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Legislação eleitoral e dinâmicas regionais: a interdependência entre regras

Capítulo I - O estudo de carreiras políticas e a análise do sistema partidário brasileiro:

1. Sistema eleitoral, migração partidária e particularidades regionais: o debate acerca do

1.2 Legislação eleitoral e dinâmicas regionais: a interdependência entre regras

Além do fato de não ser possível mensurar aspectos como a atuação dos partidos políticos após o período eleitoral, até mesmo o alcance explicativo da análise do impacto da legislação no processo eleitoral deve ser relativizado uma vez que é possível identificar-se, sob a vigência de uma mesma legislação de alcance nacional, a existência de configurações regionais ou até mesmo estaduais significativamente diferenciadas. Como foi dito anteriormente, a existência de uma única legislação eleitoral não é suficiente para padronizar o sistema partidário brasileiro nacionalmente.

Com relação a este aspecto e com base em análises como as de LIMA JR. (1997) e SANTOS (2001), pode-se concluir que no atual multipartidarismo a diversidade no número de partidos efetivos ou relevantes – tanto nas eleições como na composição dos legislativos nacional e estaduais – em cada estado constitui-se em uma característica marcante do sistema partidário brasileiro, independentemente da sua configuração9.

1.2 Legislação eleitoral e dinâmicas regionais: a interdependência entre regras institucionais e configurações político-partidárias particulares

Nesta seção, analisar-se-á a fragmentação parlamentar baseando-se não mais somente na legislação eleitoral, mas também no exame da dimensão regional na configuração do sistema partidário brasileiro. Tal objetivo é decorrente do pressuposto já citado de que o estudo de um sistema partidário, para além das regras institucionais, deve necessariamente levar em consideração aspectos como a diversidade das configurações partidárias, regionais

9 A partir de análises como as de LIMA JR. (1983) e FLEISHER (1981) pode-se identificar que tal característica já podia ser vista desde o primeiro sistema multipartidário considerado de âmbito nacional no Brasil.

ou estaduais, freqüentemente identificadas pela literatura especializada (path dependence – institucionalismo histórico).

O sistema partidário brasileiro caracteriza-se por possuir partidos políticos com abrangência nacional, mas que são perpassados por significativas diferenças regionais internas. A confluência de um sistema federativo e de um arcabouço institucional que conferem uma significativa autonomia aos diretórios estaduais em relação aos diretórios nacionais e, por outro lado, aos parlamentares em relação a seus respectivos diretórios estaduais (AMES, 2003), ajuda a explicar a diversidade seja no padrão de disputa eleitoral entre os diferentes partidos em cada estado (LIMA JR, 1997), seja de cada partido tomado isoladamente nos diferentes estados da federação. Na literatura especializada, uma das principais características das instituições constitui-se na capacidade de estabelecer e reforçar ao longo do tempo padrões, normas e práticas de atuação e de interação seja na relação entre seus componentes no âmbito interno, seja no externo que acabam forjando uma espécie de cultura organizacional que tenderia a se indepentizar de seus componentes tomados isoladamente (HALL e TAYLOR, 2003).

No entanto, nos sistemas federativos pode-se identificar a coexistência de diferentes “culturas organizacionais” convivendo no interior de um mesmo partido. Desta forma, tanto os vínculos de lealdade como os de rivalidade política encontram-se em grande medida circunscritos ao âmbito regional ou estadual, o que faz com que o padrão de atuação das instituições (partidos neste caso) seja permeada por influências regionais (sobre a Argentina, outro exemplo desta mesma dinâmica, ver JONES, 2002). Ao permitir a identificação destas diferenças regionais, bem como de sua importância na configuração das instituições, a abordagem institucional-histórica possibilita identificar o peso das elites políticas estaduais nos diferentes partidos e no sistema partidário como um todo. Ao demonstrar o papel ativo que o desenvolvimento histórico exerce na definição das instituições, HALL e TAYLOR (2003) afirmam que os adeptos deste tipo de abordagem:

Tornaram-se ardentes defensores de uma causalidade social dependente da trajetória percorrida, paht dependent, ao rejeitarem o postulado tradicional de que as mesmas forças ativas produzem em todo lugar os mesmos resultados em favor de uma concepção

segundo a qual estas forças são modificadas pelas propriedades de cada contexto local, propriedades essas herdadas do passado. (HALL e TAYLOR, 2003, p. 200)

Tendo como ponto em comum esta concepção, e mesmo partindo de abordagens significativamente diferenciadas, LIMA JR (1997), NICOLAU (1996) e RODRIGUES (2002) chegam à mesma conclusão a respeito da necessidade de se conceber o fenômeno da fragmentação parlamentar como resultado, de um lado, das regras institucionais e, de outro, da configuração político-partidária própria a cada estado. Segundo estes autores, apesar das regras para a distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados serem as mesmas em toda a federação, aspectos como a alta disparidade na magnitude eleitoral identificada em cada estado teriam reflexo, por exemplo, no grau de fragmentação partidária dos mesmos. LIMA JR (1997), por exemplo, afirma que:

Ao final de quatro eleições legislativas, sob o regime geral do multipartidarismo, constata-se sua efetiva implantação, tanto do ponto de vista regional (estadual), quanto do ponto de vista do nível eleitoral, federal e estadual. Embora os partidos tenham resultado de um processo de criação de cima para baixo, ou de cisões intrapartidárias, nacionalizou-se o sistema partidário no país que, no entanto, assumiu nos estados formatos diferentes sob o impacto de condições locais igualmente diferenciadas, embora sob o mesmo marco institucional-legal. (LIMA JR, 1997, p. 311).

Assim, estados com alta magnitude tenderiam a se caracterizar por um número maior de partidos que logram êxito em alcançar assento na Câmara dos Deputados. Este estudo, assim como o de RODRIGUES (2002), demonstra que tal interpretação possui base empírica uma vez que é justamente nos estados com maior magnitude que tendem a ser encontrados os índices mais expressivos de partidos efetivos. A estabilização do número de partidos efetivos no estado de São Paulo em torno de 7 nas três legislaturas eleitas na década passada (7,5 em 1990, 6,6 em 1994 e 6,9 em 1998) constitui-se em um indicador consistente deste fenômeno. Tal aspecto pode ser, inclusive, identificado neste estado ao longo do período multipartidário anterior (1945-1965)10. Como afirmam FIGUEIREDO e JORGE (1997) ao analisarem a configuração partidária deste estado a partir do advento da Nova República:

Esta configuração em muito se assemelha ao formato do sistema partidário paulista prevalecente na democracia de 1945, cujos partidos de destaque, isto é, com efetiva

participação eleitoral e parlamentar, eram, pela mesma ordem disposta acima, o PTB, a UDN, o PSP e o PSD. Hoje, como naquela época, São Paulo apresenta quatro partidos realmente efetivos que lideram correntes de opiniões distintas e agregam a sua volta outros partidos residuais, cuja função não é outra senão a de acomodar as suas respectivas elites. (FIGUEIREDO e JORGE, 1997, p. 299)

Paralelamente ao caso paulista, o fato de Minas Gerais e Rio de Janeiro também apresentarem em média mais de seis partidos efetivos por legislatura é outro claro indicador da existência desta tendência a uma maior fragmentação em estados com maior magnitude eleitoral. A partir de dados como estes, RODRIGUES (2002) afirma que:

Como é intuitivo, o fato indica que, se todos os demais fatores forem iguais, as circunscrições eleitorais com magnitudes maiores tendem a favorecer o multipartidarismo, uma vez que o número de partidos parlamentares não pode ultrapassar o número de magnitude que serve, assim, de teto. Mas o número de partidos parlamentares dificilmente alcança a dimensão da magnitude. Por isso, magnitudes baixas tendem a reduzir o número de partidos parlamentares. (RODRIGUES, 2002, p. 178-179).

Seguindo a mesma abordagem de RODRIGUES (2002), uma outra explicação possível para a tendência a uma maior fragmentação em estados com maior magnitude eleitoral pode ser o fato de que estes mesmos estados constituem-se nas unidades da federação mais desenvolvidas economicamente. Um maior desenvolvimento econômico tenderia a produzir sociedades mais complexas, com um número maior de grupos (sociais, econômicos, identitários, de raça, opção sexual, etc.) buscando espaços, entre outros setores, na esfera política, o que tenderia a criar novos espaços de representação e, consequentemente, uma maior diversidade no âmbito da representação político-parlamentar.

Tal aspecto permite que se levante a suposição de que o recurso à dimensão histórica e à variáveis “políticas” podem ser alternativas satisfatórias para se buscar explicar as diferentes configurações e formatos do sistema partidário brasileiro no conjunto dos estados da federação. E a variável “política” a partir da qual se buscará uma maior compreensão acerca do atual multipartidarismo brasileiro – a variável independente deste estudo – constitui-se no “caráter remanescente” dos deputados federais brasileiros (arenistas e ex-emedebistas, isto é: remanescentes do período bipartidário) eleitos desde 1982 à Câmara dos Deputados.

1.3 Sistema eleitoral, atuação parlamentar e papel das lideranças: identificando-se