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3 AS NEGOCIAÇÕES DO ACORDO DE ASSOCIAÇÃO INTER-REGIONAL

3.2 O LANÇAMENTO: I CIMEIRA DOS CHEFES DE ESTADO DA UNIÃO

A celebração da Cúpula União Europeia, América Latina e Caribe (ALC-UE) surgiu de proposta formulada pelo Presidente espanhol, José María Aznar, ao fim da VI Cúpula Iberoamericana, celebrada em Viña del Mar, Chile, em novembro de 1996. Em março do ano seguinte, o Presidente francês, Jacques Chirac, propôs uma reunião entre os Presidentes dos países do Mercosul e da UE. A proposição franco-espanhola foi aceita na VII Reunião do Grupo

92 BID. Informe Mercosul, Buenos Aires v. 2, n. 3, jan./jun. 1998. p. 51. Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/2604?locale-attribute=pt>. Acesso em: 1 out. 2015.

93 BID. Informe Mercosul, Buenos Aires v. 3, n. 4, jan./jun. 1998. p. 50 Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/2606?locale-attribute=pt>. Acesso em: 1 out. 2015.

94 O CAG é composto pelos ministros de assuntos europeus de todos os Estados-Membros da UE, sendo que sua função principal é coordenar a preparação das reuniões do Conselho Europeu.

95 Importante observar que a Rodada Doha, lançada na IV Reunião Ministerial da OMC, realizada em novembro de 2001, no Catar, ainda não foi concluída.

96 BID. Informe Mercosul, Buenos Aires v. 4, n. 5, jan./jun. 1999. p. 35-36 Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/2608?locale-attribute=pt>. Acesso em: 1 out. 2015.

do Rio-União Europeia, realizada na Holanda. Ficou decidido que a cúpula seria realizada na América Latina, mas ainda faltava definir o local e data. Na Reunião Ministerial do Grupo do Rio, em maio de 1997, em Assunção, o Brasil formulou pedido para que o Rio de Janeiro fosse a sede do encontro e que este fosse realizado em 1999, período em que o México estaria ocupando a Secretaria Pro Tempore da entidade. Com a aceitação do México, confirmou-se o pedido brasileiro, de forma que este seria realizado em 1999, no Rio de Janeiro, e a presidência latino-americana do evento seria compartilhada entre o Brasil e o México97.

O início das negociações para o acordo de associação Mercosul-UE já possuía data e local para ser celebrado. No entanto, no âmbito da UE, havia resistências ao seu lançamento. Havia consenso entre os europeus sobre a relevância estratégica das relações comerciais com o Mercosul, mas entre os membros da UE também havia dissensos, o que se refletia na dificuldade do Conselho Europeu aprovar um mandato de negociação. Este já havia sido solicitado em 1998, mas as divergências manifestadas no âmbito do CAG impediram que fosse alcançada uma rápida decisão sobre o assunto. A França e a Irlanda estavam imensamente comprometidas com o programa de subvenções agrícolas europeu, de forma que passaram a hostilizar a inclusão do setor agrícola nas negociações. O Reino Unido, por sua vez, pretendia que as negociações com o Mercosul fossem vinculadas às negociações da OMC. Isso foi suficiente para ocasionar a cisão do Conselho Europeu em dois grupos. Um, liderado por França, Irlanda e Reino Unido, opunha-se à formação de uma ZLC com o Mercosul, propondo, em seu lugar, que fossem realizadas mais conversações para que se pudesse proceder a uma liberalização mais lenta. Do outro lado, alguns países, polarizados em torno da Alemanha, que naquele momento exercia a presidência do Conselho, e da Espanha, posicionaram-se a favor do início imediato das negociações para o estabelecimento de uma ZLC com o Mercosul98.

Nos dias 30 e 31 de maio de 1999, poucos dias antes da Reunião de Chefes de Estado e Governo da União, que seria realizada em Colônia, na Alemanha, nos dias 3 e 4 de junho, houve uma reunião entre os representantes dos Estados, na qual se tentou alcançar uma posição comum sobre as negociações com o Mercosul. Não obstante, nada foi obtido. Dessa forma, na Reunião de Colônia, apesar dos esforços, o Mercosul nem chegou a ser mencionado na Declaração Presidencial. No fim daquele mês, seria realizada a I ALC-UE e a UE corria extremo

97 LUQUINI, Roberto de Almeida. La asociación interregional entre el Mercosur y la Unión Europea: balance y perspectivas. 2003. 535 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universitat de València, Valencia, 2003. p. 213. Disponível em: <http://www.tesisenred.net/bitstream/handle/10803/9687/almeida.pdf?sequence=1>. Acesso em: 4 out. 2015.

98 BID. Informe Mercosul: Apêndice, Buenos Aires v. 5, n. 6, 1999-2000. p. 2. Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/2609>. Acesso em: 4 out. 2015.

risco de nela chegar com as mãos vazias. Diante de seu iminente fracasso em apresentar uma posição política consolidada aos membros do Mercosul acerca do lançamento das negociações, foi convocada pelo Conselho, em 21 de junho, uma reunião extraordinária, na qual os países finalmente chegaram a uma posição comum, mas sem a ambição esperada. Foi autorizado o início imediato das negociações em matéria não tarifária com o Mercosul e o Chile99, postergando-se o início das negociações sobre questões tarifárias, que só poderiam ser estabelecidas após julho de 2001100.

A Cimeira do Rio de Janeiro, I ALC-UE, esteve polarizada acerca dos objetivos de fortalecer a cooperação política, intensificar e expandir o comércio regional e desenvolver as bases para uma cooperação cultural, educacional e que favorecesse o desenvolvimento humano entre as regiões. Nela foram aprovados três documentos: Declaração do Rio de Janeiro; Plano de Ação Conjunta; Declaração Conjunto da Reunião de Chefes de Estado e Governo do Mercosul, Chile e UE101. Desses três documentos, o de maior importância para o âmbito deste trabalho é o último, de forma que sua abordagem será prioritária em relação aos demais.

O documento que conclama as partes a darem início ao processo de negociação da Associação Inter-Regional foi a Declaração Conjunta da Reunião de Chefes de Estado e Governo do Mercosul, Chile e UE, firmada na Cimeira no Rio de Janeiro. Deve-se ressaltar a Declaração não menciona a criação de uma ZLC entre os dois blocos, contentando-se a afirmar que os países se comprometem a “intensificar as suas relações para fomentar o incremento e a diversificação das suas trocas comerciais, através da liberalização recíproca das trocas e criar condições que favoreçam o estabelecimento de uma Associação Inter-Regional”. Embora o termo não houvesse sido citado, o que se pretendia de fato era o estabelecimento de uma área de livre comércio. Quanto às razões de sua omissão podem ser desenvolvidas algumas hipóteses. Em primeiro lugar, a França já havia firmado sua posição contrária ao acordo com o Mercosul na Cúpula da UE, realizada na Alemanha poucos dias antes da Cimeira do Rio de Janeiro, de forma que sua pressão pela contenção da amplitude do acordo era natural. Em segundo lugar, não mencionar que o acordo se propugnava à criação de uma zona de livre comércio possuía importantes implicações práticas. Caso tivesse sido feita alusão a ele, os

99 Naquele momento, a UE realizava conversações para o estabelecimento de uma associação inter-regional com o Mercosul e de outra com o Chile.

100 BID. Informe Mercosul: Apêndice, Buenos Aires v. 5, n. 6, 1999-2000. p. 2. Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/2609>. Acesso em: 4 out. 2015.

101 LUQUINI, Roberto de Almeida. La asociación interregional entre el Mercosur y la Unión Europea: balance y perspectivas. 2003. 535 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universitat de València, Valencia, 2003. pp. 214, 216. Disponível em: <http://www.tesisenred.net/bitstream/handle/10803/9687/almeida.pdf?sequence=1>. Acesso em: 4 out. 2015.

países teriam que cumprir para com os requisitos da OMC102 aplicáveis a uma ZLC, de forma que os países estariam obrigados a promover uma liberalização ampla do comércio inter-regional103. De fato, conforme relatório produzido pela delegação da Assembleia Nacional francesa na UE sobre as relações entre esta e o Mercosul, a França pressionou para que o acordo a ser desenvolvido não fosse considerado formalmente um acordo de livre comércio, pois sabia que, segundo as regras da OMC, um acordo dessa qualidade deveria cumprir com duas condições. A primeira era a previsão de um programa para o estabelecimento de uma área de livre comércio em um prazo não superior a dez anos, o qual só poderia ser prorrogado em condições excepcionais. A segunda era que o acordo deveria cobrir “parte substancial do comércio” entre os blocos. Esta expressão, dotada de considerável imprecisão, era interpretada pela UE no sentido de que o acordo deveria cobrir 90% do fluxo comercial regional104. Em terceiro lugar, deve-se ressaltar que o uso do termo Associação Inter-Regional ao invés de área de livre comércio não era trivial. Ele já havia sido anteriormente firmado no Acordo de Madrid e reiterado repetidas vezes nas comunicações, declarações e trabalhos produzidos pelas partes. Na Declaração Conjunta, também não foi feita referência a uma data para o início das negociações nem a um cronograma a ser seguido. A função de organizar a dinâmica das negociações acabou por ser transferida para o Conselho de Cooperação Mercosul-UE, que se reuniria em novembro daquele ano105.

Na I ALC-EU, apesar da vagueza da Declaração Conjunta, ambos os lados decidiram dar início às negociações para a liberalização do comércio bilateral. Mesmo sem data de início definida ou menção expressa à constituição de uma ZLC, a autorização para o começo das negociações se revestia de grande importância, pois permitia aos países passarem para a segunda fase das negociações e dava como encerrada aquela primeira fase preparatória (trabalhos de fotografia). Além disso, deve-se mencionar, como observa Andrea Ribeiro Hoffmann, que a ZLC entre o Mercosul e a UE, que tomaria corpo através da Associação

102 Conforme o art. XXIV, §8, “b”, do GATT, “entende se por zona de livre troca um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais os direitos aduaneiros e outras regulamentações restritivas das trocas comerciais [...] são eliminados para a maioria das trocas comerciais relativas aos produtos originários dos territórios constitutivos da zona de livre troca.”. ACORDO GERAL sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT 1947). Genebra, 30 out. 1947. Disponível em: <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/gatt47_01_e.htm>. Acesso em: 4 out. 2015.

103 BID. Informe Mercosul, Buenos Aires v. 4, n. 5, jan./jun. 1999. p. 35-36. Disponível em: < https://publications.iadb.org/handle/11319/2608?locale-attribute=pt>. Acesso em: 1 out. 2015.

104 DÉLÉGATION DE L'ASSEMBLÉE NATIONALE POUR L'UNION EUROPÉENNE. Rapport d’informatio sur les relations entre l’Union européenne et le Mercosur. Assemblée Nationale, Paris, n. 2269, 22 mar. 2000. Disponível em <http://www.assemblee-nationale.fr/europe/rap-info/i2269.pdf>. Acesso em: 4 out. 2015.

105 BID. Informe Mercosul, Buenos Aires v. 4, n. 5, jan./jun. 1999. p. 36. Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/2608?locale-attribute=pt>. Acesso em: 1 out. 2015.

Regional, tinha a peculiaridade combinar a liberalização comercial com mecanismos de cooperação política e de fomento ao desenvolvimento106. Isto a diferia sensivelmente do padrão então predominante de se celebrarem acordos restritos somente ao âmbito de liberalização comercial ou à esfera de cooperação. Estevadeordal, Devlin e Krivonos, apontam que, enquanto os países ocidentais optavam predominantemente por acordos comerciais, os países asiáticos congregados no âmbito da APEC107 valorizavam mais a cooperação. A Associação Inter-Regional entre o Mercosul e a UE surgiu como uma quebra do padrão predominantemente comercialista ou cooperativista até então vigente. A Associação possuiria uma estrutura que buscava conciliar os interesses comerciais das partes com as esferas de cooperação e diálogo político. Nas palavras dos autores, “a forma de aproximação Mercosul-UE se apresenta como uma prática potencialmente melhor que oferece lições para a parceria desigual entre o hemisfério ocidental e a APEC” (tradução nossa)108.

3.3 O PROCESSO: AS RODADAS DE NEGOCIAÇÃO