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Legenda: PRF (Profissionais); PROF.UNI (Professores Universitários); QAS (Quadros

Capítulo 4 – Corpo e classe: autoapresentação e cuidados de s

3. Legenda: PRF (Profissionais); PROF.UNI (Professores Universitários); QAS (Quadros

administrativos superiores); QAM (Quadros administrativos médios); EMP>5 (Empregadores urbanos com mais de cinco empregados); EMP<5 (Empregadores urbanos com menos de cinco empregados); PROF (Professores não-universitários); TEC (Técnicos); ART (Artistas); TNR (Trabalhadores não-manuais de rotina); STM (Supervisores de trabalho manual); TMQ (Trabalhadores manuais qualificados); TMNQ (Trabalhadores manuais não-qualificados); CP.URB (Trabalhadores por conta-própria urbanos); AGR (Trabalhadores agrícolas); CP.AGR (Trabalhadores por conta-própria na agricultura).

A escolha de bens no campo do vestuário parece expressar um padrão de classe. A quantidade de itens de vestuário adquiridos não parece ser não tão distintiva quanto os tipos e “marcas” deles, embora, seja bom ressaltar, no caso do vestuário feminino, a quantidade adquirida é significativamente diferente entre as categorias ocupacionais. Quando se observam os dados sobre gastos com vestuário feminino de diferentes categorias ocupacionais na sociedade brasileira, nota-se, por um lado, uma similaridade dos gastos relativos e, por outro, diferenças significativas em termos da freqüência e montante absoluto. A similaridade dos gastos relativos com vestuário confirma, em

parte, o argumento de que a preocupação com o corpo não é em si uma prática tão distintiva. As mulheres em diversas regiões do espaço social escolhem, com alguma regularidade, os bens de vestuário socialmente disponíveis. No entanto, essas escolhas se dão, provavelmente, sob distintas modalidades dependendo da região do espaço social. À medida que se eleva o volume global de capital econômico e cultural, as escolhas de vestuário feminino tendem a se orientar para itens de maior valor, possivelmente de “marcas” mais prestigiadas (daí, o montante absoluto ser substancialmente mais elevado entre as camadas não-manuais “superiores”, especialmente profissionais, professores universitários e quadros administrativos superiores). Nas regiões superiores do espaço social, as mulheres estão menos confinadas à esfera doméstica, devido ao nivelamento relativo das balanças de poder entre homens e mulheres e dos esforços delas por se apropriarem de territórios tipicamente masculinos (o mercado de trabalho e o espaço público são territórios masculinos).89 Aí, a exposição mais frequente do corpo feminino – do que resultam maiores possibilidades de valorizá-lo nos contextos onde é exposto – exige maiores investimentos em práticas de apresentação de si e a imposição de níveis mais elevados de privação sobre o corpo da mulher.

De fato, há um repertório de técnicas relacionadas com os cuidados de si e autoapresentação cuja distribuição demarca claras divisões sociais: de gênero e de classe. Esse fenômeno expressa a importância das modalidades das práticas de modelação do corpo para distinguir conjuntos de agentes sociais. Quer dizer, homens e mulheres cuidam de seus corpos diferentemente, assim como o fazem homens e mulheres em posições sociais distintas. Gastos com manicure, pedicure, produtos de barbear, jóias, entre outros, são conformados por uma lógica de gênero. Por exemplo,

       89

Como vimos no capítulo anterior, as mulheres nas camadas não-manuais “superiores” relatam participar de eventos culturais fora da esfera doméstica com mais freqüência do que as mulheres nas camadas sociais inferiores.

pintar as unhas ou usar jóias são técnicas de modificação corporal associadas à construção da feminilidade na sociedade brasileira. No caso do consumo de jóias, a divisão de gênero é, com toda probabilidade, atravessada por uma divisão de classe, pois os gastos relativos e absolutos com esses bens se elevam à medida que aumenta o volume global de capital. Isso indica que as mulheres em posições “superiores” do espaço tendem, provavelmente, a usar jóias mais caras, de tipos mais variados e com maior frequência.

Algumas modalidades de cuidados de si e autoapresentação parecem ser especialmente distintivas em termos de classe. A frequência e montante dos gastos com produtos de beleza, como maquiagem e cremes e, especialmente, com serviços de tratamento estético são bastante diferentes segundo a categoria ocupacional considerada. Nas regiões “superiores” do espaço social (especialmente entre profissionais e professores), cabe supor que o corpo esteja submetido a uma modelação mais profunda e intensa: os gastos com serviços e produtos de beleza ou de tratamento estético são mais frequentes e elevados. Quer dizer, as privações impostas ao corpo e os investimentos em técnicas de manutenção/modificação corporal são maiores e, provavelmente, estão mais fortemente integrados à prática cotidiana: os gastos mais elevados com maquiagem e cremes entre profissionais, professores, quadros administrativos e empregadores provavelmente indicam que as mulheres nessas ocupações tendem a utilizar esses produtos de modo mais frequente do que as mulheres nas camadas manuais. Adicionalmente, é importante notar que os serviços estéticos (geralmente oferecidos em clínicas especializadas) são mais distintivos do que a aquisição de produtos de beleza (como cremes ou maquiagem), cujo emprego pode ser dar na esfera doméstica.90 Cabe supor, então, que as mulheres nas regiões inferiores do

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No espaço simbólico representado na Figura 1 (capítulo 2), a modalidade referente a gastos com serviços estéticos contribui mais fortemente para o primeiro eixo do que as modalidades referentes a

espaço tentam modelar o corpo apropriando-se das modalidades de cuidados de si mais “baratas” e facilmente acessíveis – possivelmente em revistas ou publicações mais “populares”. Diferentemente, à medida que se eleva o volume global de capital e se ampliam os contextos em que o corpo pode ser exposto e valorizado, a probabilidade de que os agentes escolham as práticas mais distintivas no domínio da autoapresentação (como os serviços de tratamento estético) torna-se mais elevada.

Tabela 4 – Frequência e montante de gastos com serviços e produtos de tratamento estético segundo a categoria ocupacional:

Cremes (%) Cremes (R$) Maquiagem (%) Maquiagem (R$) Estético (%) Estético (R$) PRF 32,40 132,23 15,93 39,70 50,30 183,76 PROF.UNI 32,76 223,69 20,00 46,62 57,07 246,55 QAS 30,23 78,49 12,34 47,69 42,53 104,09 QAM 29,03 83,22 10,53 27,04 38,67 116,26 EMP>5 29,03 64,85 12,77 32,34 46,23 130,14 EMP<5 29,45 90,96 14,49 44,32 43,01 178,38 PROF 32,19 75,00 17,62 60,91 40,13 165,86 TEC 27,92 59,56 10,28 15,60 29,92 57,91 ART 18,97 25,80 3,74 4,86 24,75 63,01 TNR 27,15 65,72 9,13 18,19 31,90 67,93 STM 24,32 47,53 11,00 12,46 19,17 40,65 TMQ 26,15 39,41 8,86 14,57 21,00 30,06 TMNQ 20,79 23,80 6,63 7,77 11,08 16,39 CP-URB 21,83 34,63 8,17 11,57 18,75 34,74 CP-AGR 16,55 22,00 5,44 6,65 9,22 13,90 AGR 15,74 13,64 3,27 2,97 4,10 3,10 Fonte: POF

1. Gastos anualizados e deflacionados;

2. Estético: gastos com serviços de tratamento estético como peeling, bronzeamento artificial, tratamento de pele, etc.; cremes: gastos com aquisição de cremes diversos; maquiagem: gastos com aquisição de produtos de maquiagem;

3. PRF (Profissionais); PROF.UNI (Professores Universitários); QAS (Quadros administrativos superiores); QAM (Quadros administrativos médios); EMP>5 (Empregadores urbanos com mais de cinco empregados); EMP<5 (Empregadores urbanos com menos de cinco empregados); PROF (Professores não-universitários); TEC (Técnicos); ART (Artistas); TNR (Trabalhadores não-manuais de rotina); STM (Supervisores de trabalho manual); TMQ (Trabalhadores manuais qualificados); TMNQ (Trabalhadores manuais não-qualificados); CP.URB (Trabalhadores por conta-própria urbanos); AGR (Trabalhadores agrícolas); CP.AGR (Trabalhadores por conta- própria na agricultura).

       gastos com produtos de beleza, indicando que aquela opõe mais fortemente conjuntos de indivíduos no espaço simbólico do que estas.

Conclusão

Este estudo evidencia a conexão entre classe e corpo: as escolhas no domínio das práticas de apresentação e cuidados de si apresentam padrões claramente discerníveis segundo a posição relativa do agente no espaço social, indicada pela categoria ocupacional. Nesse sentido, este estudo corrobora argumentos presentes na literatura sociológica que sublinham que o emprego de técnicas de manutenção e modificação corporal e, mais profundamente, que os modos como o corpo é moldado demarcam divisões sociais de classe (além de outras divisões, como aquelas de gênero).

A preocupação com o corpo não é tão distintiva quanto as modalidades sob as quais as técnicas de cuidados de si são integradas à prática cotidiana. As despesas com cuidados de si e autoapresentação entre as camadas manuais expressam, predominantemente, uma modelação do corpo e do comportamento que incorpora normas de apresentação e higiene corporal associadas ao “padrão civilizatório” alcançado pela sociedade. Nesse sentido, a adoção dessas práticas não é distintiva. Ao invés, ela constitui uma condição mínima de aceitação social. À medida que se eleva o volume global de capital, tais despesas tendem a expressar, com maior freqüência, uma modelação do corpo distinta e distintiva, provavelmente com o objetivo de construir formas corporais simbolicamente valorizadas, ou seja, de elevar o valor simbólico do corpo enquanto um capital. Portanto, nas regiões “superiores” do espaço, onde o corpo (especialmente o corpo feminino) é exposto com maior frequência e encontra maiores possibilidades de valorização simbólica, a preocupação com o corpo (que se materializa na escolha de bens e práticas relacionadas com cuidados de si) se articula, de forma mais geral, com escolhas de aparatos expressivos valorizados em vários domínios da prática (jóias, vestuário, perfumes, etc.) e com investimentos mais frequentes e elevados

em técnicas de modificação/manutenção corporal, que impõem níveis crescentes de privação sobre o corpo.