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LEGISLAÇÃO ÁLIBI E CORRUPÇÃO SISTÊMICA

CAPÍTULO 4 DIREITO AO TRABALHO COMO FRUTO DO

4.2 LEGISLAÇÃO ÁLIBI E CORRUPÇÃO SISTÊMICA

Na teoria dos sistemas proposta por Luhmann, cada subsistema que compõe a sociedade possui abertura cognitiva e fechamento operacional. Desse modo, os sistemas estão abertos cognitivamente às influencias do meio, porém respondem a essas irritações a partir de sua própria estrutura, filtrando do meio as informações relevantes através de seu código binário.

A abertura cognitiva às irritações provenientes do meio e o fechamento operacional, que corresponde à reprodução do sistema a partir de seus próprios elementos, garantem a evolução do subsistema. O fechamento operacional e a abertura cognitiva caracterizam os sistemas autopoiéticos. Entretanto, quando um subsistema sofre influências de outro neutralizando sua autonomia, denominamos de alopoiese do sistema.

Os sistemas são autônomos no nível das operações. A categorização da autopoiesis assume como ponto de partida a questão radical da autonomia, já que define o sistema a partir de seus próprios elementos. Autonomia significa que somente a partir da operação do sistema é possível determinar o que lhe é relevante e,

122

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p. 39.

principalmente, o que lhe é indiferente. Conseqüentemente, o sistema não está condicionado a responder a todo dado estímulo proveniente do meio ambiente. Os sistemas não podem importar nenhuma operação a partir do meio. 124

Quando tratamos dos sistemas autopoiéticos ressaltamos que eles encontram-se sujeitos às irritações constantes do meio, porém mantêm sua autonomia. A filtragem das informações relevantes do meio é feita pelo código binário de cada sistema. Também nas hipóteses de acoplamento estrutural, quando ocorrem as trocas constantes de informação pelos subsistemas, é preservada a autonomia referencial de cada um dos subsistemas.

Nas irritações sistêmicas, o sistema reage aos estímulos/perturbações através de um processamento interno de informação, ou seja, as irritações se processam dentro do sistema.

No acoplamento estrutural os estímulos/perturbações provenientes de outro subsistema ou do meio são constantes. Os sistemas autopoiéticos operam apenas em contato com seus próprios elementos, eis que autopoiesis significa reprodução a partir de si mesmo. O acoplamento estrutural corresponde a um conjunto de mecanismos que excluem certas fontes de irritação ambiental, enquanto canalizam e intensificam as irritações provenientes de outros subsistemas.

Assim, tanto nas hipóteses de irritação sistêmica, quanto nas situações de acoplamento estrutural a autonomia dos subsistemas é mantida. A diferença entre eles reside no fato de que no acoplamento estrutural as influências são constantes e recíprocas.

Entretanto, nas circunstâncias em que um subsistema tem o seu conteúdo e as suas operações internas bloqueadas por outro subsistema ocorre a “corrupção sistêmica”. A corrupção sistêmica ou corrupção de códigos fere a auto-referência do sistema.

“A chamada corrupção sistêmica tem tendência à generalização nas condições típicas de reprodução do direito na modernidade periférica, atingindo o próprio princípio da diferenciação funcional e resultando na alopoiese do direito.” 125

124

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 120.

Dessa maneira, quando o direito passa a ser invadido pelo código poder/não poder (política) ou ter/não ter (economia) que bloqueiam o processo de concretização constitucional estamos diante da corrupção sistêmica.

Nesses casos “o problema implica o comprometimento generalizado da autonomia operacional do direito.”126 O direito seria utilizado como mecanismo de legitimação dos sistemas político e econômico.

Tanto nos casos de legislação álibi, quanto nas hipóteses de Constitucionalização simbólica o sistema jurídico carece de autonomia referencial. Ambas as circunstâncias podem ser definidas como alopoiese do sistema jurídico. Ocorre um bloqueio permanente e generalizado do código “lícito/ilícito” pelos códigos “ter/não ter” (economia) e “poder/não poder” (política).

Nenhum sistema é transcendente. Não pode assumir operações que escapem ao seu código peculiar. O Estado não pode dispor do dinheiro e do direito – ou seja, o sistema político não pode valer-se do sistema econômico e do sistema jurídico – ignorando as condições de possibilidade inerentes a tais meios. Direito e economia impõem obstáculos à disponibilidade política. Os três sistemas trabalham com códigos diversos. Não se pode perseguir fins políticos com a utilização do direito e da economia sem que se reconheça os limites da capacidade desses sistemas. A exceção são os casos de “corrupção” dos respectivos códigos de comunicação, com conseqüências implacáveis para a manutenção autopoiética do sistema. 127

Entendemos que a ratificação da Convenção 158 da OIT pelo Brasil pode vir a ser caracterizada como legislação álibi e que o direito social à proteção contra a dispensa imotivada prevista no texto constitucional é modalidade de constitucionalização simbólica.

Quando estamos diante de constitucionalização simbólica, carente de concretização normativa, dá-se a exploração do sistema jurídico pelo político e econômico, ou seja, como já se demonstrou alhures trata-se de corrupção sistêmica, o que compromete a autonomia operacional do direito.

126 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p. 147. 127

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