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5. DISCUSSÃO

5.3. Covariáveis presentes na regressão logística multivariada

5.3.5. Interferentes externos: via operatória e mitotano adjuvante

5.3.5.1. Laparoscopia versus cirurgia aberta

A laparoscopia é considerada a via cirúrgica preferencial para tratamento de aldosteronomas, feocromocitomas e metástases para as adrenais (93). Para o tratamento de carcinomas adrenais, entretanto, a

0 20 40 60 80 100 120 140 <15 anos ! 15 anos Desfecho = 1 Desfecho = 0 S = 90,0% E = 90,9% A = 90,5% E sc o re pr o g st ic o ( po n to s) S = 83,3% E = 96,4% A = 94,1% S = 91,2% E = 81,5% A = 86,9% 77 pontos

utilização da via laparoscópica ainda é tema controverso. Gonzalez e cols. (94) analisaram os pacientes com carcinoma adrenal tratados no M.D. Anderson Cancer Center e constataram que 5/6 pacientes tratados com laparoscopia desenvolveram carcinomatose peritoneal, o que foi significativamente mais frequente do que o observado com a cirurgia aberta (11/133 casos, P =0,0001). Estes achados foram confirmados por outros estudos (95, 96). Miller e cols. (95) observaram que a laparoscopia se associou a menor tempo para recorrência, maior chance de semeadura no peritônio de células neoplásicas e da presença margens cirúrgicas comprometidas. Leboulleux e cols. (96) demonstraram que o único fator de risco associado com a ocorrência de carcinomatose peritoneal foi a via laparoscópica, e que covariáveis como tamanho tumoral, estadiamento, padrão funcional, extensão da ressecção cirúrgica ou concentração sérica de mitotano não se associaram com a sua ocorrência. Por estes motivos, estes autores não recomendam a laparoscopia em situações onde há suspeita de carcinoma adrenal.

Posteriormente, o German Adrenocortical Carcinoma Registry Group publicou sua experiência com a laparoscopia para o tratamento do carcinoma adrenal (97). Trinta e cinco pacientes tratados por via laparoscópica foram comparados com 117 pacientes tratados com cirurgia aberta. Todos tumores tinham tamanho igual ou menor a 10 cm e pertenciam aos estádios I a III. Não se observou diferença significativa entre as vias cirúrgicas para a sobrevida doença-específica, frequência de ruptura

de cápsula e ocorrência de carcinomatose peritoneal. Os autores concluíram que a laparoscopia é uma via aceitável para carcinomas adrenais menores que 10 cm, com taxas de complicações oncológicas iguais às apresentadas pela cirurgia convencional. Um dos aspectos mencionados como possível causa da diferença entre os resultados dos estudos é o grau de aprimoramento técnico dos cirurgiões. Como conclusão, a via laparoscópica só seria aceitável no tratamento do carcinoma adrenal quando realizada em centros altamente especializados no procedimento, por cirurgiões que executem no mínimo seis laparoscopias por ano para este tipo de tumor.

Como seria impossível determinar se os implantes peritoneais apresentados pela paciente C-12 decorreram da adrenalectomia laparoscópica ou das características intrínsecas do tumor, ela não foi incluída no grupo utilizado na construção do nomograma.

5.3.5.2. Mitotano adjuvante

A taxa de ocorrência de metástases após a ressecção de carcinomas adrenais aparentemente localizados é elevada (3-6), o que indica que terapias adjuvantes são necessárias. A forma mais amplamente utilizada de tratamento adjuvante à cirurgia para o carcinoma adrenal é o mitotano (19- 21).

O mitotano, ou 1,1 dicloro-2(o-cloro-fenil)-2-(p-cloro-fenil) etano,

dicloro-difenil-tricloroetano (DDT). Trata-se de medicação antiga, em uso desde os anos 1960 (98), mas que ainda é a única droga específica aprovada para o tratamento de carcinoma adrenal. Exerce seus efeitos através de bloqueio enzimático, especificamente da enzima de clivagem da

cadeia lateral do colesterol (CYP11A1) e da 11β-hidroxilase (CYP11B1),

reduzindo a secreção hormonal pela adrenal normal e pelos tumores funcionantes. Também promove efeito citotóxico sobre o córtex adrenal, causando atrofia e fibrose, o que estaria ligado a alterações das funções mitocondriais das células adrenocorticais e produção de espécies reativas de oxigênio (99).

O principal estudo que avaliou os efeitos do mitotano adjuvante foi aquele publicado por Terzolo e cols. (19). Neste estudo binacional, ítalo- germânico, pacientes do grupo italiano que receberam mitotano adjuvante foram comparados com dois controles, um italiano e um alemão, nos quais não se administrou qualquer forma de quimio- ou radioprofilaxia. Observou- se maior tempo de sobrevida livre de recorrência nos pacientes que receberam mitotano (Md =42 meses), em comparação com os controles italiano (Md =10 meses, P <0,001) e alemão (Md =25 meses, P =0,005). O tratamento adjuvante com mitotano também influenciou favoravelmente a sobrevida global (Md =110 meses), que foi estatisticamente superior ao controle italiano (Md =52 meses, P =0,01). Apesar de não ser um estudo controlado, o uso do mitotano adjuvante pelos pacientes não era uma decisão caso-a-caso, e sim uma conduta de cada centro, o que, em teoria,

reduziu o risco de viés de seleção. O fato de o grupo controle alemão apresentar uma maior proporção de pacientes com doença localizada (estádios I e II) em comparação com o grupo que recebeu o mitotano (84% vs. 63,8%; P =0,02) reforça um possível efeito positivo da profilaxia. Recentemente, demonstrou-se aumento da sobrevida livre de recorrência nos pacientes que receberam mitotano adjuvante e mantiveram concentrações do quimioterápico acima de 14 mg/L (20).

Na casuística deste trabalho, o mitotano adjuvante foi oferecido a 30 pacientes e utilizado por um tempo mínimo de 4 meses. Dada a natureza retrospectiva da análise, é difícil inferir sobre informações importantes para a eficácia da profilaxia, como a dose utilizada, o tempo total de uso e concentração sérica do medicamento (20, 100). Como a indicação do mitotano aos pacientes com carcinoma adrenal do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HCFMUSP é decidida caso-a-caso, o mesmo foi oferecido aos casos mais graves, segundo o julgamento do médico assistente. De fato, como relatado na Tabela 41, observou-se diferença estatisticamente significante entre os pacientes que receberam e que não receberam o tratamento adjuvante em relação do padrão funcional (9,7% [3/28] contra 46,8% [29/62] com hiperandrogenismo isolado, respectivamente; P <0,001) e ao tamanho tumoral (Md =10,0 cm vs. 6,5 cm, respectivamente; P =0,003). Além disso, houve tendência de que os pacientes que não receberam mitotano adjuvante fossem mais jovens. Naqueles pacientes que receberam

a quimioprofilaxia e se mantiveram livres de doença, os tumores eram menos invasivos (Tabela 42).

É interessante observar que os pacientes selecionados para uso de mitotano adjuvante apresentaram valor de escore prognóstico significantemente maior que aqueles a quem o tratamento não foi indicado, tanto para a comparação dos valores do escore nos dois grupos quanto para

a comparação da porcentagem de pacientes com escore ≥77 pontos (Tabela

52). Em outras palavras, a decisão do médico em prescrever ou não a profilaxia com mitotano obedeceu os mesmos critérios de gravidade que o escore prognóstico foi capaz de quantificar, tornando objetiva uma deliberação que se fundamentava na experiência clínica e no bom senso.

Tabela 52 – Escore prognóstico dos pacientes que receberam e que não receberam

mitotano adjuvante

Mitotano adjuvante Escore Prognóstico (pontos) ≥77 pontos (%)

Sim 81,7 ±31,6

Md: 84 15/25 (60,0%)

Não 47,3 ±35,6

Md: 38 11/54 (20,4%)

P <0,0001 0,0008

Os dados são ̅ ±s e Md. ̅, média; s, desvio-padrão; Md, mediana; P, significância estatística.

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