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LAMARCA NOS NOTICIÁRIOS DIÁRIOS

4 O EX-CAPITÃO E GUERRILHEIRO CARLOS LAMARCA NA

4.1 LAMARCA NOS NOTICIÁRIOS DIÁRIOS

“LAMARCA TERIA IDO AO URUGUAI”, assim é a chamada do Jornal O Estado de São Paulo, do dia 12 de setembro de 1970.

“Montivideu, 11- A presença em Montivideu de agentes da polícia política brasileira estaria relacionada com a busca ao ex-capitão Carlos Lamarca, que teria entrado no Uruguai. O Ex-capitão Carlos Lamarca, lugar tenente do líder comunista brasileiro Carlos Marighela afirma-se de boa fonte, em Montivideu, teria entrado no Uruguai depois de submeter-se a uma intervenção cirúrgica para alterar suas feições”. 238 (grifo nosso)

O jornal traz Lamarca como ex-capitão, não o designando como terrorista, mas dá ênfase a sua importância na luta armada ao colocá-lo como possível sucessor do líder da ALN Carlos Marighela, morto em uma emboscada pela equipe do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, em 04 de novembro de 1969. A chamada do jornal fala de uma possível ida de Lamarca ao Uruguai. O título funciona como um chamariz para o leitor, no entanto, no corpo do texto, percebe-se o âmago da notícia, que estaria ligada a uma missão dos policiais para libertação do ministro

238

conselheiro Aloysio Dias Gomide, seqüestrado pelo grupo guerrilheiro Tupamaros, havia 43 dias.

A noticia saiu truncada, tendo uma chamada com o nome de Lamarca, mas no corpo do texto refere-se ao seqüestro de Gomide e de um agrônomo norte- americano de nome Claude Fly, terminando com um episodio que não tem nenhuma ligação com Lamarca. 239

A partir de maio de 1969, quando Lamarca começa a participar de algumas poucas ações armadas à frente da VPR, seu nome figura cada vez mais no noticiário diário da grande mídia. ESTA PRISÃO LEVARÁ A LAMARCA? Com esta pergunta o Jornal da Tarde de 01 de setembro de 1970, abre a primeira página. Uma enfermeira que teria participado como auxiliar numa cirurgia de Lamarca em Manaus foi presa, e o fato foi explorado pela mídia nacional. “Coreli, a enfermeira carioca que auxiliou o medico Almir Dutton Ferreira a mudar o rosto do ex-capitão Carlos Lamarca, foi presa ontem em Manaus, quando pretendia viajar para o exterior”. 240

O jornal que começa com a chamada sobre Lamarca, traz no corpo do texto assuntos ligados a crimes comuns, que nada tem a ver com a luta armada ou a perseguição a Lamarca, como uma amálgama, crimes políticos se misturam com crimes comuns.

“Em São Paulo, um carro pagador do SESI foi assaltado; em São Bernardo do Campo quatro ladrões levaram cerca de 78 mil cruzeiros do carro pagador do banco Francês e Brasileiro. Os assaltos ocorreram na manhã de ontem, e quem os praticou foram ladrões comuns.” 241 (grifo nosso)

A especulação sobre a ida de Lamarca para o exterior prossegue, e no jornal Folha de São Paulo, temos: “LAMARCA IRIA FUGIR DO PAÍS”.

239

“O ministro da Educação e Cultura do Uruguai, Carlos Mário Fleitas, foi insultado e ameaçado de agressão por normalistas, ao visitar ontem a Escola Bolívia”

240

Almir Dutton Ferreira foi o médico que fez a cirurgia plástica no rosto de Lamarca e havia sido preso na Guanabara. Em julho de 1970 ele estava entre os quarenta presos políticos trocados pelo embaixador Von Holleben, da Alemanha, que foram exilados na Argélia.

241

“A enfermeira Corelli, que foi presa pela Polícia Federal ao desembarcar em Manaus, teria ido à capital amazonense encontrar-se com seu companheiro, o ex-capitão Carlos Lamarca, pois planejavam fugir do País. O terrorista soube da prisão e desapareceu”. 242 (grifos nosso)

Podemos notar que o jornal não tem uma forma única de se referir a Lamarca, ora o trata pelo seu antigo posto no Exército, ora trata-o com o estereótipo de “terrorista”. O texto prossegue com outras notícias que não tem nenhuma conexão com Lamarca. Outro detalhe é que na literatura consultada, nem nas demais fontes constam registros de que Lamarca teria estado na região norte do país.

Após sua fuga do quartel em Quitaúna, Lamarca, apesar da forte censura que assolava aquele período, ganha as páginas dos principais jornais do país. “O TERROR, EM UM ANO DE AÇÃO, TEVE MUITAS BRIGAS E SEPARAÇÕES”; “OS OUTROS, TODOS PRESOS FALTA LAMARCA”; “LAMARCA, COM TRÊS FUZIS E QUASE SÓ. PARA QUANDO VOÇÊ PREVÊ O SEU FIM?”.243 Desta forma o jornal envolve o leitor e o faz partícipe sobre a solução para a luta armada, como um expectador ativo, que tem o “direito” de opinar sobre o desfecho da trajetória de Carlos Lamarca, considerado o inimigo número um do regime militar.

Numa longa reportagem, o Folha de São Paulo traz uma retrospectiva da trajetória de Carlos Lamarca, após sua fuga do 4º Regimento de Infantaria. A reportagem começa com uma afirmação: “O Ex-sargento José Cícero Nóbrega levou Lamarca

ao terrorismo”. Esta frase lida rapidamente, não passaria nada de mais para o leitor,

no entanto ela traz um sentido muito amplo quando pensamos sob a ótica da ética militar. Na estrutura hierárquica do Exército, o posto de capitão está inserido na classificação de oficial intermediário, ou seja, é o posto destinado ao exercício de comando de uma Companhia, de um Esquadrão e, em alguns casos, de um subcomandante de um batalhão do Exército. Desta forma, o posto de capitão é um dos mais importantes do Exército, onde se acredita que o oficial atingiu a maturidade para exercer ações de comando, tanto no campo operacional quanto na esfera administrativa. Afirmar que um ex-sargento tenha influenciado Lamarca, e

242

“Lamarca iria fugir do país”. Folha de São Paulo. 03 Set 1970.

243

“O terror teve muitas brigas e separações”.Jornal da Tarde, 26 Fev de 1970. Lembrando que Lamarca desertou em janeiro de 1969.

que o tenha “levado ao terrorismo”, significa dizer que ele não atingiu os objetivos esperados por um oficial de infantaria.

A verdade é que quando Lamarca deixou o quartel e incorporou-se de vez na VPR, ele já havia rompido com aqueles preceitos hierárquicos que permeiam o imaginário militar, pois foi subordinar-se a Onofre Pinto, um ex-sargento do Exército e fundador da VPR.

No corpo do texto desta reportagem há uma referência à fragmentação do grupo liderado por Lamarca.

“Lamarca começou na ‘Vanguarda Popular Revolucionária’ e depois passou para a ‘Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares’. Em junho do ano passado, formou um novo grupo terrorista: o “RACHA”. E agora?” [...] “Lamarca ficou sendo o dirigente da nova organização – segundo a polícia, não por capacidade, mas, porque tinha os fuzis roubados e dinheiro de assaltos a banco”. (grifo do jornal) 244

Os jornais às vezes exaltam as qualificações militares de Lamarca, reconhecendo-o como “principal terrorista do país”, ou ainda, como “o único capaz de reunificar as organizações de esquerda”, no entanto, paradoxalmente, também publicam notas desqualificando-o dentro das organizações de esquerda. É bem verdade que a censura não conseguia abranger toda a extensão da imprensa escrita, o que pode explicar este comportamento.

Segundo os órgãos de segurança, Lamarca não era qualificado para deter o controle de um grupo e manter sua coesão. Sua liderança é atribuída ao controle que teria por possuir dinheiro e armas. Suas qualificações de oficial do Exército, experiente militar campeão de tiro e ex-componente de uma missão pela ONU, na Faixa de Gaza, por mais de um ano, são ignoradas na tentativa de desconstruir o emergente mito do “capitão guerrilheiro”.

244

“AS DIVISÕES DO TERRORISMO”, assim o jornal da Tarde destaca as fragmentações que as organizações de esquerda enfrentam depois do endurecimento do regime após o AI5.

“No exame dos documentos escritos por Lamarca – diz a nota dos órgãos de segurança – nota-se que continua dominado pela idéia de se mostrar poderoso e Juiz de seus companheiros quer no Brasil, quer no exterior, chegando até a determinar que seja criada no Chile, a comissão de apuração de responsabilidades, a fim de funcionar como tribunal e para analisar o procedimento dos militantes na cadeia.” (grifo do jornal) 245

O jornal traz fragmentos de uma possível carta de Lamarca, que fora de um contexto deixa margens de dúvidas sobre qual a mensagem que Lamarca queria passar, vejamos alguns desses fragmentos tal qual aparecem na suposta carta.

“Em agosto 7 companheiros da VPR apresentam um pedido de desligamento que não foi aceito para que antes fossem discutidas as questões que colocassem. [...] A organização não aceita também a fanfarronada que se faz no exterior sobre a revolução brasileira com deturpações grosseira que prejudicam as visões mirabolantes dos “guerrilheiros brasileiros” (ou seja, os desbundados) que cantam nos oito ventos suas façanhas”. 246

A carta apresenta no seu item 4, as decisões de Lamarca no comando da VPR.

“Fica designado responsável pela VPR no Chile o companheiro Ubiratan Souza (Gregório). Os militantes da VPR considerados prontos para o treinamento devem partir com urgência para Cuba – devendo-se submeterem ao centralismo da coordenação que já existe lá. Criar uma Comissão de Apuração de responsabilidades para analisar o procedimento na cadeia (dos que permanecem no Chile), os que foram para Cuba entrarão na Comissão de Lá. Criar canais de comunicação com Brasil, Cuba e Argélia. Ousar Lutar, Ousar Vencer. Cmdo VPR. 01 Fev 71”. 247

As desavenças de Lamarca com um membro da VPR, de codinome Otávio, também é explorada pelo Jornal na suposta carta.

“[...] ainda sobre Quem é Quem. Primeiramente o camarada Otávio deve passar a se referir a mim pelo nome de guerra, adaptando-se então às normas da Organização e quando o camarada assim o fizer, estará subentendido para a Organização que se trata do meu nome burguês. [...] Sei perfeitamente do que circula sobre mim nas diversas camadas, mas claro, isto está ligado a uma pergunta que fiz ao camarada, para saber

245

“As divisões do terrorismo”. Jornal da Tarde, SP, 29 Set 1971.

246

Ibid.

247

onde teve sua prática política. Para o camarada, é claro a minha origem, mas não é para mim a do camarada, ainda não é. [...]”. 248

Em outro trecho temos, “Sobre as sutilezas da política burguesa, os artifícios associativos utilizados pelo camarada Otávio, estão claros nos seus documentos, se o camarada “nem percebe” é problema de QI”.