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2 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO PROIBICIONISMO EM MATÉRIA DE

2.3 INICIATIVAS LIBERALIZANTES ATUAIS

2.3.3 Legalização

2.3.3.1 Legalização estatizante

Como é público, o modelo de legalização estatizante foi adotado, recentemente, pela República Oriental do Uruguai. Ali, em fins de dezembro do ano de 2013, o Parlamento aprovou um projeto de lei, encaminhado pelo então Presidente José Alberto Mujica Cordano

(o “Pepe Mujica”), nos termos do qual todo o mercado dos derivados de Cannabis sativa

passou, pelo menos teoricamente, a ser fortemente controlado pelo aparelho estatal uruguaio. Uma vez chancelado pelo Poder Legislativo, o projeto de lei enfocado foi convertido na Lei n.º 19.172,55 posteriormente regulamentada pelo Decreto n.º 120/2014.56 De acordo com este ato secundário, apenas os cidadãos uruguaios, natos ou naturalizados, e os estrangeiros com residência permanente no país,57 todos devidamente capazes, maiores de 18 anos de idade e cadastrados em registro próprio mantido pelo governo, podem comprar maconha para uso recreativo (art. 34).

Para tanto, deverá ser observado o limite de 10 gramas semanais e 40 gramas mensais por usuário, e assegurado o monopólio das farmácias especialmente direcionadas para a comercialização do produto (art. 2º, V), a ser feita presencialmente e com exclusão de _______________

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RODRIGUES, Thiago. Drogas, proibição e a abolição das penas. In: PASSETTI, Edson (Org.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, pp. 144-145.

55 URUGUAY. Lei n.º 19.172, de 20 de dezembro de 2013. Diário Oficial. Montevideo, 2014. Disponível em:

<http://www.parlamento.gub.uy/leyes/AccesoTextoLey.asp?Ley=19172&Anchor=>. Acesso em: 1 nov. 2014.

56 URUGUAY. Presidência: República Oriental do Uruguai. Decreto n.º 120, de 6 de maio de 2014. Disponível

em: <http://www.adau.com.uy/innovaportal/file/11715/1/reglamentario_marihuana.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2014.

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Tal requisito objetiva combater um dos efeitos colaterais mais temidos por países desejosos de distender sua política antidrogas, qual seja, o aumento do fluxo de pessoas oriundas de outras regiões interessadas em adquirir e consumir drogas.

todas as outras modalidades de venda (através da Internet, por contato telefônico etc.) (art. 35).

Quanto à produção doméstica da maconha destinada ao uso pessoal, permitiu-se a cada consumidor plantar até 6 pés de Cannabis sativa e colher não mais do que 480 gramas da substância por ano (art. 14). Além dessas particularidades jurídicas voltadas eminentemente à utilização individual do entorpecente, a novel regulação uruguaia também inovou, e muito, quando facultou às associações de usuários o exercício de algumas poucas e interessantes prerrogativas.

Tendo como única finalidade institucional o plantio, o cultivo e a colheita da maconha para a fruição exclusiva de seus congregados (art. 23), as referidas entidades privadas têm de ser compostas por, no mínimo, quinze e, no máximo, quarenta e cinco filiados (art. 24), os quais integrarão um quadro associativo rigorosamente monitorado pelo Estado uruguaio (art. 26).

A essas agremiações, foi dado o direito de plantar até 99 pés de Cannabis sativa e de distribuir até 480 gramas por ano a cada um dos participantes regularmente credenciados, devendo todo o excedente da produção ficar à disposição do Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCCA), órgão de fiscalização instituído para tal, com vinculação administrativa ao Ministério da Saúde Pública (art. 29).

Sob outro prisma, o art. 4º do Decreto n.º 120/2014 também vedou toda e qualquer forma de publicidade envolvendo a maconha, independentemente do meio de comunicação empregado (imprensa escrita, rádio, televisão, cinema, revista, cartaz, folheto, correio eletrônico, tecnologias de Internet ou qualquer outro meio idôneo à propagação do proselitismo juridicamente bloqueado).

Ainda no capítulo das proibições, o regramento uruguaio arrolou como locais em que o consumo da maconha é terminantemente interditado (i) os espaços fechados que sejam

um lugar de uso público, (ii) os espaços fechados que sejam um lugar ou espaço de trabalho e (iii) os espaços fechados ou abertos, públicos ou privados, que correspondam a dependências de estabelecimentos sanitários, de instituições da área da saúde de qualquer tipo ou natureza, de centros de ensino, de entidades nas quais se realize prática docente em quaisquer de suas formas e de instituições desportivas (art. 40).

Outrossim, o Decreto n.º 120/2014 tornou passível de receber uma série de sanções (entre elas, a retenção da carteira de habilitação) o motorista em cujo organismo seja detectado o mínimo vestígio de tetraidrocanabinol (THC)58 (art. 41), assim como obstou o contato do indivíduo com a maconha em situações ligadas, direta ou indiretamente, à jornada de trabalho (art. 42).

Para concluir, outorgou-se à autoridade competente o poder de impedir o ingresso ou a permanência do usuário de maconha em centros educativos de qualquer natureza (art. 43) e em eventos ou espetáculos públicos (art. 44), barrando-se, do mesmo modo, a realização de concursos, torneios ou acontecimentos abertos que promovam o consumo de Cannabis sativa (art. 45).

Não obstante a incipiência de todo esse arcabouço normativo, já há declarações da Secretaria Nacional de Drogas do Uruguai no sentido de que, seis meses após a legalização da maconha, não se consignou nenhuma morte naquele país relacionada tanto ao consumo quanto à comercialização da droga,59 não estando afastada, no entanto, a hipótese de um aumento inicial no número de usuários.60

No mesmo diapasão, dados preliminares do Ministério do Turismo e Esporte uruguaio atestam um incremento no quantitativo de turistas depois que o país flexibilizou o _______________

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Trata-se do princípio ativo da maconha.

59 UOL. Liberação da maconha. Brasília, DF: 2 de junho de 2014. Disponível em:

<http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/06/02/liberacao-da-maconha-no-uruguai- reduziu-mortes-a-zero-diz-secretario.htm>. Acesso em: 2 nov. 2014.

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NÉRI, Felipe. Maconha. G1. Brasília, DF: 2 de junho de 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/06/legalizar-maconha-pode-aumentar-o-consumo-diz-secretario- do-uruguai.html>. Acesso em: 2 nov. 2014.

trato com a maconha,61 havendo quem vislumbre, também, um notório recrudescimento na oferta clandestina da droga, principalmente com o fortalecimento das rotas de tráfico provenientes das nações vizinhas.62

Seja pela heterodoxia, seja pela vizinhança com o Brasil, é de todo conveniente ficar atento aos próximos desdobramentos do modelo de legalização estatizante encampado pelo Uruguai. Desfechando o presente Capítulo, segue-se para o exame da variante da legalização liberal.