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CAPÍTULO II O PROSPETO DE OFERTA PÚBLICA

2. Os Destinatários do Prospeto

2.3. Legitimidade ativa

No que toca à legitimidade para ser considerado lesado, e, consequentemente, titular da indemnização por parte dos responsáveis pelo conteúdo do prospecto, coloca- se a questão de saber quem deve beneficiar desta tutela indemnizatória.

198 Assim, CRISTINA SOFIA DIAS, A Responsabilidade Civil pelo Conteúdo cit., p. 47. 199 Isso mesmo estabelece o art.º 337.º, n.º 3.

200 Neste sentido, veja-se ANTÓNIO ROCHA ALVES, Responsabilidade Civil do

Intermediário Financeiro… cit., em especial as páginas. 34-39.

201Cfr. JOSÉ FERREIRA GOMES, “Responsabilidade Civil pelo Prospecto”, cit., p. 850 (813- 851). Assim, entendemos que caso a pessoa voluntariamente responsável assuma somente a responsabilidade de parte do prospeto, a mesma responde apenas pelos vícios dessa mesma parte.

Na vigência do Código de Mercado de Valores Mobiliários de 1991, AMADEU FERREIRA entendia que a referência do art.º 161.º, n.º 1, aos “adquirentes dos valores mobiliários oferecidos à subscrição pública”, apenas englobava, “aqueles que tenham realizado a sua aquisição no processo de subscrição pública e até ao seu

encerramento”202. Assim, para este autor, apenas os adquirentes originários de valores

mobiliários poderiam beneficiar da tutela dada pelo regime especial da responsabilidade civil pelo prospeto, argumentando que os titulares do direito ao ressarcimento ficariam definidos no momento do encerramento da subscrição, que seria o momento, “o quo”, para a contagem, o de prescrição do prazo, nos termos do art.º 164.º do Código de Mercado de Valores Mobiliários de 1991. Quanto aos adquirentes posteriores, apenas teriam essa tutela com base no eventual prospeto de admissão à cotação203.

Os argumentos invocados não persuadem de todo. O antigo art.º 161.º, n.º 1, do Código de Mercado de Valores Mobiliários de 1991, ao referir-se aos “adquirentes de valores mobiliários oferecidos à subscrição pública”, não parece querer limitar o direito à indemnização somente aos adquirentes iniciais de valores mobiliários. Caso assim fosse, o legislador tê-lo-ia dito expressamente. Se o adquirente subsequente fundou a sua decisão de investimento com base num prospeto deficiente, por que razão este não obteria a mesma proteção por parte da lei? Sendo que a lei estabelece como pressuposto da responsabilidade civil pelo prospeto a falta de informação ou a informação distorcida da realidade fáctica, não obedecendo aos princípios gerais estabelecidos, e, por conseguinte, esta informação induziu os seus adquirentes (originários ou subsequentes) em erro quanto aos valores mobiliários adquiridos, não se vislumbrando razões preponderantes para a exclusão dos adquirentes subsequentes à proteção conferida pelo regime da responsabilidade pelo prospeto de oferta pública204. Como refere GALVÃO TELLES, “não importa que algumas destas entidades não sejam compradores

202 AMADEU FERREIRA, Direito dos Valores Mobiliários, cit., pp. 396-397. 203 Cfr. AMADEU FERREIRA, Direito dos Valores Mobiliários, cit., p. 399.

204 Na ótica de ARLINDO MONTEIRO NUNES, o direito à indemnização mantém-se, mesmo no que toca às ações que já tenham sido alienadas. Refere que “com efeito, se determinado

comprador adquire um direito a ser indemnizado por força de uma deficiente ou incorrecta informação acerca do bem objecto do contrato, é claro que tal direito, que já entrou na esfera jurídica do comprador, não desaparece pelo simples facto de este transmitir a outrem o bem comprado. O seu direito é um direito que nasce das circunstâncias que rodearam a conclusão do contrato, pelo que não se põe em dúvida que possa continuar a fazê-lo valer junto do vendedor, independentemente da transmissão a terceiro do objecto comprado”. Nas alegações

efetuadas pelo Banco Mello no processo arbitral sobre a venda da Sociedade Financeira Portuguesa, in A Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, Lex, Lisboa, 1995, pp. 16- 17.

originários mas subadquirentes, porque os direitos reclamados na presente acção se lhes transmitiram como acessórios da titularidade das acções, em obediência ao

princípio accessorium sequitur principale”205.

Na mesma linha, CARNEIRO DA FRADA refere que, do ponto de vista da razoabilidade, a “responsabilidade por prospecto beneficia aliás quem quer que seja o titular do valor mobiliário, mesmo aquele que o adquiriu posteriormente do primeiro”206.

Por outro lado, entendemos que o art.º 152.º, n.º 1, ao fazer referência ao “momento da aquisição” não pretende considerar como lesado apenas o adquirente primário ou originário, mas, sim, todos aqueles que adquiriram valores nobiliários durante o decorrer da oferta pública, quer a aquisição de valores mobiliários tenha tido lugar em mercado primário ou secundário. Com efeito, o princípio constitucional da igualdade, previsto no art.º 13.º da CRP, determina que o que é igual deve ser tratado de forma igual, e o que não é igual deve ser também tratado de forma desigual207. Assim, é exigido que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que às situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual. Todavia, exige-se uma razoável relação de adequação e proporcionalidade entre os fins prosseguidos pela norma e a concreta discriminação por ela introduzida208. Neste sentido, tendo em conta que o fim último prosseguido pela norma da responsabilidade civil pelo prospeto é a proteção dos investidores que confiaram as suas poupanças à captação de rendimentos em valores mobiliários, e saíram lesados em virtude da desconformidade legal do prospeto, não vemos razões que possam impossibilitar o recurso dos adquirentes subsequentes ao direito à indemnização nos termos prescritos na lei mobiliária. Pelo contrário, o princípio da igualdade como princípio estruturante do Estado de Direito não consente tal discriminação.

205 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, no seu parecer sobre o caso da venda da Sociedade Financeira Portuguesa - Banco de Investimento, S.A, in A Privatização da Sociedade

Financeira Portuguesa, cit., p. 185.

206 Assim, CARNEIRO DA FRADA, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, cit., p. 146. No mesmo sentido, PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários cit., p. 716-717.

207 JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República

Portuguesa, 1.ª Edição (Reimpressão), 2014, p. 104.

208 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Introdução Geral, Coimbra, 2005, Anotação ao art.º 13.º, pp. 115-127.

Como tem vindo a proclamar o Tribunal Constitucional, “O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes”209. Com efeito, as diferenciações de tratamento entre adquirentes originários e subsequentes, no que toca à legitimidade ativa no processo de responsabilidade civil pelo prospeto, apenas se justificarão desde que estas sejam material e racionalmente fundadas. Fora destes casos, tanto os adquirentes originários como os adquirentes subsequentes beneficiam da tutela indemnizatória prevista nos artigos 149.º e seguintes do CVM.