escolhido por acaso:

“Compreendo os românticos quando fizeram dela (a guitarra) seu instrumento favorito e companheira dos seus sonhos. [...] Espero que, assim como eu, também possam os contemporâneos ter por companheira dos seus sonhos a guitarra”.102

102 CASTELNUOVO-TEDESCO, Mario. A guitarra, esse belo e misterioso instrumento. Encarte

Ou seja, o uso da guitarra/violão para o compositor florentino não diz respeito somente a um artifício de reforço do sentido do poema de Garcia Loca. Com a frase acima, Castelnuovo-Tedesco justifica toda a sua enorme produção para violão a partir de 1932 como sendo um apontamento em direção à modernidade.

4.1.1.3 Puñal: