• Nenhum resultado encontrado

4 A MULTIMODALIDADE NO LIVRO DIDÁTICO DE INGLÊS: ANÁLISES DAS

4.1 O LD de língua inglesa na década de 1980: a coleção Reading texts in English

selecionada para análise da década de 1980 foi a Reading texts in English (MARQUES, 1989), que, à época, direcionou-se ao público do 2º Grau (antigo Ensino Médio). Antes de partir para as considerações a respeito dessa coleção, é preciso situar, brevemente, o que se passava na educação brasileira nessa década, visto que a história das edições escolares está atrelada, necessariamente, a um contexto político, social, demográfico, científico e pedagógico “que condiciona sua existência, sua estrutura, seu desenvolvimento e a própria natureza de suas produções” (CHOPIN, 2004, p. 564).

A década de 1970 foi de expressivo aumento de matrícula no ensino superior brasileiro, após a Reforma Universitária de 1968147, o que afetou os métodos de admissão nas universidades. Os vestibulares tornaram-se foco de ensino de muitas escolas e cursinhos.

Assim, mesmo com refluxo das matrículas na década de 1980 por conta da retração das atividades econômicas e redução da capacidade de investimento do Estado no ensino superior, o objetivo dos currículos do 2º grau voltava-se à preparação para o trabalho (cursos profissionalizantes) e para o ingresso na faculdade. Com isso, muitas obras didáticas de línguas adicionais debruçavam-se nos requisitos e conteúdos necessários à aprovação nos testes de admissão das instituições de ensino superior, ou seja, leitura e tradução.

147 Lei nº 5.540/1968, que regulamentou o Ensino Superior no Brasil à época.

Esclarecido tal cenário, partimos para a análise da coleção Reading texts in English.

Para efeitos de fluidez na leitura, é aqui denominada Coleção 1. Percebemos que o próprio nome da coleção já diz muito sobre a obra: foco na leitura dos textos. Mas, de que leitura estamos tratando? Uma leitura que entende o texto nos limites de suas linhas e palavras? Uma leitura que decodifica e automatiza? Ou uma leitura que amplia as condições e visões do aluno, sua compreensão a respeito de vários modos e linguagens alinhadas no texto e que o faz refletir e intervir em sua realidade? Obter respostas para tais indagações não é tarefa fácil, tampouco objetivamos chegar a assertivas únicas acerca da obra, respeitando outras concepções possíveis.

Iniciamos, então, as reflexões sobre a coleção. Esta foi estruturada em 3 volumes, sendo cada livro/volume dividido em 4 grandes blocos. Os blocos dos volumes 1 e 2 possuem 8 unidades cada (ao todo, 32), mas o volume 3 tem um número maior: ao todo, 50 lições distribuídas nos 4 blocos. A FIGURA 16 apresenta as capas dos volumes da Coleção 1.

FIGURA 16 - Capas da coleção Reading texts in English

Fonte: MARQUES (1989), capas dos volumes 1, 2 e 3.

Na página inicial de apresentação da obra, o autor esclarece as exigências de preparação do aluno da época, centradas na valorização da capacidade de entendimento de textos escritos, abrangendo questões discursivas com perguntas e respostas em português, revelando, então, o objetivo do LD em questão (nos três volumes, o texto de apresentação inicial se repete):

Reading texts in English leva o aluno a ler (e não a decifrar) e entender (e não a tentar adivinhar) textos em inglês. Textos curtos e agradáveis, de interesse cultural ou informativo, exercícios variados e abrangentes, em forma de testes ou de questões abertas, ampla reciclagem de vocabulário e fixação subliminar das estruturas gramaticais (MARQUES, 1989, v. 1, p. 3, grifo do autor).

Após a apresentação inicial, consta a tabela de conteúdos com sumário e, logo em seguida, iniciam-se os blocos de unidades. Ao fim de cada volume, há o glossário. Não há seção destinada a orientações ao professor especificamente, nem no início, nem no fim dos volumes.

O Manual do Professor se diferencia do livro do aluno pela indicação das respostas aos exercícios em vermelho. Assim, ao longo dos três volumes, os enunciados (dos exercícios e textos) são dirigidos aos leitores da obra de forma geral (professores ou alunos), exceto em algumas orientações direcionadas ao docente no rodapé de poucas páginas, como foi feito nos textos de duas unidades do livro 1 (unidades 6 e 23), em que aparece a sugestão para que o professor diferencie as pronúncias de duas palavras148. Ao início de cada bloco ao longo dos 3 livros da Coleção 1, há uma página contendo um aglomerado de ilustrações, fazendo alusão, de forma antecipada, aos temas abordados nas unidades que virão no referido bloco. O único conteúdo verbal apresentado nessas aberturas é seu título: Unit 1, Unit 2 e assim por diante. Ao final de cada bloco, consta uma seção de revisão (Review). A FIGURA 17, a seguir, representa a abertura de dois blocos de unidades do livro 2.

FIGURA 17 - Páginas de abertura das unidades 3 e 4 da Coleção 1 (década de 1980)

Fonte: MARQUES (1989, v. 2, p. 69; 100).

148 Na unidade 6, consta a seguinte orientação ao professor: “Call your students’ attention to the different sounds of blood and food”. Na unidade 23, sugere-se: “*You might call your students’ attention to the difference between story and history”.

Numa pesquisa sobre livros didáticos adotados desde a década de 1930, Bezemer e Kress (2009) apontam que o uso de desenhos149 nesses materiais aumentou especialmente após a década de 1980 e que a decisão pela inserção de fotos e desenhos impacta no sentido do “real”

que se deseja evocar: enquanto as fotos versam sobre o real (pessoas e objetos), os desenhos remetem ao imaginário; logo, “os desenhos são geralmente 'amigáveis' e 'engraçados'[...], enquanto as fotos são ‘confrontantes’ [...]. Os desenhos parecem ser divertidos, enquanto as fotos são para aumentar a consciência 'crítica'” (BEZEMER; KRESS, 2009, p. 254, tradução nossa150). Dessa forma, a presença significativa dos desenhos ao longo de toda a coleção, alguns até com aspectos de caricaturas, adicionado ao fato de que a maioria dos textos se refere a conteúdo humorístico, trouxe certa leveza e descontração aos volumes, podendo aproximar os alunos à Coleção 1 e contribuir para interrupção da constância texto escrito - atividade que predomina nas páginas dos três volumes.

Todas as páginas internas da coleção são confeccionadas em tonalidades de preto, branco e cinza, o que espelha, de certa forma, o panorama de produção gráfica na década de 1980: início da ampliação do mercado de livros e alto custo das obras, como reforçado no capítulo 1. Logo, a confecção majoritariamente em preto e branco e, até mesmo, a presença das ilustrações justificam-se pelas condições das produções, do cenário financeiro e das editoras no contexto daquela década. A única diferenciação de cor na Coleção 1 é a resposta contida no Manual do Professor (em vermelho), além da capa de cada volume, que é colorida (FIGURA 16). A maioria das unidades dos três volumes se inicia com um desenho que ilustra alguma informação escrita e, em seguida, o texto; somente 5 unidades contidas no volume 2 apresentam imagens (fotos de paisagem ou ponto turístico). Os textos escritos geralmente são curtos, com média de 5 a 10 linhas, sendo que os poucos que ultrapassam essa quantidade não extrapolam 15 linhas, com tamanho de letra regular e padronizada, aproximando-se de fontes que, atualmente, vemos prevalecer em textos mais formais, como arial ou times new roman.

149 A diferenciação entre desenho e ilustração é tênue para estudiosos que não atuam na seara da edição ou desenho gráfico. Neste estudo, concordamos com a ideia de que ilustração “é uma imagem, desenho ou gravura que acompanha um texto de livro, jornal, revista ou outro tipo de publicação e tem por objetivo adorná-lo, elucidá-lo ou facilitar a sua compreensão” (CASTAGINI, 2010, p. 7). Assim, entende-se que a ilustração serve a um propósito, para comunicar uma ideia ou conceito ou para facilitar o entendimento de um texto; dentre suas categorias, está o desenho. No caso da Coleção 1, elas apresentam e introduzem as ideias principais dos textos escritos que virão a cada bloco de atividades. Para Camargo (1995), a “ilustração é toda imagem que acompanha um texto. Pode ser um desenho, uma pintura, uma fotografia, um gráfico, etc”. Logo, abarcamos tal conceito, ciente de que para o campo dos estudos gráficos, há diferença entre desenho e ilustração e que um desenho não precisa ser, necessariamente, uma ilustração.

150 Tradução de: “The drawings are usually ‘friendly’ and ‘funny’ [...], while the photos are ‘confronting’ [...].

The drawings appear to be entertaining, while the photos are to raise ‘critical’ awareness (BEZEMER; KRESS, 2009, p. 254).

O volume 1, em geral, assim se apresenta: após o texto verbal (sempre acompanhado do imagético/desenho na parte superior da página), aparecem atividades direcionadas ao vocabulário (exemplos: associação de colunas e múltipla escolha), exercícios que demandam respostas objetivas como verdadeiro ou falso, sim ou não e, por vezes, questões abertas, limitando-se à informação geral ou mais específica, mas que focam no conteúdo escrito do texto e atividade acerca da estrutura de sentenças (exemplos: siga o modelo ou complete); em três unidades do livro 1 (5, 8 e 16), há uma atividade de leitura suplementar ao fim da lição. As unidades são curtas, ocupando de 2 a 4 páginas. Os enunciados, em sua maioria, estão em inglês e os poucos que aparecem em língua portuguesa (não em todas as unidades) se referem às questões abertas sobre a compreensão textual, atendo-se, exclusivamente, à informação escrita.

Nesse volume, constatamos apenas uma pergunta que recorre à opinião do aluno (ao final da unidade 15151), embora, mesmo assim, não solicite a apresentação de qualquer argumento; no mais, não há questionamento ou atividade voltada aos designs, repertório, reflexão e experiência de vida do educando ou que o leve a atrelar o conteúdo estudado no livro a sua forma de vida, a sua comunidade ou ao seu cotidiano.

O volume 2 está organizado de maneira muito semelhante ao 1, no entanto, apresenta mais itens nas atividades voltadas à gramática e à interpretação textual, com o protagonismo de respostas curtas, objetivas, de múltipla escolha, identificação de colunas, com mais inserções de leitura suplementar e questões discursivas ao fim de algumas unidades, apesar de estas sempre se relacionarem ao conteúdo exclusivo do texto escrito ou a algum excerto de livro, citação ou ditado popular inserido ao longo das páginas. Similar ao livro 1, poucas são as possibilidades de se abordar questões que envolvam o aluno e suas vivências: na unidade 7, na seção What about you? (E você?), há a abertura para posicionamento do educando152, porém, para que este a responda, é preciso recorrer ao tópico gramatical (if-clauses) em foco, ou seja, a inserção dessa pergunta serviu, novamente, como artifício para reforçar aspectos estruturais da língua.

O volume 3 da Coleção 1 segue a organização dos anteriores: muitas atividades objetivas, com o olhar sobre o léxico ou interpretação, limitando-se a informações gerais ou

151 A unidade 15 do volume 1 apresenta hábitos chineses antigos e, ao final da unidade, há a seguinte indagação que retoma o texto: “Qual dos hábitos chineses descritos no texto lhe parece mais racional?” (MARQUES, 1989, v. 1, p. 49).

152 Nesta seção, pergunta-se: What would you take if your house were on fire and you could remove only one thing?

(O que você levaria se sua casa estivesse pegando fogo e você pudesse retirar só uma coisa?) (MARQUES, 1989, v. 2, p. 28, tradução nossa).

mais detalhadas acerca do teor escrito. Nesse volume, há vários textos retirados de vestibulares da época com extensivos exercícios norteados às normas.

A respeito das seções de leitura, observamos que os textos, em grande parte, foram retirados de uma variedade das fontes e gêneros no decorrer de toda a coleção, conforme condensado no GRÁFICO 1.

GRÁFICO 1 - Gêneros dos textos autênticos-adaptados da Coleção 1 (década de 1980)

Fonte: Elaborado pela autora a partir de MARQUES (1989).

Constatamos que, nos três volumes, a maioria dos textos foram amplamente adaptados e resumidos a excertos em poucas linhas, além de haver ainda textos didáticos. Os desenhos inseridos na parte superior da página também foram elaborados pela equipe do LD em questão.

Para melhor compreender as informações resultantes dessa parte das análises, compactamos a fonte de elaboração dos textos de acordo com as seguintes categorias: texto autêntico (produzido originalmente sem fim didático, que circula socialmente e inserido no LD de forma integral); autêntico-adaptado (elaborado sem fim didático e inserido parcialmente no LD, com alterações); didático (elaborado integralmente pelo autor/equipe do LD, produzido para incorporar aspectos linguísticos que se almeja ensinar) e textos de vestibulares.

1 1 1

4 4

3 7

3

1 1 1

2 2

5 5

9

3

4 5

3 9

11

4

1 1

Quantidade de seções de leitura em que aparecem

Volume 1 Volume 2 Volume 3

As adaptações textuais que predominam nos três volumes da coleção, especialmente nos volumes 1 e 2, são realizadas, majoritariamente, a partir de textos humorísticos ou anedotas (GRÁFICO 1). É importante salientar que os gêneros dessas adaptações são bem variados (GRÁFICO 1) e sua inserção parcial no LD em questão ocorre de forma muito similar: conteúdo delimitado em poucas linhas, desenhos que se referem a algum detalhe ou situação decorrida na informação escrita, uso da mesma tipografia e foco na transposição do conteúdo escrito do texto, deixando os outros aspectos composicionais dos gêneros em segundo plano, o que nos permite apontar a possibilidade de um trabalho muito restrito (ou até inexistente) com o gênero e os modos semióticos que tipicamente os circundam.

Lembramos que essa coleção busca, como citado em sua apresentação aos professores e alunos, “maior valorização da capacidade de entendimento de textos escritos” e “leva o aluno a ler (e não a decifrar) e entender (e não a tentar adivinhar) textos em inglês” (MARQUES, 1989, p. 3, v. 1, 2 e 3). No entanto, ao constatar a ausência de um trabalho que aborde as propriedades dos gêneros dos textos lá dispostos, sua plasticidade, suas estruturas relativamente estáveis (BAKHTIN, 2011) e seus artefatos culturais, podemos dizer que a Coleção 1 fecha o leque de possibilidades de inserção de práticas comunicativas legítimas, que refletem a necessidade, os usos e a realidade do educando. Podemos ainda expandir nossas reflexões: ler (e não decifrar) e entender (e não adivinhar) um texto, como colocado na abertura dos volumes, voltam-se, então, nesta coleção, a uma noção de língua transparente, como se o que estivesse posto no conteúdo verbal bastasse para compreensão textual e os demais aspectos (gêneros, modos, cultura, discursos) que ali se imbricam fossem supérfluos às práticas leitoras. Marcuschi (2011, p. 20) assevera que os gêneros são “formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos”. Assim, se não há uma abordagem que se inclina, minimamente, para questões referentes aos gêneros, reforça-se uma prática que entende a língua como abstração formal, como fim em si mesmo.

Partimos, então, para os aspectos visuais da coleção. Pela uniformidade de boa parte dos elementos analisados ao longo dos três volumes e pela impossibilidade de detalhar todos os capítulos da obra, tendo em vista a extensão do corpus desta pesquisa, selecionamos uma seção de leitura como exemplo para debruçarmos nossa análise, no entanto, ao longo das investigações e resultados, tecemos considerações que refletem a coleção como um todo, recorrendo a imagens das páginas de outras unidades para explicitar e facilitar a compreensão.

Esclarecido tal procedimento, apresentamos a parte inicial do capítulo 27 do livro 1 na FIGURA 18.

FIGURA 18 - Exemplo de seção de leitura da Coleção 1 - Parte I

Fonte: MARQUES (1989, v. 1, p. 82-83), com destaques da autora.

A unidade em questão se intitula Sell your car and buy a bike! (Venda seu carro e compre uma bicicleta) e conta com um texto (item B, página à esquerda da FIGURA 18) de dois parágrafos que, resumidamente, apresentam argumentos para o uso da bicicleta (benefícios quanto ao custo, à saúde, ao meio ambiente e às facilidades de deslocamento). Para sua construção, inseriu-se uma ilustração em preto, branco e cinza (item A, FIGURA 18) que ocupa mais da metade da página, especialmente a parte superior e central, em que aparece um rapaz sobre uma bicicleta e, na parte superior esquerda, em tom mais claro de cinza e preto, há desenhos em traços que representam veículos como carro e ônibus. Percebemos que esse texto visual funciona de forma ilustrativa (GUALBERTO, 2016), de maneira que sua inserção foi realizada pela equipe autora do LD para se referir e ilustrar algo que é diretamente abordado no modo escrito (prioridade no uso da bicicleta).

Ao aplicar as categorias da GDV, podemos desdobrar nossas reflexões nos seguintes aspectos: o participante representado (PR) tem seu olhar cabisbaixo, fixado na bicicleta, sendo que a linha dos olhos forma um vetor rumo ao seu meio de transporte, o que leva o leitor/observador a direcionar sua atenção para a informação que se deseja destacar: uso da bicicleta como meio de locomoção. Quanto à metafunção interacional, o PR não estabelece contato visual direto com o leitor, num ato de oferta, de contemplação de uma informação. Ele é retratado de forma oblíqua, como se estivesse se dirigindo para algo ou alguém que não é o leitor, num ângulo aberto (long shot), que possibilita visualizar todo seu corpo; essa composição, aliada à feição séria do PR, ratifica o papel contemplação por parte do observador, estabelecendo relação de impessoalidade, de distanciamento. Nesse sentido, a configuração e disposição de tais recursos (olhar, distância social, ângulo, plano) reforçam um menor envolvimento entre personagem e leitor e possibilitam focalizar/dar saliência a mesma mensagem principal que o modo escrito traz: o uso da bicicleta.

Verificamos que a ilustração é retratada em baixa validade/modalidade, fugindo dos aspectos da realidade, com poucas escalas de brilho e diferenciações de cores (preto, branco e cinza). Para Machin (2007), “em alguns casos, o monocromático, como em preto e branco, pode conotar atemporalidade ou seriedade”153 (p. 75). Assim, o texto visual se distancia do natural, do mundo real, o que traz uma perspectiva mais subjetiva, sensorial, visto que não é uma imagem fotografada de um ciclista, mas uma visão particular dos editores que compõem a equipe de confecção da coleção.

Ao voltarmos nosso olhar aos aspectos composicionais, evidenciamos como alguns elementos estão dispostos nas páginas. O texto visual ocupa a parte superior e central por completo, numa proporção de espaço bem maior que o destinado ao escrito. O GRÁFICO 2 compacta os dados referentes à localização dos desenhos (ou fotos) ao longo dos três volumes da Coleção 1.

153 Tradução de: “In some cases monochrome, as in black and white, can connote timelessness or seriousness”

(MACHIN, 2007, p. 75).

GRÁFICO 2 - Disposição dos desenhos ou fotos nas seções de leitura da Coleção 1

Fonte: Elaborado pela autora a partir de MARQUES (1989).

Os dados do GRÁFICO 2 demonstram que o modo visual (sejam fotos ou ilustrações) ocupa relevante espaço na disposição dos elementos, com uma perspectiva verticalizada (top bottom) que se repete na maior parte das unidades dos três volumes: imagens dispostas na parte superior até a metade da página e, logo abaixo, as informações escritas. Aplicando os valores informacionais ideal-real da GDV, depreende-se que os desenhos e fotos desempenham, nessa disposição, uma informação idealizada, desejada (parte superior) e, no campo inferior, em que está o texto escrito, há informações mais detalhadas (reais); assim, “a parte informacional (ou ideologicamente) em primeiro plano da mensagem é comunicada visualmente, e a escrita serve como uma elaboração sobre ela” (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996; 2006] 2021, p. 191). Essa disposição vertical texto pictórico-escrito acarreta um caminho de leitura hierárquico, num movimento do geral ao específico, como se a parte escrita (real) representasse a possibilidade de materialização do visual (ideal).

A uniformidade nos arranjos dos elementos permanece quando visualizamos os pares de páginas abertas (itens A, B e C, FIGURA 18), possibilitando a análise dos quadrantes: em 64% das unidades dos 3 volumes, o desenho se situa no quadrante ideal-dado (superior esquerdo), o texto escrito ocupa a posição real-dado (inferior esquerdo) e os exercícios nos quadrantes à direita (novo), conforme vemos na FIGURA 18. Kress e van Leeuwen ([1996;

2006] 2021) reforçam que, “em termos gerais, o sentido do Novo é, portanto, problemático, contestável, , enquanto o Dado é apresentado como consenso, evidente” (p. 187, tradução

0 5 10 15 20 25 30 35

PARTE SUPERIOR

SUPERIOR AO CENTRO

TODA A PÁGINA

CENTRO À PARTE INFERIOR

SUPERIOR E INFERIOR

SEM IMAGEM OU

DESENHO 2

27

1 1 0 1

0

29

1 0 2

1 0

31

0 0 1

17

Quantidade de seções de leitura

Volume 1 Volume 2 Volume 3

nossa154); logo, ao trazer as atividades majoritariamente no campo do Novo, endossa-se o sentido de que o relevante ou o que se está realmente em debate é sempre a realização da atividade, a compreensão por meio das tarefas, como se o texto (visual e escrito) dispensasse explicações, fosse um meio já conhecido para se atingir o desconhecido, nesse caso, as respostas das atividades. Essas reflexões reforçam uma concepção de leitura decodificadora, de texto enquanto transmissão de informação acabada e de leitor que extrai e replica dados superficiais do texto verbal.

Dessa maneira, tendo como princípio os valores informacionais da GDV (FIGURA 18), evidenciamos que essa disposição propicia uma preferência ao conteúdo dos exercícios, uma vez que estes se localizam sempre como informações novas, a serem atingidas/conhecidas.

Assim, presume-se que, no intuito de cumprir as atividades, a disposição e layout dos elementos configurados pela equipe criativa do LD induz o aluno a percorrer um trajeto sequencial na leitura codificada, linha por linha, de cima para baixo, da esquerda para direita. Nesse sentido, o leitor terá o papel de, no máximo, contemplar a imagem, atendo-se ao código escrito em busca de cumprir o que se pede nas atividades e o texto torna-se, assim, “pretexto para atividades mecânicas de leitura – exercício de ‘copiação’ [...] – ou de identificação pura de elementos gramaticais” (SANTOS; TEIXEIRA, 2017, p. 425).

Prosseguindo com a análise da unidade 27 (FIGURA 18) concentrada nas categorias composicionais, notamos que, no primeiro plano do texto visual (item A), em destaque, está o rapaz na bicicleta, que é a informação mais saliente que mais carrega o sentido e que o modo escrito também busca destacar. A evidência é reforçada não só pelo tamanho e pelo posicionamento central do PR, mas também pelo destaque que a cor branca proporciona ao contornar o ciclista. Van Leeuwen (2011) esclarece que a cor pode potencializar a saliência e, assim, ajudar a chamar atenção aos elementos que realmente são importantes. O efeito do plano de fundo e o contorno branco ajudaram nesse destaque, alinhavando uma coerência entre o conteúdo verbal e imagético.

Em segundo plano, na parte superior esquerda (item A, FIGURA 18), há veículos automotores (ônibus e carros) desenhados em linhas mais finas, além de traços espiralados. De acordo com os critérios de valor informacional dispostos na GDV, o lado esquerdo da imagem pode representar o passado ou informação dada, familiar, já conhecida pelo leitor/observador e o direito, algo novo, presente ou futuro. Ao inserir os veículos na parte superior esquerda e a bicicleta no oposto, aliam-se o modo escrito e o visual: venda o carro e ande de bicicleta, ou

154 Tradução de: “Broadly speaking, the meaning of the New is therefore problematic, contestable, while Given is presented as commonsensical, self-evident” (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996; 2006] 2021, p. 187).

seja, a prioridade para a bicicleta apontada pelo modo verbal é representada pictoricamente ao colocá-la no primeiro plano, no quadrante central e mais à direita, o que oportuniza o protagonismo da informação nova.

Ademais, podemos observar alguns aspectos referentes à moldura, nesse caso, elaborada por um fundo cinza, sem contornos retos. Sobreposta a ela, na parte inferior central, aparece a frase que intitula a unidade em letras maiúsculas (caixa alta). Nas palavras de Kress e van Leeuwen ([1996/2006] 2021), “quanto mais forte o enquadramento de um elemento, mais ele é desconectado de seu ambiente imediato e apresentado como uma unidade separada”155 (p. 205).

Portanto, ao observar a disposição do desenho, sua moldura e o texto escrito, temos a impressão parcial de que eles estão desconectados, como se pertencessem a unidades distintas, visto que a moldura proporciona tal separação. No entanto, a inserção do título, que ocorreu por meio da sobreposição (VAN LEEUWEN, 2005) no espaço sombreado da moldura que demarca o desenho e bem próximo às informações verbais (que vêm abaixo, item B), estabelece uma espécie de coesão e ligação entre o conteúdo visual e o verbal, contribuindo para uma possível relação entre os dois.

A respeito das molduras demarcadas nos desenhos e fotos que compõem os textos, nas unidades em que há a presença destas, percebemos que a maioria delas não possui nenhum recurso de enquadramento ou limitação que separa o modo visual do verbal, conforme realçam os dados do GRÁFICO 3 a seguir.

GRÁFICO 3 - Aspectos da moldura nas imagens da Coleção 1

Fonte: Elaborado pela autora a partir de MARQUES (1989).

155 Tradução de: “The stronger the framing of an element, the more it is disconnected from its immediate environment and presented as a separate unit” (KRESS; VAN LEEUWEN, [1996/2006] 2021, p. 205).

0 5 10 15 20 25

Volume 1 Volume 2 Volume 3

Com algum elemento de delimitação da moldura Sem moldura delimitada

O GRÁFICO 3 comprova que a maior parte das unidades que contêm desenhos ou fotos não apresentam elementos como cor, traços, linhas que os delimitam, especialmente nos volumes 1 e 2, com espaços em branco entre o conteúdo imagético e o escrito. Nas unidades em que se detectou algum recurso que compõe a borda, como foi o caso da unidade 27 analisada (FIGURA 18), o sombreamento no plano de fundo de forma retangular em tons de cinza (claro ou escuro) predominou (59%) diante dos outros artefatos (linhas retas ou traços irregulares, que somaram 41%). Van Leeuwen (2005) sugere que, quando dois ou mais elementos são separados por espaços vazios, eles devem ser vistos como similares em algum aspecto e diferentes em outro. Logo, com a predominância dos espaços em branco, inferimos que esses dois elementos pertencem a duas unidades diferentes, sem se acoplar, embora abordem a mesma temática.

Ainda quanto ao layout das páginas, observamos que, em algumas unidades da coleção, aspectos e recursos das ilustrações invadem as próximas páginas da unidade a que pertencem (FIGURA 19), para além da primeira em que consta o texto escrito, o que pode servir para reforçar a associação entre o visual e o verbal.

FIGURA 19 - Exemplo de continuação entre páginas da Coleção 1

Fonte: MARQUES (1989, v. 1, p. 21-22).

A inserção dos recursos visuais prosseguindo na página seguinte (FIGURA 19) fortalece a conexão com o modo escrito, criando uma relação de coesão, num sinal de interdependência entre eles. Embora essa continuidade de partes dos desenhos em páginas consecutivas seja relevante para estabelecer elos entre os modos e orientar a leitura, isso só ocorreu em 8 (oito) unidades ao longo dos três volumes, o que representa uma porcentagem de 7% das lições da coleção inteira. Ademais, recorrendo aos aspectos dos valores informacionais (significados composicionais), essa organização topo/base aponta novamente para a estrutura ideal/real, com o texto visual ocupando o lugar do idealizado/genérico e o conteúdo escrito como o acessível, real, reforçando o espaço do verbal como da informação concreta.

Outro elemento que compõe a orquestração dos modos e recursos nas páginas é a tipografia. Na visão de Machin (2007), as letras e suas formas tornaram-se mais gráficas e icônicas, constituindo-se parte importante do sentido que se almeja construir. No mesmo caminho, van Leeuwen (2005) ressalta que a tipografia desempenhou, por um longo período, o papel de “transmitir as palavras dos autores da forma mais clara e legível possível, sem adicionar nada de seu ao texto”156 (p. 26), no entanto, essa função mudou. Atualmente, as formas das letras apoiam a projeção de significados por meio de recursos como serifa157, tamanhos, peso (negrito, itálico), cores, curvaturas e outros, proporcionando maior dinamismo e identificação aos designs dos textos.

Ao lançarmos nosso olhar para a tipografia que circunscreve as páginas da Coleção 1, chegamos aos dados que compõem o QUADRO 4.

QUADRO 4 - Predominância da tipografia na Coleção 1 (1980) Especificação dos

títulos ou das seções/subseções

Recursos tipográficos empregados

Título dos blocos Maiúscula, sem serifa, negrito, condensada, angular, majoritariamente situada no canto superior direito, com leves curvaturas.

Título dos capítulos

Maiúscula, majoritariamente sem serifa e no centro da página, negrito, condensada, verticalizada.

Textos escritos

Retas e verticais, sem negrito ou itálico, condensada, sem serifa, tradicional (arial), majoritariamente situada na parte inferior da página (meio para baixo).

Atividades

Divisão dos blocos de atividades (exemplo: TRUE OR FALSE?, STRUCTURES; VOCABULARY): maiúscula, reta e verticalizada, sem serifa, condensada, demarcada com linhas acima e abaixo.

156 Tradução de “For a long time typography saw its role as one of transmitting the words of authors as clearly and legibly as possible, without adding anything of its own to the text” (VAN LEEUWEN, 2005, p. 26).

157 Extremidades das letras demarcadas e alongadas, que conectam/aproximam os caracteres (MACHIN, 2007).

Especificação dos títulos ou das seções/subseções

Recursos tipográficos empregados

Enunciados e questões dos exercícios: majoritariamente minúscula, reta, condensada, sem serifa. Todas em preto, somente a resposta do professor (manual) de vermelho e em tamanho menor.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de MARQUES (1989).

O QUADRO 4 evidencia a uniformidade tipográfica entre as seções da obra: o título dos blocos aparece em letras mais condensadas, com regularidade da fonte mais verticalizada e algumas letras apresentando leves curvaturas. De acordo com Machin (2007), as curvaturas podem indicar mais fluidez, enquanto as angulares e retas remetem ao tradicional, técnico e objetivo. Logo, o título dos blocos com alguns caracteres suavemente curvados, agregado aos desenhos mais despojados que ilustram essas páginas de abertura (FIGURA 17), parece fazer um convite mais descontraído ao aluno e ao professor para a leitura e estudo da unidade que vem em seguida.

Podemos dizer que essa aproximação é rompida com a padronização tipográfica que aparece nas seções posteriores. Bezemer e Kress (2016a), em pesquisa com livros didáticos, mostram que “até o fim da década de 1980, no geral, uma fonte era usada consistentemente ao longo de um livro inteiro”158 (p. 20) e, com a Coleção 1, tal dado também pode ser comprovado da seguinte forma: o título dos capítulos (item A, FIGURA 18) vem sempre na orientação vertical e em negrito, com caracteres mais altos e em expansão mais condensada no centro da página, conferindo maior unidade e autoridade (MACHIN, 2007); o texto verbal (como no item B, FIGURA 18) e as atividades (como no item C, FIGURA 18) apresentam similaridade na fonte, num estilo mais técnico e formal, proporcionando uma rima que associa o texto escrito às atividades propostas. Para Kress e van Leeuwen ([1996; 2006] 2021), a rima visual159 é uma conexão concretizada por qualidades visuais comuns de dois ou mais elementos, como a cor ou outros artefatos. Esse mesmo padrão tipográfico, utilizando também a mesma cor (preta), além de letras maiúsculas para início das seções de cada tipo de exercício (verdadeiro ou falso, vocabulário, entre outros), reforça a conformidade e ordem entre as seções da coleção, como vemos na FIGURA 20 a seguir, que ilustra a continuação do capítulo 27 do volume 1.

158 Tradução de: “Until the late 1980s usually one font was used consistently throughout a textbook” (BEZEMER;

KRESS, 2016a, p.20).

159 Kress e van Leeuwen ([1996; 2006] 2021, p. 206) citam van Leeuwen (2005) quando se referem à rima visual.

Van Leeuwen (2005) aborda a rima pela combinação de elementos que, embora separados, podem formar uma coerência por aspectos semelhantes: “É possível que a imagem e o texto rimem, por exemplo, através da semelhança de cores. Isso sinaliza que, embora separados, eles têm alguma qualidade em comum” (p. 12).

Tradução de: “[...] it is possible for picture and text to ‘rhyme’, for instance through colour similarity. This signals that, although separate, they nevertheless have some quality in common” (VAN LEEUWEN, 2005, p. 12).

FIGURA 20 - Exemplo de atividades de seção de leitura da Coleção 1 - Parte II

Fonte: MARQUES (1989, v. 1, p. 84), com destaques da autora.

Serafini e Clausen (2012) asseveram que “as fontes tradicionais usadas em muitos textos escritos foram naturalizadas a ponto de não se esperar que os leitores prestassem atenção ao seu design, em vez disso, eles deveriam olhar além do tipo de letra usado para recuperar o conteúdo representado” (p. 5, tradução nossa160). Essa tradição de uso da letra como recurso para retomar algum conteúdo é perceptível na Coleção 1, especialmente pelo fato de não apresentar variedade nos recursos tipográficos entre as seções, optando por fontes mais tradicionais que remontam e rimam, de certa forma, o texto verbal e as atividades. Vemos na FIGURA 20 essa regularidade e padronização que as tipografias inseridas na Coleção 1 trazem por meio dos: títulos das seções das tarefas (item A) com o uso de maiúsculas, retas, condensadas, com linhas delineando seus extremos superior e inferior, sua sistematização e pertencimento a grupos de atividades (metafunção textual); enunciados em minúscula, condensadas, sem serifa, retas e com uso de

160 Tradução de: “Traditional fonts used in many written texts were naturalized to the point that readers were not expected to pay attention to their design, rather they were expected to look past the typeface used to retrieve the content represented” (SERAFINI; CLAUSEN, 2012, p. 5).

itálico e negrito (peso) para destacar os exemplos a serem seguidos (itens B e D); ainda é possível notar que, ao indicar uma proposta de questão discursiva, um texto escrito curto é inserido (item C), mantendo o padrão da tipografia dos demais textos verbais da Coleção 1:

condensadas, tradicionais, retas e sem recurso de peso/destaque ou qualquer outra diferenciação/saliência. Notamos, assim, como esse padrão tipográfico pode expressar atitudes do que é representado: imposição de hierarquia e impessoalidade, demonstrando seriedade e rigidez entre as seções e o que deve ser feito em cada uma delas. Constatamos, também, como a tipografia acarreta uma rima entre as partes que dividem as seções de leitura: predominância da cor e do mesmo tipo de fonte nos enunciados e itens de cada questão, uso dos mesmos recursos de peso (VAN LEEUWEN, 2006) para destacar exemplos a serem seguidos nas atividades (negrito e itálico) e preferência pela caixa alta na divisão dos tipos de tarefas.

Essa sequência e autoridade que a fonte fornece também são reforçadas pela distribuição do texto escrito em ambos os lados da página, no mesmo limite da margem, o que, conforme Machin (2007), demonstra controle e formalidade. Van Leeuwen (2006) pontua que não podemos analisar a tipografia isoladamente dos outros modos nos quais ela quase sempre coocorre e é por isso que destacamos que, quando direcionamos o olhar para as análises da Coleção 1 tecidas até aqui (layout, moldura, regularidade da tipografia, predominância dos valores informacionais ideal-real), verificamos que elas convergem para uma perspectiva tradicional nos caminhos da leitura: da esquerda para direita, de cima para baixo, seguindo a ordem em que os elementos aparecem nas páginas.

O LD, nesse contexto, aproxima-se da ideia de um instrumento com caráter autoritário, como um depositário do saber, com verdades e informações inflexíveis a serem transmitidas.

Assim, há muitas chances de o professor exercer, nesse viés, a tarefa de reprodução e legitimação dos conteúdos que circundam o livro, numa ação mecânica e restritiva ao conteúdo escrito.

Essas considerações podem ser ratificadas não somente pelos aspectos e conclusões desmembradas até este ponto com base nos critérios da GDV e dimensões visuais, como também pela constatação de que não há, nas atividades e nos enunciados, orientações que explorem os recursos e modos que extrapolem o verbal, conforme exemplificamos por meio da unidade 6 do livro 2 (FIGURA 21 a seguir). Ao organizar todas as atividades em torno desse modo semiótico, ele passar a figurar, para os usuários do LD em questão, como o único portador de informações e de significado, acarretando uma visão de que os demais modos são apenas ilustrativos, assim como os outros recursos de layout e diagramação. Mapeando a FIGURA 21, conseguimos ter uma noção do protagonismo do conteúdo verbal na Coleção 1.