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3.2 Metabolismo do lactato no músculo esquelético

3.2.2 Lactato e metabolismo energético

Em virtude das suas associações com os sistemas bioenergéticos, as [La-] têm sido comumente utilizadas para se estimar o metabolismo aeróbio em testes ergométricos (BILLAT, 1996; HECK, MADER, HESS, MUCKE, MULLER & HOLLMANN, 1985) e a contribuição do sistema glicolítico no exercício físico (JACOBS, 1986). Por exemplo, existem evidências que apontam para a diminuição das [La-], bem como a sua correlação significativa com mudanças bioenergéticas detectas no músculo esquelético em testes progressivos realizados em cicloergômetro (JACOBS, 1986).

REHUNEN, NÄVERI, KUOPPASALMI e HÄRKÖNEN (1982) observaram que corredores velocistas possuíam valores superiores das [La-] imediatamente após (17,1 ± 1,0 mM) e no quinto minuto de recuperação (18,1 ± 0,7 mM) subseqüentemente a uma tarefa intermitente máxima, quando comparado com corredores de longa distância (15,5 ± 1,0 mM e 16,4 0,9 mM, respectivamente) (p < 0,05). O estudo de CRAIG, PYKE e NORTON (1989) demonstrou haver correlações significativas entre o pico da potência gerada em 30 e 40 segundos em

cicloergômetro e o pico de acúmulo das [La-] nessas tarefas (r = 0,67 e 0,79, respectivamente) (n = 9). Contudo, os próprios autores descreveram que um dos sujeitos alcançou ≅ 90% do O2max no estímulo de 30 segundos, o que poderia

indicar que esses indivíduos possuíam uma condição aeróbia elevada, que por sua vez poderia implicar as repostas das [La-] (BILLAT, 1996).

di PRAMPERO (1981) e di PRAMPERO e FERRETTI (1999) afirmaram que é plausível estimar o total de lactato produzido por quilograma de massa corporal e que, mediante esse cálculo, haveria possibilidade de se adquirir informações sobre a energia transferida pelo metabolismo glicolítico. Para isso, é necessário assumir que: as elevações das [La-] sobre os valores de repouso induzidos pelo exercício físico são acumuladas proporcionalmente no organismo, o pico de concentração sangüínea de lactato após o exercício é resultante de uma condição de equilíbrio entre o meio intracelular e extracelular, e que as taxas de remoção do lactato nos vários compartimentos de fluídos corporais têm a mesma constante de tempo.

Em relação ao momento do pico de concentração das [La-], supõe-se que o maior valor deve ser atingido entre o 5º e o 9º minuto após os exercícios de curta duração e de alta intensidade (BILLAT, 1996). Contudo, SPRIET (1995) descreveu que cerca de 67% do lactato produzido permanece nos grupos musculares e que apenas os 33% remanescentes são removidos para a circulação. Dessa forma, pressupõe-se que em exercício supramáximo com duração superior a 30 segundos, a energia transferida por unidade de tempo (potência metabólica ou PME) é representada pela somatória de dois termos: o primeiro refere-se ao metabolismo aeróbio e o segundo ao anaeróbio, podendo ser expresso pela equação 1 (di PRAMPERO & FERRETTI, 1999):

= + β ∆

PME PAM { (La)} EQUAÇÃO 1

Onde PME = potência metabólica; PAM = potência aeróbia máxima (normalmente representada pelo O2max); β = a constante gerada para representar a energia equivalente ao acúmulo de lactato; ∆[La] =

Os valores provenientes do sistema glicolítico ou a constante β podem ser estimados pelo cálculo da inclinação de uma reta gerada com base na mensuração das [La-] de pico para uma potência requerida em uma determinada tarefa. Como a

PME e a PAM (representada pelo O2max) geralmente são expressas em

ml O2min-1kg-1 e o ∆La é apresentado em mM, a constante β pode ser expressa em

ml de O2∆La-1. Para comparar sujeitos com diferentes PAM e. possivelmente com

diferentes intensidades no exercício supramáximo, os autores sugerem expressar a PME de forma relativa a PAM (di PRAMPERO & FERRETTI, 1999). Quando os resultados são apresentados de forma relativa a PAM na corrida, natação ou ciclismo, as retas geradas têm inclinações semelhantes, indicando que a energia proveniente do sistema glicolítico para os três exercícios são aproximadamente as mesmas (β = 3,0 ml de O2kg-1mM-1; 2,7 ml de O2kg-1mM-1 e 2,8 ml de O2kg-1 mM-1

para corrida, natação e ciclismo, respectivamente). Esses resultados levaram di PRAMPERO e FERRETTI (1999) a sugerir a compatibilidade do valor fixo da constante β de 3 ml de O2kg-1mM-1 de lactato de pico acima dos valores de repouso,

viabilizando assim o cálculo da energia oriunda do sistema glicolítico por meio das [La-] de pico e dos valores de repouso. Por outro lado, cabe destacar que essas estimativas não levam em consideração a contribuição do MAA, o que poderia estar subestimando o valor real da PME.

Em resumo, tem se demonstrado que a redução do oxigênio mitocondrial não é o único fator que induz ao aumento da produção do lactato. Por outro lado, a sua produção ainda se mantém relacionada à ATP ressintetisada anaerobiamente. Logo, muitos estudos têm utilizado as [La-] para estimar a contribuição do metabolismo glicolítico durante o exercício físico (GUIDETTI et al., 2007; SCOTT, 2006a; SCOTT, 2006b; BENEKE et al. 2004, BENEKE et al., 2002; FRANCESCATO et al., 1995). Entretanto, os resultados desses estudos devem ser analisados com cautela, pois se acredita que as [La-] são comumente menores que as observadas nos grupos musculares devido à sua degradação em outros tecidos (BANGSBO, 1998). Além disso, estudos recentes têm questionado veementemente o paradigma que propõe a relação entre o aumento das [La-] e a fadiga muscular aguda. Porém, BANGSBO e JUEL (2006) apontaram que os resultados dessas investigações são de difícil extrapolação para o exercício em humanos, pois: a) nesses trabalhos a estimulação

elétrica não foi realizada de forma repetitiva e ela também não levou o músculo à exaustão; b) invivo, a atividade da bomba de N+-K+ é elevada tanto pelo aumento do K+ extracelular como pela ação de hormônios, o que levaria ao restabelecimento do potencial de repouso da membrana e a manutenção da excitabilidade independentemente do pH; c) a incubação dos músculos em ácido lático diminuiria o pH intracelular menos que o pH extracelular, criando assim a redução do gradiente do pH transmembranar, o qual é diferente do observado durante a contração muscular voluntária; d) quando os músculos são eletricamente estimulados é comum se observar falhas na contração, a qual é raramente detectada durante o exercício físico. Dessa forma, parece que é precoce afirmar que a acidose lática não está envolvida direta ou indiretamente com a fadiga muscular durante o exercício intenso.

3.3 Retrospectiva histórica do débito de O2, do déficit de O2 e do déficit