• Nenhum resultado encontrado

3 ELEMENTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS: O DÉFICE DEMOCRÁTICO DA

3.1 Conceitos Centrais: Democracia, Descentralização e Legitimidade

3.1.3 Legitimidade

Autoridades precisam de legitimação, especialmente em sistemas democráticos, as. A legitimidade pode então ser conceituada, em princípio, como ―[...]um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer ao uso da força, a não ser em casos esporádicos.‖ (BOBBIO, 2010, p. 330). Está, assim, relacionada com a construção de consensos que transformam a obediência em adesão. Outro ponto fundamental são os elementos substantivos, ―[...] elementos descritivos, que os tornem dignos de confiança e, consequentemente, idôneos para produzir o fenômeno do consenso‖ (BOBBIO, 2010, p. 330). No âmbito internacional, entende-se, de forma semelhante, que a evidência da legitimidade é a observância (não

em que há poder concentrado em poucas famílias tradicionais, com pouca alternância e quase inexistente cheks and balances, tendo em vista que o legislativo e o judiciário muitas vezes reforçam o executivo e não o limitam. São diversos os casos. Como, no Brasil, há centenas de municípios, o controle rígido das contas públicas municipais, por exemplo, pela via federal, é difícil. Por exemplo, desde 2003, o Governo Federal, por meio da CGU (Controladoria Geral da União) passou a fazer sorteios anuais para fiscalizar os gastos municipais e estaduais quanto ao uso dos recursos públicos federais. Em muitos casos, foram encontrados problemas de gestão fraudulenta. Neste sentido, cabe destacar a importância central da educação e cultura cívicas para que o processo de descentralização possa alcançar os ganhos teóricos prometidos. Disponível em: [http://www.cgu.gov.br/assuntos/auditoria-e-fiscalizacao/avaliacao-de-programas-degoverno/programa- de-fiscalizacao-por-sorteios-publicos]. Acesso em: 12 Jul.2014.

coerciva), e que sua prática significa um processo de empoderamento consensual. (CLARK, 2005).

Esta amplitude conceitual corresponde a uma diversidade histórica de formas de legitimidade política e de ideologias dominantes. ―A democracia pode ser entendida como a fonte principal de legitimidade, mas não como a única fonte.‖ (CAMISÃO, 2012) No caso da UE, uma corrente significativa do debate sugere também um critério de identidade, relacionado à ―[...] necessidade de desenvolver uma identidade europeia mais sólida entre os constituintes europeus o que, por seu turno, contribuirá para aumentar a legitimidade democrática do processo de integração.‖ (CAMISÃO, 2012). 59

Outras dimensões adicionais de legitimidade da UE muito comuns na literatura são as da legitimidade pelo input e pelo output. A primeira depende―[...] de uma resposta satisfatória da UE às preocupações e necessidades dos cidadãos que são expressas através da sua participação direta ou indireta no sistema de governança europeu‖. A última relaciona-se com os resultados das políticas europeias para os cidadãos e assim com a questão da eficiência (CAMISÃO, 2012). Tais conceitos são comuns na literatura sobre análise de políticas públicas, em especial na abordagem da ―teoria dos sistemas‖ de Easton, que compreende a vida política ―[...] como um processo que engloba inputs (entradas ou perguntas) que vêm do ambiente externo (econômico, religioso, cultural etc..) e que se transformam em outputs (saídas ou respostas, as decisões políticas)‖. Estas, por sua vez, ―retroagem sobre o ambiente circundante, provocando, assim, sempre novas perguntas‖ (DAGNINO, 2002, p. 6). Easton a ilustrou de acordo com o esquema abaixo. 60

59 O que nos leva a refletir o processo de construção de uma identidade forjada e sua relação com a

criação de uma nova ideologia para legitimar esta (nova) fonte de poder. Dinâmica análoga à formação histórica das identidades nacionais – ver: Martins, 2002. Caso a UE adotasse uma perspectiva mais social-substantiva, isto poderia fortalecer a construção de uma identidade regional de forma indireta.

60 Ainda que haja um debate crítico na literatura sobre tal teoria, nosso propósito aqui é simplesmente

ressaltar os conceitos de ―entradas‖ (inputs) e ―saídas‖ (outputs), largamente utilizados na literatura sobre as políticas europeias.

Figura 13 – Representação da análise política de acordo com a teoria dos sistemas, de Easton. Fonte: Dagnino (2002).

No tocante à legitimidade pelo output, Huntington (1994) aponta o desempenho econômico como variável fundamental de legitimação política. E Bobbio (2010, p. 330) destaca que a legitimidade está relacionada com a percepção social sobre o desempenho de funções essenciais.

Quando o poder é firme e em condição de desempenhar, de maneira progressista ou conservadora, suas funções essenciais (defesa, desenvolvimento econômico, etc), faz com que seja aceita a justificação de seu existir, apelando para determinadas exigências latentes nas massas, e com a força de sua própria presença acaba se criando o consenso necessário.

Um problema mais profundo apontado por Bobbio (2010, p. 330) diz respeito à manipulação do consenso, mesmo em países democráticos. ―O consenso em relação ao Estado nunca foi (nem é) livre, ao contrário, sempre foi (e é), pelo menos em parte, forçado e manipulado‖, tendo em vista a necessidade de legitimação do poder. É conhecida a vertente de pensamento que aponta a manipulação de valores e ideologias como forma de manutenção ou avanço das estruturas de poder. (Na área das Relações Internacionais, podemos destacar a Escola do Soft Power 61).

Sob uma ótica mais otimista e plural, em sociedades cujo grau de escolaridade é mais elevado, podemos perceber uma maior dificuldade relativa em controlar valores, ideologias e manipular os consensos, pelo que ouvimos sempre vozes dissonantes, mais ou menos ampliadas de acordo com o contexto histórico-político.

61 Cuja referência central é o conhecido livro de Joseph Nye Jr. Soft-power. The means to success in

Ainda assim, destaca-se o caráter utópico da legitimidade plena, cujo ―[...] valor é o consenso livremente manifestado por uma comunidade de homens autônomos e conscientes.‖ (BOBBIO, 2004).