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O LADO DE FORA, A NOITE

No documento Corpoemaprocesso/teatrodesessência (páginas 133-135)

l’étoffe III notas

8. O LADO DE FORA, A NOITE

“A OBRA atrai aquele que se consagra para o ponto onde ela é a prova da impossibilidade. Experiência que é propriamente noturna, que é aquela própria da noite. Na noite, tudo desapareceu. É a primeira noite. Aí se avizinham a ausência, o silêncio, o repouso, a noite.(...) Aí se realiza e se cumpre a palavra na profundidade silenciosa que a garante como o seu sentido. Mas quando tudo desapareceu na noite, ‘tudo desapareceu’ aparece. É a outra noite. A noite é o aparecimento de ‘tudo desapareceu’. A primeira noite é acolhedora (...) Mas a outra noite não acolhe, não se abre. Nela, se está sempre do lado de fora (...) Essa noite nunca é a noite pura. É essencialmente impura (...) Mas é a verdadeira noite, é noite sem verdade, a qual, entretanto, não mente, não é falsa não é a confusão onde o sentido se desorienta, que não engana mas da qual não se pode corrigir os enganos. Na noite, encontra-se a morte, atinge-se o esquecimento. Mas essa outra noite é a morte que não se encontra, é o esquecimento que se esquece, que é, no seio do esquecimento, a lembrança sem repouso.” BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, op. cit., pp. 163-164. 9. “Recurso ao ‘diário’. Talvez seja impressionante que, a partir do momento em que a obra se converte em busca da arte, se converte em literatura, o escritor sente cada vez mais a necessidade de manter uma relação consigo. É que ele experimenta uma repugnância extrema a renunciar a si mesmo em proveito dessa potência neutra, sem forma e sem destino, que está por trás de tudo o que se escreve, repugnância e apreensão que se revelam na

preocupação, característica de tantos autores, de redigir o que eles chamam o seu Diário. Isso está muito distanciado das chamadas complacências românticas. O Diário não é essencialmente confissão, relato na primeira pessoa. É um Memorial. De que é que o escritor deve recordar-se? De si mesmo, daquele que ele é quando não escreve, quando vive sua vida cotidiana, quando é um ser vivente e verdadeiro, não agonizante e sem verdade. Mas o meio de que se serve para recordar-se a si mesmo é, fato estranho, o próprio elemento do esquecimento: escrever. Daí que, entretanto, a verdade do Diário não esteja nas observações e comentários interessantes, de recorte literário, mas nos detalhes insignificantes que se prendem à realidade cotidiana. O diário representa a seqüência dos pontos de referência que um escritor estabelece e fixa para reconhecer-se, quando pressente a metamorfose perigosa a que está exposto. É um caminho ainda viável, uma espécie de caminho de ronda que ladeia, vigia e, por vezes, duplica o outro caminho, aquele onde errar é a tarefa sem fim. Aqui, fala-se ainda de coisas verdadeiras. Aqui, quem fala conserva um nome e fala em seu nome e a data que se inscreve é a de um tempo comum em que o que acontece acontece verdadeiramente. O Diário – esse livro na aparência inteiramente solitário – é escrito com freqüência por medo e angústia da solidão que atinge o escritor por intermédio da obra. O recurso ao Diário indica que aquele que escreve não quer romper com a felicidade, a conveniência de dias que sejam verdadeiramente dias e que se sigam de modo verdadeiro. O Diário enraíza o movimento de escrever no tempo, na humildade do cotidiano datado e preservado por sua data. Talvez o que é escrito já não seja mais do que insinceridades, talvez seja dito sem preocupação do verdadeiro, mas é dito com a salvaguarda do evento, pertence aos negócios, aos incidentes, ao comércio do mundo, a um presente ativo, a uma duração talvez inteiramente nula e insignificante, mas ao menos sem retorno, trabalho daquilo que se ultrapassa e avança para amanhã – definitivamente.

O Diário assinala que aquele que escreve já deixou de ser capaz de pertencer ao tempo pela firmeza ordinária da ação, pela comunidade do trabalho, do ofício, pela simplicidade da fala íntima, a força da irreflexão. Já deixou de ser realmente histórico mas tampouco quer perder tempo e, como não sabe mais o que escrever, escreve pelo menos a pedido de sua história cotidiana e de

acordo com a preocupação dos dias. Acontece que os escritores que mantêm um diário são os mais literários de todos os escritores mas talvez, precisamente, porque eles evitam o extremo da literatura, se esta é, de fato, o reino fascinante da ausência de tempo.” BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, op. cit., pp. 19-20.

10. [EXPERIÊNCIA – na fenomenologia de Merleau-Ponty, como é mesmo que ela se dá? – ver o poema avoluma.doc – reunir todas as circunstâncias em que o discurso lançou esta palavra. Catar as relações. Perseguir o erro em errância].

Localizei “.doc”. Em todas as ocorrências da palavra experiência encontrei dissonâncias ressonantes.

Ctrl c + Ctrl v. o jogo da experiência no glossÁRIA.

Parece ser isto:

Há um movimento oscilante fundamental a identificar na passagem da percepção da experiência do ser fenomênico, imerso na facticidade do mundo, para o sujeitobjeto imerso no vazio ativo que encerra o fim da experiência no interior dela mesma, sendo ela a única autoridade e, portanto, o drama que eu vivo.

“Faz já algum tempo, a única filosofia viva, da escola alemã, apresentou uma tendência a fazer do conhecimento último a continuação da experiência interior. Mas esta fenomenologia dá ao conhecimento o valor de um fim o qual alcançamos pela experiência. É uma combinação claudicante: a parte relativa à experiência é aí, ao mesmo tempo, demasiada e não bastante grande. Aqueles que lhe consagram este lugar devem sentir que ela transborda, por um imenso possível, o uso ao qual eles se limitam. O que preserva aparentemente a filosofia é o pouco de acuidade das experiências de onde partem os fenomenólogos.” BATAILLE, G. A experiência interior, op. cit., pp.15-16.

No documento Corpoemaprocesso/teatrodesessência (páginas 133-135)