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2 TRATAMENTO DE DADOS PESSOAIS NO AMBIENTE VIRTUAL

4.1 Legislação nacional

A primeira fonte dos direitos correlatos à privacidade e proteção de dados no ambiente virtual a ser citada é a Constituição Federal de 1988, no que tange às suas previsões gerais de tutela à privacidade, bem como às previsões no âmbito das comunicações. Da Carta Magna,

extraímos o princípio da privacidade e intimidade no inciso X71 do artigo 5º, e princípio do sigilo

das comunicações no inciso XII72 do mesmo artigo. Tais princípios permearão a relação entre o

titular de dados e quaisquer indivíduos que realizarem funções ligadas ao tratamento. São, ainda, de extrema importância na atuação do Poder Judiciário, que deve sempre realizar uma ponderação entre os princípios envolvidos para identificar a melhor solução.

O direito ao sigilo e à privacidade frequentemente colide com o direito à informação, todos direitos fundamentais. As restrições ao direito à informação são geralmente associadas à censura e a atos restritivos de direitos humanos, por obstruírem o exercício da cidadania e da soberania popular. Assim sendo, é importante que o Judiciário realize a ponderação com razoabilidade, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, concluindo qual direito deve prevalecer em cada situação fática.

O plano infraconstitucional também possui dispositivos pertinentes. No Código Civil (Lei nº 10.406 de 2002), o artigo 21 se dispõe a tratar da vida privada da pessoa natural73, concedendo ao Poder Judiciário competência para atuar, a pedido do interessado, em casos de violação desta norma.

Todavia, a proteção de dados no ambiente virtual encontra morada mais adequada no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965 de 2014) e em seu Decreto Regulamentador (Decreto nº 8.771 de 2016). A privacidade e a proteção de dados pessoais são estabelecidas como princípios que regerão as relações no ambiente virtual logo artigo 3º, nos incisos II e III74. O inciso III tem especial importância por trazer em seu texto que a proteção de dados pessoais se dará “na forma da lei”, fomentando a discussão quanto à necessidade de criação de lei específica de proteção de dados no Brasil, a nível federal.

Algumas outras disposições relativas ao tratamento ou proteção de dados pessoais e da privacidade estão dispostas ao longo do Marco Civil. As mais notáveis estão no Capítulo II, que versa sobre os direitos e garantias dos usuários na Internet, e no Capítulo III, mais

71“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

72 “XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”

73 “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

74 “Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: (...)

II - proteção da privacidade;

III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;”.

especificamente na Seção II deste capítulo, que é inteiramente dedicada à proteção dos registros, dados pessoais e da comunicação privada. Nesta toada, o papel do Decreto Regulamentador 8.771 de 2016 é garantir maior robustez às previsões gerais sobre o tratamento e a proteção de dados contidas no Marco Civil.

Seguindo a análise do plano infraconstitucional, temos o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990), que é amparado pelo Decreto Regulamentador nº 7.962 de 2013 para melhor tutelar as relações do comércio eletrônico75 e promover proteção tão eficaz ao consumidor no ambiente virtual quanto aquela concedida às relações de consumo convencionais. O próprio Marco Civil da Internet permite, no inciso XIII do artigo 7º, a aplicação subsidiária do CDC nas relações de consumo virtuais.76

Por sua vez, a esfera penal conta com a Lei nº 12.737 de 2012, popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann ou Lei dos Crimes Cibernéticos, para lidar com outro viés da proteção de dados. Seu propósito é tipificar tipifica delitos informáticos, com previsão multa e detenção por ao menos três meses em caso de alteração ou destruição de dados ou invasão de dispositivos informáticos, estejam eles conectados ou não à rede mundial de computadores. Apesar das poucas disposições, esta lei sofreu severas críticas quando surgiu no cenário regulatório brasileiro. Isto porque sua aprovação se deu antes mesmo da promulgação do Marco Civil da Internet, tendo sido concedido pouco tempo para discussão e planejamento das disposições na seara legislativa.

Em 2014, a Lei dos Crimes Cibernéticos ganhou destaque com a Ação Civil Pública nº 0028553-98.2014.8.08.002477, iniciada na 5ª Vara Cível de Vitória (Espírito Santo), que determinou a remoção dos aplicativos Secret e Cryptic, sendo que o segundo apenas oferecia suporte ao primeiro, das lojas online que o comercializavam, bem como dos dispositivos dos usuários que haviam realizado o download, em razão da descoberta de uma ilicitude. Embora o aplicativo Secret prometesse o anonimato aos seus usuários, que postavam mensagens publicamente pela plataforma, este anonimato não era real, pois o autor das mensagens poderia ser identificado mediante o acesso ao IP (Internet Protocol) de seu dispositivo. Além

75

BRASIL. Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013. Poder Executivo. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm>. Acesso em: 28 maio. 2017. 76 “Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet.” 77DECISÃO. Ação Civil Pública. Processo nº 0028553-98.2014.8.08.0024. Natureza Cível. 5ª Vara Cível. Vitória, Espírito Santo. Distribuído em: 18 ago. 2014. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/juiz-proibe- aplicativo-secret-celulares.pdf>. Acesso em: 28 maio. 2017.

disso, o anonimato é vedado pela Carta Magna brasileira, o que gerou discussões e cominou na referida Ação Civil Pública.

Após recurso da Google contra a decisão de remoção dos aplicativos, o desembargador convocado Jorge Henrique Valle dos Santos destacou, na ocasião, a Lei dos Crimes Cibernéticos para confrontar a decisão de remoção dos aplicativos dos dispositivos dos usuários, alegando que a referida lei veda a invasão de dispositivos informáticos. De acordo com seu entendimento, o Judiciário não deveria incorrer em práticas criminalmente tipificadas para solucionar conflitos, violando o direito a privacidade de todos os usuários do aplicativo.78

Como pudemos observar, poucas são as previsões atualmente em vigor no que tange à proteção de dados no ambiente virtual. Por esta razão, o caso mencionado no parágrafo anterior não foi o único a gerar controvérsia. A seguir veremos algumas decisões judiciais paradigmáticas relacionadas ao tema, que permitirão compreender o trajeto percorrido pelo Poder Judiciário até o momento, na busca por garantir a justiça e a devida proteção aos direitos das partes mesmo na ausência de regulamentação específica.

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