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Legendre e o Primeiro Império Napoleônico (1803-1814)

CAPÍTULO 1: ADRIEN-MARIE LEGENDRE (1752-1833): SUA VIDA, SUAS OBRAS

1.2 ADRIEN-MARIE LEGENDRE: SUA VIDA EM QUATRO PERÍODOS HISTÓRICOS

1.2.3 Legendre e o Primeiro Império Napoleônico (1803-1814)

Samueli e Boudenot (2006) relatam um episódio envolvendo os acadêmicos do então Instituto de Paris e Napoleão, antes de se tornar o imperador da França. Segundo os referidos autores, enquanto durou o período revolucionário, o Instituto de Paris serviu como instrumento para a ascensão política de alguns acadêmicos.

Napoleão Bonaparte, um jovem militar da artilharia, se tornou membro do Instituto Nacional (que inclusive foi reformulado durante o seu Império), no dia 25 de dezembro de 1797, e para atingir o intento, contou com o apoio dos acadêmicos Laplace e Bertholet.

36 Segundo Gillespie (1970-1980, Vol. XV), a relação entre Laplace e Napoleão era antiga e foi Laplace quem encorajou o jovem Bonaparte a entrar na Escola Militar de Paris em 1785.

Nessa mesma ocasião, Napoleão escreveu uma entusiasmada carta a Oriani, um astrônomo amigo de Laplace, e declarou que: “As ciências estimulam o espírito humano, embelezam a vida e transmitem grandes ações à posteridade e devem ser honradas nos governos livres” (SAMUELI E BOUDENOT, 2006, p. 271, tradução nossa). Tal declaração não deixou indiferentes alguns membros da Academia que pressentiram um belo futuro político no mais recente membro do Instituto, o que realmente aconteceu como veremos aqui. Ao voltar da campanha da Itália em 1797, para evitar o poderio militar da Alemanha sobre a Índia, Napoleão convenceu o Diretório à ‘civilizar’ e a conquistar militarmente o Egito. O governo, que lhe temia a popularidade, acatou a sua proposta e, em 12 de abril de 1798, deu plenos poderes ao jovem militar para levar à diante o seu intento, que por conta própria decidiu que a expedição também teria o caráter científico, além do militar. Vários acadêmicos foram convidados e aceitaram participar dessa investida militar. Assim, 167 cientistas, dentre eles Fourier, Monge e Bertholet (Legendre não foi convidado), embarcaram para o Egito juntamente com Napoleão em 19 de abril de 1798. Após essa campanha, alguns cientistas exerceram cargos no governo napoleônico, como Fourier, que foi membro da Comissão de Cultura, e Laplace, que, após o golpe de Estado de Napoleão em 9 de novembro de 1799, foi nomeado ministro do Interior, posto que ocupou por apenas seis semanas (SAMUELI E BOUDENOT, 2006).

Dias antes do golpe, em 6 de outubro de 1799 Napoleão Bonaparte presidiu a primeira seção do Instituto Nacional em que Legendre, Monge, Bertholet, Lagrange, Laplace, Delambre, Lalande, Fourier e outros 41 cientistas estiveram presentes, conforme lista de presença reproduzida na Figura 7 a seguir, onde encontramos no número 40, a assinatura de Legendre como Le Gendre.

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Figura 7: Fac-símile da Folha de presença da primeira seção do Instituto presidida por Napoleão Bonaparte em 1798

Fonte: ONE.FILTRAGE.COM, 2009

Nessa lista, sob o número 40, encontramos novamente a assinatura de Legendre como Le Gendre.

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Inspirado pela Revolução francesa de 1789, o Império de Napoleão também centralizou o ensino na engenharia militar. A Escola Politécnica “se tornou um centro educativo de maior prestígio de modo a permitir o avanço e a perfeição da matemática intimamente ligada à prosperidade do Estado. Os matemáticos tinham a incumbência de resolver problemas balísticos e hidráulicos” (SAUTOY, 2005, p. 87, tradução nossa).

O papel do Estado em organizar instituições públicas de ensino perdurou ao longo do século XVIII, isso ajuda a explicar a prosperidade da ciência francesa no momento em que o Primeiro Cônsul se instalou no poder. Com os cientistas a serviço do poder, Paris se tornou o centro que reunia os melhores especialistas da Matemática pura de toda a Europa. Em geral quem possuía uma formação científica, particularmente em Matemática, pertencia ao Instituto Nacional cuja reorganização foi delegada a Fourier por Napoleão em 1803. Seu estatuto continha instruções precisas do governo que foi decisiva para o desenvolvimento do ensino de Matemática. Na reorganização do Instituto, Legendre, que antes ocupava um lugar na seção de Ciências físicas e Matemática, passou a ocupar um lugar na seção de Geometria. Além disso, foi eleito vice-presidente da classe pelo período de 1804-1805 e presidente12 de 1805 a 1806. A nova função de ensino exercida pelos acadêmicos estimulou a confecção de livros textos, bem como a divulgação no Jornal da Escola Politécnica de conferências, de estudos dos professores e alunos. Assim, as publicações científicas retomaram as atividades de outrora e permaneceram durante todo o Império (DHOMBRES E DHOMBRES, 1989; SAUTOY, 2005).

Nesse período, as atividades de Legendre se resumiram em exercer o duplo papel de autor e expert no processo de publicação nas áreas de Matemática, Mecânica, Estatística e Análise. Além de suas atividades como membro da comissão de concursos científicos dessas áreas, podemos também citá-lo como autor de importantes trabalhos. Os Novos métodos para a determinação das órbitas dos cometas de 1805, obra 13 fundamentada na Estatística e no sistema de equações do primeiro grau, deu origem ao método dos mínimos quadrados (moindres carrés). Nela Legendre criou uma régua de cálculos na determinação de pequenas medidas das trajetórias de cometas. Posteriormente, dois suplementos lhe foram acrescidos em 1810 e 1820. O trabalho Análise dos triângulos traçados sobre a superfície de um

12 Conforme Arquivos da Academia de Paris.

13 Samueli e Boudenot (2006, p. 257-263) consideraram essa obra como uma das trinta obras mais importantes do

39 esferóide foi lido no Instituto Nacional em 1806 e versava sobre triângulos esféricos formados por geodésicas de um elipsóide de revolução, estudo que em 1827 também foi generalizado por Gauss em Disquisitiones générales circa superficies curvas. Dando continuidade aos estudos de Ensaio sobre a Teoria dos Números, Legendre publicou uma segunda edição em 1808, que contém uma demonstração do Grande Teorema de Fermat sobre a impossibilidade de solução inteira da equação diofantina xn + yn = zn para n = 5. Em

1809, dando sequência às pesquisas sobre integrais eulerianas presentes no trabalho Sobre os transcendentes elípticos de 1793, ele publicou os Estudos sobre diversos tipos de integrais definidas. Em 1810, foram publicados três importantes trabalhos: o primeiro volume de Exercícios de Cálculo Integral, que introduziu os fundamentos das propriedades de integrais elípticas, os estudos Métodos dos mínimos quadrados para encontrar o meio mais provável nos resultados de diferentes observações e, por último, o estudo Sobre as atrações dos elipsóides homogêneos.

Em complemento à vida acadêmica, Legendre exerceu alguns cargos públicos. Em 1808 ele foi nomeado Conselheiro Titular da recém criada Universidade Imperial e se tornou membro do Conselho de Instrução Pública. Também recebeu algumas honrarias como a medalha da Legião de Honra, enquanto que nesse mesmo ano, os acadêmicos Lagrange, Laplace e Monge, foram agraciados pelo Império e se tornaram condes, e Fourier se tornou barão em 1810.

Em 1813 Legendre ocupou o lugar vago, por ocasião da morte de Lagrange, no Bureau de Longitudes, posto em que permaneceu até o fim de sua vida (ARQUIVOS DA ACADEMIA DE CIÊNCIAS DE PARIS, 2009; GILLESPIE, 1970-1980, Vol. VIII).

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