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1 VARÍOLA: CONHECER PARA EVITAR

2.2 Lazaretos da Jacarecanga e da Lagoa Funda

Lazaretos eram casas construídas nas costas de diversos mares, perto dos portos, onde são postos em observação os passageiros e marinheiros que chegam de paizes onde grassam certas moléstias epidêmicas, cholera, febre amarella, etc. Essas pessoas devem ficar mais ou menos tempo no lazareto, muito mais tempo se houve a bordo do navio de onde desembarcam algum óbito recente. Quando não se receia mais uma nova infecção, autoriza-se o desembarque

dos passageiros, procedendo-se, porem, á limpeza e á mais minuciosa purificação, das bagagens, mercadorias e do próprio navio. Essas medidas preventivas devem ser executadas e prescriptas com grande rigor se se quizer que ellas produzam o effeito desejado. A menor infracção pode causar desgraças incalculáveis.”121

A ideia de que o doente necessitava de um local para sua efetiva assistência não era algo oriundo dos avanços no campo da medicina entre os séculos XVIII e XIX. Em Roma, no período Clássico, existiam locais onde escravos e soldados recebiam auxílio. Segundo Porter122, durante a Era Cristã,foram criadas, efetivamente, instituições dedicadas ao tratamento de enfermos, que, embora abrigassem doentes e necessitados, “[...]não eram centros de medicina especializada: mais se pareciam com asilos, ou seja, lugares que ofereciam refúgio e proteção.”123. Eram locais onde o doente poderia ser assistido124 e isolado de maneira a não comprometer os demais.

Os variolosos, enquanto portadores de uma moléstia incurável, eram os alvos das medidas para se evitar uma disseminação. A doença era acompanhada pela ameaça de morte, o que acarretava pavor coletivo. Esse temor, quando observado enquanto experiência partilhada por indivíduos em diferentes épocas, locais e momentos, justifica a busca em manter a doença afastada ou controlada.

No contexto referente à cidade de Fortaleza, percebemos que os lazaretos não implicavam em preventivos e, sim, em uma medida paliativa para evitar a circularidade daqueles que, por conta das bexigas, nomenclatura popular para designar a varíola, eram um risco à população. Nosso objetivo, nesse sentido, é buscar contornos mais nítidos para se compreender como se deu a implantação dos serviços de saúde pública relacionados à varíola na cidade, especificamente, abordando de maneira mais ampla os lazaretos da Jacarecanga e da Lagoa Funda.

121CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Diccionario de medicina popular e das sciencias

accessorias ... 6. ed. consideravelmente aumentada, posta a par da ciência. Paris: A. Roger &

F. Chernoviz, 1890. 2 v. Tomo II. Página 287.

122

PORTER, Roy. Das tripas coração: uma breve história da Medicina (trad. Vera Ribeiro). Rio de Janeiro: Record, 2004. Página 166.

123

Id. Ibidem, p. 166. 124

Id. Ibidem, p. 168. Dentre os hospitais destinados à assistência que se encontravam à margem da sociedade, destacamos ainda o Hotel Dieu, em Paris, que, durante o século XVII, era uma instituição voltada à confinação de mendigos, órfãos, vagabundos, prostitutas e ladrões ao lado dos doentes e dos loucos pobres.

Tais práticas de exclusão podem ser vislumbradas enquanto tentativas ou reações ante a doença por parte daqueles que buscavam evitá-la a qualquer custo, visando à manutenção da saúde de um determinado grupo ou espaço, como podemos observar em ofício do Presidente da Província, Antonio Joaquim Rodrigues, ao médico Joaquim Antônio Alves Ribeiro:

Acaba de ser-me participado pelo Dr. Chefe de polícia interino, que deu-se nesta capital um caso de variola, pelo que convém sem perda de tempo, mande abrir lasareto da Jacarecanga para o tratamento d’aquelle enfermo, e dos que por ventura possão ser affetados.125

Convém ressaltar a urgência com que o Presidente trata a abertura do lazareto, visando não tratar somente um enfermo, mas possíveis doentes que poderiam surgir em virtude do contágio. Observamos, ainda, que a urgência clamada pelo Presidente da Província não dizia respeito, somente, à necessidade de assistência em virtude do caráter contagioso da doença, mas, também,ao fato da intermitência quanto ao funcionamento dos lazaretos, que eram reabertos e fechados, mediante a ocorrência de algum caso de varíola ou na ocorrência esporádica de outra moléstia epidêmica.

Em relação aos doentes, a cidade passa a adquirir um caráter ambíguo, um possível lugar de assistência através do poder público ou da caridade, ao passo que, também, se constituía em um lugar onde presença deles pode ser tida como comprometedora. Como a varíola era conhecida há muito tempo, na perspectiva médica, deduzimos que, ao acometer algum habitante, a probabilidade de surgimento de outros doentes seria questão de tempo. Portanto, era uma tentativa de “[...] tratar a doença no doente em todo doente que se apresentar [...] anular o contágio pelo isolamento dos indivíduos [...]126”. A nosso ver, cada sociedade vai ser controlada por saberes, normas e sistemas de valores específicos de uma época. Compreendendo um campo de intervenções e combates, seja frente à doença ou ao momento em que vivia a cidade, o lazareto era uma das representações do estado sanitário da

125

APEC: Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências Expedidas. Sub-serie: Livros encadernados. Livro : 15. 1863 – 1876. Ofício produzido pelo presidente da província Antonio Joaquim Rodrigues destinado ao médico Joaquim Antonio Alves Ribeiro. Junho de 1868.

126FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

província, que se encontrava comprometido. A existência dos lazaretos já denunciava a insalubridade, a função, enquanto local de quarentena, era pouco utilizada.Nesse contexto, o que persiste em relação à ideia original dos lazaretos é o isolamento compulsório.

A proposta de afastamento dos variolosos, como abordamos anteriormente, era uma medida usual. Studart, ao se referir ao surto de varíola que assolou os indígenas que habitavam o Ceará por volta de 1756, destaca uma carta do Bispo recomendando ao cirurgião responsável pelo regimento, Manoel da Costa: “[...] que se informasse das bexigas que havia na cidade, porque no caso de se augmentar a epidemia daria providencia que he mandar curar todos estes enfermos em lugar separado de toda a communicação [...]”127.

Havia, então, a necessidade de um local que atendesse às demandas dos pobres, que não dispunham de recursos para se tratarem, com capacidade de atender aos doentes confirmados, enquanto portadores de moléstia durante a quarentena, além de receber aqueles que adoeciam na cidade e que, em virtude do contágio, não poderiam ser acolhidos senão no lazareto. Em relação à criação do lazareto da Jacarecanga:

(...) algumas pessoas tem fallecido ao desamparo por falta de meios para o necessário tratamento, chegando até a encontrarem-se alguns corpos mortos do mesmo contágio lançados no matto(...) foi ponderado que tendo alguns comerciantes desta villa dado principio ao comercio de mandarem vir escravatura da costa de Leste directamente para esta Villa, se fazia portanto necessario cuidar com antecipação em mandar levantar uma armazem a beira mar do sitio denominado Jacarecanga para serem recolhidos os sobreditos escravos, no caso de necessidade á maneira do que se pratica em todas as demais capitanias para o fim de se evitar a propagação de moléstias que algumas vezes trazem os mesmo escravos e sendo nesta mesma ocasião igualmente ponderada a necessidade que também há de uma casa edificada mais no centro do mesmo sítio da Jacarecanga para servir de Hospital aos bexigosos,visto que a experiência tem feito conhecer que em todos os annos se renova o dito contágio evitando-se por este meio a despeza que annualmente se tem feito como casas de palha para acomodação dos soldados atacados do dito mal.128

127

STUDART, Guilherme (barão de). Climatologia, epidemias e endemias no Ceará: memória

apresentada ao 4º Congresso Médico Latino-Americano do Rio de Janeiro. [1909]. Ed. fac-sim.

Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 1997. Página 21. 128

Documentos relativos aos Hospitais da Jacarecanga e da Lagoa Funda e paiol da polvora do Croatá. 1897. In. Revista do Instituto do Ceará. Índice José Honório e Leda Boechat t. XI, 113 –

O trecho, extraído da Revista do Instituto do Ceará, é o principal documento encontrado, até o presente momento, que trata da criação do lazareto da Jacarecanga. Concluímos que a instalação do lazareto se deu, inicialmente, por dois fatores: a falta de local para a assistência dos enfermos e a necessidade de um para quarentenas, que, por sua vez, também servisse como hospital para os possíveis doentes. O documento ainda alerta para a necessidade de se construir o lazareto a sota-vento da cidade. Por isso a escolha da Jacarecanga, uma região, até então, pouco povoada nas cercanias mesmo sendo a estrada da Jacarecanga uma das entradas da cidade. Através das plantas de autoria de Adolfo Herbster129, nos anos de 1859 e 1875, podemos mensurar, aproximadamente, a localização do local denominado Jacarecanga, onde se encontrava o lazareto. Entretanto, as plantas não apresentam uma localização direta em relação ao local onde estava edificado o lazareto da Jacarecanga.

124. Página 113 - 114.

129

Engenheiro contratado pela Câmara Municipal, encarregado de elaborar uma planta para a cidade mediante a utilização de instrumentos topográficos, no ano de 1859, tendo como resultante a “Planta Exacta da Capital do Ceará” (figura 1). Por volta de 1875, Herbster ocupava o cargo de arquiteto da Câmara Municipal e produziu outra planta da cidade de Fortaleza, intitulada “Planta da Cidade de Fortaleza o Soburbios”, nela, Herbster buscava ordenar a expansão urbana da cidade, embasada no sistema de malha xadrez, iniciando, assim, um desenvolvimento retilíneo.

Mediante a leitura das plantas, temos acesso a informações norteadoras em relação à possível localização do lazareto da Jacarecanga. Nas fontes, não encontramos nenhuma menção à localização do lazareto na estrada da Jacarecanga, contudo, supomos que sua localização pudesse estar aproximada nas imediações da estrada, tendo em vista que a nomenclatura é relativa ao arrabalde em sua totalidade, não somente à estrada. Como citado, o lazareto da Jacarecanga encontrava-se a ¼ de légua130 de distância da capital, algo em torno de 2 km do centro da capital.

A estrada da Jacarecanga é a localização mais aproximada que temos em relação ao lazareto, o indivíduo que se deslocasse do centro da cidade em direção a ela teria como opção mais rápida os seguintes caminhos: Rua das Hortas (atual Senador Alencar) e Rua das Flores (Atual Castro e Silva); ambas seguiam até a estrada da Jacarecanga. Entretanto, a condução de variolosos, que porventura surgissem na cidade, ocorria preferencialmente pela praia131,

130 Atualmente, uma légua pode variar entre 4 e 7 km.

131TEÓFILO, Rodolfo. Varíola e vacinação no Ceará. Ed. fac-similar. Fortaleza, CE: Fundação

Waldemar Alcântara, 1997. Segundo Rodolfo Teófilo, o translado dos enfermos e dos mortos ocorria, preferencialmente, pela praia até o lazareto ou o cemitério da Lagoa Funda. Evitando, assim, que doentes e cadáveres fossem transportados pelas ruas da cidade, o que comprometeria a higiene pública. Página 13.

Figura 1. Planta Exacta da Capital do Ceará – 1859. Autoria de Adolfo Herbster.

evitando, assim, o contato com outros indivíduos que transitavam entre a cidade e a Jacarecanga no caminho que levava ao lazareto.

Observamos, ainda, em relação à fonte, que, embora a justificativa para a construção do lazareto fosse embasada na necessidade oriunda da intensificação da compra de escravos, o lazareto instalado na cidade de Fortaleza, originalmente, não tinha por finalidade única atender a uma demanda mercantil.

Podemos constatar, mediante a leitura da fonte, delimitações definidas dos usos do lazareto. Alertamos, ainda, para a ressalva final em relação às bexigas, quando o lazareto passaria, também, a servir como local de assistência aos bexigosos. Um dado presente na fonte é a afirmação referente à utilização de casas de palha para o tratamento dos soldados. Assim, concluímos que a assistência que já era prestada aos soldados bexigosos, membros da força provincial, providos pela Presidência da Província, passa a ser estendida aos demais que não dispunham de meios para o tratamento.

Durante o decorrer do século XIX, desenvolviam-se várias doenças na província, em maior ou menor intensidade, como a febre amarela ou o cólera, mas a ressalva ante a criação e a localização do lazareto deixa explícito ser o lugar específico para variolosos. Dessa forma, podemos mensurar a preocupação frente à varíola e a seu desenvolvimento na cidade, sendo a criação do lazareto uma representação da força e do temor reinante ante a doença, envolto em um contexto e uma estrutura singular, decorrente do quadro nosológico e econômico do período.

Os dados que dispomos, em relação a ambos os lazaretos, discorrem somente sobre o espaço132 e a área ocupada. Não encontramos, até o momento, nenhuma alusão à organização do espaço interno ou à arquitetura dos locais. Quanto à arquitetura dos lazaretos da Jacarecanga e da Lagoa Funda, não encontramos nenhum dado ou menção à existência de pavilhões ou galpões, como era comum na organização dos lazaretos.

132

GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997. 2ª Ed. De acordo com Gottdiener, o espaço ao qual nos referimos não pode ser entendido somente enquanto uma localização ou associado somente às relações sociais que estavam sendo desenvolvidas. Devemos entender o espaço dos lazaretos enquanto uma localização física, constituindo-se, ao mesmo tempo, no local da ação. Dessa maneira, tais espaços são, além de uma localização física, instrumentos políticos, elementos na luta de classes. Por esse motivo, o Estado se utilizará desses espaços visando à manutenção do seu controle e à segregação dos grupos. Páginas 127-129.

Segundo Liberal de Castro, as construções do período eram condicionadas por parcas disponibilidades financeiras, possuíam um caráter utilitário e eram erguidas com matéria prima local, “[...] caracterizada pelo uso intensivo de carnaúba [...] couro nas dobradiças e nas amarrações das madeiras, do tijolo branco [...]133”.Não podemos afirmar se a arquitetura estava organizada em forma de pavilhões ou disposta como uma residência. Não dispomos, ainda, de nenhum dado referente à localização exata de ambos os lazaretos, seja da Jacarecanga ou da Lagoa Funda.

Todavia, podemos contrastar os dados em relação a ambos os espaços, o Lazareto da Jacarecanga contava com uma área de 108 ¼ palmos134 de frente e 50 ¾ de fundo, enquanto o da Lagoa Funda dispunha de uma área de 112 ½ palmos de frente e 142 ditos de fundo. O lazareto da Lagoa Funda, edificado três décadas após o da Jacarecanga, contava com uma área de fundo quase três vezes maior; podemos, então, supor que, em relação à estrutura e aos recursos disponíveis, o segundo lazareto, possivelmente, poderia ter sido melhor quanto ao espaço físico que atendesse à demanda de variolosos do período, salvo em períodos agudos de epidemias.

Segundo Teófilo135, no auge da epidemia de 1878, o lazareto da Lagoa Funda assistia a 300 enfermos, o que correspondia a sua capacidade no período. Entretanto, supomos que, no ano de sua criação, o hospital não contasse com um número tão amplo de leitos. Salientamos que, no decorrer dos anos, o lazareto da Lagoa Funda passou por uma série de reformas, visando à manutenção do espaço ou ao aumento da capacidade.

Em virtude da não continuidade dos serviços, os lazaretos eram praticamente abandonados nos períodos em que a varíola não se manifestava na cidade, sofrendo degradações pela ação do tempo, aliado à falta de manutenção. No ano de 1876, o então inspetor de saúde Dr. Antônio Domingues da Silva alerta ao Presidente da Província sobre a necessidade de reformas a serem feitas no lazareto da Lagoa Funda, ressaltando, ainda, os reparos necessários em um muro que desabou e conclui que: “necessario

133

CASTRO, José Liberal de. “Pequena Informação relativa à arquitetura antiga no Ceará”.

Revista Aspectos nº 5, p 9-32. Fortaleza 1977. Página 8.

134

De acordo com o sistema métrico decimal atual, um palmo equivale a vinte e dois centímetros.

prompto reparo em attençao a importancia e urgencia d’este serviço visto como a qualquer momento poderão aparecer variolosos que terão de ser alli recolhidos.”136.

As ressalvas em relação à importância e à urgência, quanto aos serviços direcionados aos variolosos, podem ser vislumbradas em vários momentos, seja em relação ao uso da vacina, ao isolamento e condução de doentes ao lazareto ou mesmo frente a reparos na estrutura. O pedido de urgência por parte do médico poderia estar sendo motivado pela constância com que a varíola se desenvolvia na cidade, por esse fato, o lazareto deveria estar organizado e com capacidade para atender aos variolosos. O fato de o muro encontrar-se desabado poderia, ainda, facilitar a entrada de outros indivíduos na área do lazareto, o que poderia comprometer a estrutura do local ou, ainda, ocasionar furtos. Assim como poderia facilitar fugas dos doentes ali assistidos.

Ao longo de seu funcionamento, os espaços dos lazaretos foram submetidos a várias intervenções em virtude da ação do tempo ou, em alguns casos, pela ação de alguns indivíduos, como podemos analisar no ofício produzido pelo médico da pobreza Joaquim Antônio de Medeiros, destinado ao Presidente da Província, Marcelino Nunes Gonçalves:

Passando pela Jacarecanga observei que faltavão telhas na casa que serve de enfermaria para os bexigosos, assim como na casa de palha contigua, a dita casa já estava maior parte arruinada a que atribuo o facto e levo isso ao conhecimento de V.Exa para que se digne dar alguma providencia afim de impedir o deterioramento da dita casa pelo furto das telhas que estão faltando.137

O médico alerta para a situação na qual se encontrava o espaço destinado ao trato dos variolosos. O documento acima citado foi produzido na década de 1860, demonstrando, assim, que a construção do novo lazareto, localizado na Lagoa Funda, não interferiu no funcionamento de outros espaços que também assistiam aos variolosos da cidade.

136 APEC. Fundo: Saúde Pública. Série: Inspetoria de Higiene e Saúde Pública. Sub-serie:

Correspondências Expedidas. Fortaleza 1876. Caixa 04. Oficio de autoria do Inspetor de Saúde Dr. Antonio Domingues da Silva destinado ao Presidente da província Francisco de Faria Lemos.

137

APEC. Fundo: Saúde Pública. Série: Documentos não catalogados. Fortaleza. Ofício produzido pelo médico da pobreza Joaquim Antônio de Medeiros destinado ao presidente da província Marcelino Nunes Gonçalves. 1860.

Questionamo-nos em relação à finalidade da casa contígua de palha mencionada no documento. Como citado, a utilização de casas de palha que servissem como enfermaria era recorrente durante a colônia, sendo essa prática substituída com a construção do lazareto da Jacarecanga na década de 1820. Podemos supor que esse espaço pudesse ser utilizado em tempos de epidemias, quando o espaço do lazareto não suportava o contingente de enfermos, sendo, então, mais viável a construção dessas palhoças, ao invés de serem edificados novos locais de assistência. Tais espaços podem ser justificados, ainda, pelo fato da não continuidade dos serviços, como uma medida paliativa, tendo em vista que a ocorrência dos surtos socorria de maneira sazonal e não duradoura.

Destacamos, ainda, o furto das telhas da enfermaria. Nesse período, parte considerável das habitações138 da cidade era recoberta por palhas de coqueiros e estando a estrutura, especificamente as telhas, em condição de uso, acreditamos que alguns indivíduos deslocavam-se ao lazareto para cobrirem suas casas. A ocorrência do furto possivelmente era favorecido pela ausência de uma vigilância permanente nesses espaços em virtude do seu uso não ser contínuo, assim, os lazaretos estavam susceptíveis a certo abandono, tendo em vista que seu uso só ocorria mediante a ocorrência de algum caso de varíola que chegasse ao conhecimento das autoridades responsáveis pelo seu funcionamento.

Como citado, a construção de um novo lazareto, na Lagoa Funda, não alterou o uso do da Jacarecanga, ambos funcionaram como espaços de assistência aos variolosos. Entretanto, no ano de 1866, supostamente, o lazareto da Jacarecanga foi desativado, como podemos observar em ofício produzido pelo então Presidente da Província, Ignácio Marcondes Homem de Melo: “[...] tendo nesta data mandado fazer a requisição do Dr. Chefe de Policia a transferência do lasareto da Jacarecanga para o da Lagôa Funda; assim lh’o communico para seu conhecimento [...]”139.

138 Jornal O Cearense. Edição 135. Página 04. 20 de março de 1848. Segundo Tristão de

Araripe, por volta da primeira metade do século XIX, a cidade de Fortaleza contava, aproximadamente, com 847 casas de palha e 571 de telha, somando 1.148 habitações.

139

APEC: Fundo: Governo da Província. Série: Correspondências Expedidas. Sub-serie: Livros encadernados. Livro: 15. 1863 – 1876. Ofício produzido pelo presidente da província Francisco

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