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As campanhas realizadas entre os anos de 2004 e 200758 contaram com três

momentos, totalizando 13 m² escavados – destes, 6m² foram contíguos, sendo denominada esta área como escavação principal. Estas intervenções foram efetuadas em cinco áreas do abrigo, com a realização de escavação por níveis naturais em pacote sedimentar pouco espesso, não ultrapassando, na escavação principal os 30cm – a exceção de área escavada mais ao Norte do sítio (SOLARI et al., 2012).

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A partir das escavações identificaram-se na estratigrafia três níveis com presença de material arqueológico: Nível Zero e Nível 01, correspondentes ao Horizonte Recente de onde provieram as datações 680 ± 50 BP e 1220 ± 40 BP, e Nível 02, correspondente ao Horizonte Antigo, de onde provieram as datações de 10.560 ±40 BP e 10.380 ±60 BP.

Vestígios arqueológicos de naturezas diversas foram observados nestes níveis com a evidência de material lítico, sepultamentos secundários, estruturas de combustão e estruturas com depósitos de vegetais. Desta forma, o S.A. Lapa do Caboclo, não só se colocou em uma posição singular junto ao conjunto de sítios arqueológicos observados na região de Diamantina – pelas diferenças na implantação na paisagem e morfologia - como se tornou assaz significativo por oferecer possibilidades interpretativas profícuas a partir do espólio arqueológico revelado (ISNARDIS, 2009).

Figura 5.5 – S.A. Lapa do Caboclo: croqui de planta baixa: unidades de escavação.

Foto 5.10–S.A. Lapa do Caboclo: escavações

Foto 5.11–S.A. Lapa do Caboclo: escavações

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5.2.1 – As estruturas de combustão

As estruturas de combustão apontadas no S.A. Lapa do Caboclo contaram com dois registros no Horizonte Antigo (Nível 02) e cinco registros no Horizonte Recente (Nível 01) e apresentaram as seguintes datações apresentadas no Quadro a seguir.

Quadro 5.2 – S.A. Lapa do Caboclo: Quadro das datações radiocarbônicas

Sítio Conventional Radiocarbon Age Nº Beta

Analytc

Horizonte

S.A. Lapa do Caboclo 680 +/-50 BP 199504

Recente

S.A. Lapa do Caboclo 1.220 +/- 40 BP 199503

S.A. Lapa do Caboclo 10.380+/- 60 BP 233764

Antigo

S.A. Lapa do Caboclo 10.560 +/- 40 BP 199502

Fonte: Isnardis 2009

Semelhantes à estrutura de combustão já descrita no S.A. Lapa do Peixe Gordo, as estruturas do S.A. Lapa do Caboclo são também registradas sem blocos associados, claramente reconhecíveis, apresentando diâmetros que não ultrapassam os 50cm e fossas com profundidade estreita, com carvões não muito abundantes de dimensões reduzidas. Para este sítio, entretanto, registraram-se concentrações de material lítico nas bordas das estruturas de combustão correspondentes ao Horizonte Antigo (Nível 02). Este material lítico se traduziu, sobretudo, por lascas de retoque sugerindo que as estruturas poderiam ter servido como lixeira ou locais para onde os refugos de lascamento foram varridos - ao considerarmos que em outros pontos, afastados das estruturas de combustão, a densidade do refugo apresentou-se muito baixa. A parte esta peculiaridade, Isnardis (2009) interpreta essa estrutura de combustão provavelmente destinada a acampamento de curta duração – entretanto, definitivamente, não descarta outras possibilidades (ISNARDIS, 2009).

5.2.2 – Os Sepultamentos

Reconheceram-se claramente quatro estruturas escavadas no sítio Lapa do Caboclo como sepultamentos em sentido arqueológico (Solari et al., 2012:118), todas inseridas no Horizonte Recente (Nível 01).

Conforme pesquisas realizadas e apresentadas em Solari et al. (2012), nas quatro estruturas funerárias escavadas, duas correspondem a indivíduos completos, um adulto masculino e uma criança, e, as duas outras estruturas incluem ossos de quatro outros indivíduos, todos infantis (ISNARDIS, 2013).

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Os sepultamentos I e II correspondem a enterramentos secundários intactos e, os sepultamentos III e IV corresponderam a enterramentos humanos com intensas perturbações pós-deposicionais, que de acordo com as características e número de indivíduos, considera-se a mistura de enterramentos primários e secundários59 (SOLARI et al., 2012)

.

Solari et al. (2012) ressaltam a notável conservação dos materiais, sendo possível evidenciar ainda elementos de práticas funerárias raramente perceptíveis em contextos arqueológicos. Vale notar que todos estavam próximos uns aos outros e com orientação semelhante.

O Sepultamento I constituiu-se por um esqueleto de criança, cujos ossos – pigmentados fortemente na coloração vermelha e dispostos em posição não anatômica - estavam inseridos em um “estojo60” cilíndrico formado por cascas de árvore, cujas aberturas,

nas extremidades Norte e Sul, apresentaram-se cobertas respectivamente por couro e palha. No interior desta estrutura apontaram-se penugens dispersas e duas costelas coletadas apresentaram estigmas que indicaram, possivelmente, um trabalho de limpeza realizado com instrumentos de corte/raspagem (ISNARDIS, 2009; ISNARDIS, 2013).

Figura 5.6– S.A. Lapa do Caboclo: Sepultamento I

Fonte: Isnardis (2009)

59 Talvez motivada pelo uso recorrente do espaço funerário ao longo do tempo (SOLARI et al., 2012)

60 Utilizaram-se dois tipos de árvores na formação dos “estojos” presentes nos Sepultamentos I, II, III e IV, sendo somente uma identificada até o presente momento, a saber, Kielmeyera coriacea Mart. & Zucc., árvore do cerrado, popularmente reconhecida como Pau-Santo (ISNARDIS, 2013). Um interessante trabalho etnobotânico sobre o Pau-Santo pode ser visto em Gomides et al., 2016.

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O Sepultamento II apresentou semelhanças na organização e esquema geral observados no Sepultamento I, como os ossos depositados em um estojo de casca de árvore e em posição não anatômica, não obstante, notaram-se distinções. O fragmento de couro registrado juntamente a este sepultamento não cumpria a função de cobrir uma das aberturas, estando disposto sob o cilindro, em sua extremidade Norte. Nesta mesma extremidade foi apontado um bloco em quartzito que, parcialmente inserido, fechava sua abertura. Penas de aves foram encontradas adornando e sobrepostas aos ossos, os quais receberam cobertura de resina (ISNARDIS, 2009; ISNARDIS, 2013).

Figura 5.7– S.A. Lapa do Caboclo: Sepultamento II

onte: Isnardis (2009)

Os Sepultamentos III e IV estão representados por estruturas significativamente degradadas, entretanto, parecem conter os mesmos elementos básicos observados nos Sepultamentos I e II, estando os ossos – cobertos por pigmentos vermelhos - dispostos em “estojos” de cascas de árvore e em posição não anatômica. Bioturbações intensas por cupins acarretaram imensa degradação na casca de árvore correspondente ao Sepultamento III e, em menor intensidade, na casca de árvore correspondente ao Sepultamento IV – o qual mostra destaque pela quantidade de material vegetal observado meio aos ossos, onde se incluem fragmentos de palha, pequenas espigas de milho, coquinhos, casca de jatobá e outras espécies (ISNARDIS, 2009).

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Foto 5.12 – S.A. Lapa do Caboclo: Sepultamentos III e IV.

Fonte: Isnardis (2009)

Isnardis (2013) divide conosco os dados preliminares das análises de isótopos efetuadas nos ossos de cada um dos quatro sepultamentos, pelo pesquisador Tiago Hermenegildo61. Estas análises evidenciaram em três sepultamentos aspectos que

indicaram rica alimentação em carne e plantas com metabolismo C4 (gramíneas e milho62),

e, em outro sepultamento – de uma criança – indicou dieta com baixa expressividade de carnes, sem plantas.

5.2.3 – Depósitos de material vegetal e demais vestígios

Inseridas no pacote sedimentar atribuído ao Horizonte Recente (Nível 01), registraram-se cinco (05) estruturas, semelhantes aos chamados “silos” 63, as quais

apresentaram dimensões de diâmetro entre 50-60cm e espessura geralmente inferior aos 5cm - sendo constatada somente em um dos registros a espessura próxima aos 10cm (ISNARDIS, 2009). Estas estruturas correspondem a depósitos de materiais vegetais (frutos, sementes, palhas, folhas, pecíolos, raízes) dispostos diretamente em uma fossa, ou sobre um trançado pouco elaborado de palha, sendo assentados sobre estas estruturas brasas e cinzas64 (ISNARDIS, 2013).

61 Pesquisador do Dorothy Garrod Laboratory for Isotopic Analysis (ISNARDIS, 2013).

62 Esta possibilidade se conecta ao fato de que em ao menos 03 das 05 estruturas vegetais foram reconhecidas espigas de milho e demais estruturas deste vegetal (ISNARDIS, 2013).

63Estruturas já encontrados para ocupações do mesmo período em outras regiões do Norte de Minas Gerais (PROUS, BRITO & LIMA, 1994a e BUENO, 2008 apud ISNARDIS 2009).

64 De acordo com Isnardis (2013) situação semelhante pode ser encontrada nos silos registrados na região do Peruaçu (Minas Gerais), sendo considerado por Prous et al. (1994a) que as cinzas e brasas poderiam ter sido utilizadas com o objetivo de afastar roedores das estruturas.

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A análise65 do material vegetal

presente no sítio contou com diferentes amostras provenientes: i) de três estruturas de depósito, ii) da camada sedimentar intermediária em três áreas diversas do sítio, e, iii) de uma das estruturas funerárias. Nesta pesquisa foram identificadas espécies de milho (Zea mays, fragmentos de espigas, grãos e palha), canela-de-ema (espécies de Velosiáceas), coquinhos (de espécies ainda não confirmadas), jatobá(Hymenaeastilbocarpa), matéria

Foto 5.13 – S.A. Lapa do Caboclo: estrutura de depósito de material vegetal (Quadra R-

11) Fonte: Isnardis (2009)

lenhosa (provavelmente de espécies diferentes), e sementes ainda não identificadas (ISNARDIS, 2013).

A partir destes resultados, considerando a análise de isótopos e a identificação das espécies vegetais relacionada ao horizonte de ocupação, Isnardis (2009, 2013) aventa a discussão sobre a comumente associação do consumo de plantas domesticadas a horticultura e a produção cerâmica, uma vez que na região de Diamantina, os vestígios cerâmicos são parcos - tanto quantitativamente como em sítios que os apresentam.

Para além do material vegetal acima descrito, destaca-se que junto a algumas dessas estruturas registraram-se restos faunísticos em dimensões e frequência assaz reduzidas, sendo o registro de maior destaque, um fragmento de mandíbula de herbívoro (~5cm). Também em destaque encontram-se vestígios de fios de cabelo – aparentemente humanos - registrados como inseridos e dispersos no entorno de uma das estruturas de depósito vegetal. Este material foi encaminhado para análise no Departamento de genética da UFMG, todavia até o presente, as análises ainda não foram realizadas (ISNARDIS, 2009).

5.2.4 – A Indústria lítica

No Horizonte Antigo, a indústria lítica do S.A. Lapa do Caboclo se caracteriza pela ocorrência dominante de lascas de diversas variedades de quartzito, estando o quartzo

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representado de maneira secundária. Os instrumentos são registrados de maneira rara, entretanto, grande parte das lascas em quartzito aparentemente corresponde a lascas de façonagem e retoque de artefatos plano-convexos. As lascas sobre o quartzo apresentam características de lascas de retoque e, de maneira restrita, lascas de façonagem e lascas de adelgaçamento. Ainda sobre o quartzo, um fato assaz interessante é o registro de uma ponta de projétil neste horizonte. Assim, Isnardis (2013) considera a indústria lítica do Holoceno Superior neste sítio voltada à realização de etapas finais das cadeias operatórias de artefatos retocados em quartzito e de artefatos de quartzo.

No Horizonte Recente, a indústria lítica sobre o quartzo alcança, quantitativamente, superioridade à indústria sobre o quartzito. O quartzo registrou lascas de debitagem, façonagem, retoque e adelgaçamento, muitos cassons e artefatos retocados uni e bifacialmente, onde o lascamento bipolar é quase inexistente. Os artefatos nesta matéria- prima surgem em peças com gumes retos, curtos e semi-abruptos e retocados em bico, lascas com gumes semi-circulares e retocado de gume côncavo. Sobre o quartzito registram-se lascas de debitagem e lascas de retoque de plaquetas e somente quatro artefatos, sendo três deles sobre plaqueta retocada, e o outro, um plano convexo sobre plaqueta. Isnardis (2009) identifica na indústria recente, quatro cadeias operatórias: i) a produção de artefatos sobre lascas de quartzo, ii) a produção de artefatos muito delgados, bifaciais, de quartzo, iii) a dos artefatos sobre plaquetas muito delgadas em quartzito, e, iv) a dos artefatos sobre plaquetas mais espessas em quartzito (ISNARDIS, 2009).

5.2.5 – As matérias-primas líticas no sítio

Relacionado às matérias-primas presentes no sítio, no tempo atual, nota-se na porção direita da área abrigada – próxima ao local onde se inserem registros rupestres no teto do abrigo - o quartzito na coloração amarelada que apresenta certa homogeneidade, coesão e granulometria de fina a média, surgindo geralmente em blocos abatidos sobre a superfície. Todavia ao não apresentar alta aptidão ao talhe, considera-se que este quartzito, de oferta restrita na área do sítio, poderia ocasionalmente servir ao lascamento das indústrias presentes no sítio.

A matéria-prima quartzo hialino e translúcido surge no sítio em filões, meio ao quartzito nas paredes do abrigo, sendo o local considerado como uma possível fonte de aprovisionamento desta matéria-prima. Ressalta-se que, conforme citado anteriormente66,

foi preciso considerar que algumas destas possíveis fontes do quartzo hialino possivelmente

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sofreram intervenções da mineração recente e assim, a oferta desta matéria-prima atual é observada em quantidade restrita.

Fotos 5.14 e 5.15 – S.A. Lapa do Caboclo: quartzito local

Fotos 5.16 – S.A. Lapa do Caboclo: quartzo hialino e translúcido local

Fotos 5.17 – S.A. Lapa do Caboclo: quartzo leitoso local

Registramos ainda a presença e disponibilidade do quartzo leitoso, também na forma de filões, meio ao quartzito das paredes do abrigo, e, ainda, em blocos sobre a superfície, já destacados dos filões nas paredes do abrigo.

5.3 – Sítio Arqueológico Lapa da Chica

Localizado a aproximadamente 17km no sentido NW de Diamantina e litologicamente instalado nos quartzitos da Formação Galho do Miguel, o S.A. Lapa da Chica é classificado por Isnardis (2009) como um sítio de borda de campo, incluindo-se na Segunda Categoria de sítios, proposta pelo autor. Seu acesso pode ser inicialmente efetuado por rodovia e sequencialmente caminhando por um percurso de aproximadamente 2,5km, sendo que o último quilômetro corresponde a uma extensa área plana, sem obstáculos.

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Inserido em uma ampla área plana, no terço superior da vertente e ao pé do Morro do Moçorongo, configura-se como um sítio arqueológico em abrigo e exibe o mais extenso desenvolvimento linear dos abrigos da região de Diamantina (ISNARDIS, 2009). Compõe-se de uma área abrigada e defronte a esta, uma área externa onde se notam blocos e matacões desabados distribuídos em superfície.

Prancha 5.5 – S.A Lapa da Chica. A e B: implantação do sítio, C: percurso, D: área abrigada e

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