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Os conceitos de autoridade e legitimidade estão intimamente imbricados no contexto finnisiano. Ele pressupõe a assunção de toda sua linha argumentativa que clama o seguimento às normas expressas por quem quer que seja capaz de reunir em seus pares a convicção de que sua ordem realize o bem comum, ou, como já apresentado, tem autoridade31.

Em que pese a etimologia do termo legitimidade invoque a relação com a lei e seu seguimento, ela toma sentido mais relevante quando compreendida como “adesão simbólica (quase mítica) dos cidadãos a regras de procedimento consideradas adequadas para dirimir seus conflitos políticos” (MOISÉS, 1995, p. 268). Essa compreensão torna a legitimidade mais afeta às considerações da razoabilidade prática evocadas pelo direito natural, enquanto a origem do termo diz sobre “tornar de acordo com a lei”, aqui se expressa uma disposição pessoal do indivíduo em sujeitar-se à lei, e esta adesão manifesta seu desejo e reconhecimento quanto à solução dos problemas de coordenação.

Legitimar deixa de ser mera subsunção à norma legal e passa a ser a disposição pré-instituída através da qual alguém confere à lei, norma ou ordem, a chancela de que se guiará pelas determinações que lhe forem impostas, visto que nelas antevê a vontade de permanência da ordem que lhe confere estabilidade e virtual florescimento, em outras palavras:

Temos assim, por um lado, a legitimidade que progressivamente é assumida como exigência incontornável de toda a atividade social – da política, dos negócios, da arte e até mesmo dos domínios da vida privada. Por outro lado, trata-se de uma legitimidade com

31 “Essa regra empírica é a seguinte: as estipulações de uma pessoa terão autoridade quando uma pessoa razoável na prática, com o bem comum em vista, achar que deveria consentir nelas” (FINNIS, 2007, p. 244).

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características próprias: entendida como prática racional que se contrapõe ao poder autoritário fundado na tradição e na força. E enquanto prática racional, a legitimidade das sociedades modernas assume forma discursiva e argumentativa, quer dizer, é mediada simbolicamente pela comunicação pública, por um discurso com exigências racionais e críticas, cujos argumentos são sujeitos a justificação. (ESTEVES, 2003, p. 149-150)

Assim como a inclinação racional do homem ao seguimento da lei32, a legitimidade opera nos dois campos, confere responsório racional à

assunção normativa e permite que haja efetivo e eficiente seguimento normativo nas atividades do dia-a-dia, sem necessidade de justificação constante. Torna assim, operacionalizável o ordenamento legal. A sequência argumentativa é semelhante àquela que postula o Estado de Direito apto à efetivação do bem comum: primeiramente há uma inclinação racional (insight) à necessidade organizativa - comunidade - e ao reconhecimento de que há sujeitos capazes de fazer guiar a vontade comum ao florescimento de seus membros; quando desloca-se a análise ao campo da efetivação a necessidade organizativa deixa de contemplar o bem comum substancial e passa a buscar aquele que instrumentalmente servirá de base ao florescimento dos membros da comunidade, da mesma forma a legitimidade deixa de ser uma inclinação racional presente em cada indivíduo para ser aportada como conjunto de regras reproduzíveis e previsíveis que pretendem garantir a efetividade da concordância do dever atentar àquelas leis que seguiram o caminho instituído à sua validação.

Em síntese, legítimo é aquele (sujeito, grupo ou instituição) que consegue constituir-se enquanto autoridade. Adentrando ainda mais no campo da efetivação e na busca por responder ao objetivo desse trabalho, segue uma questão importante ainda a ser dirimida: é possível emprestar esse impulso de supor dever guiar-se a uma pessoa ou grupo através de um procedimento

32 Corrobora tal compreensão a conclusão expressa por Finnis: “Given the more adequate concept of common good, there is no reason (...) to conclude that the justifying rationale of civil association and law is anything other than the good of all those who, by their cooperation, can reasonably hope to advance the common good of their community.” (FINNIS, 2011, p. 70)

62 legal? Se avançarmos mais, será possível instituir regras capazes de tornar algo suficientemente legítimo a representar as ideias de alguém?

Conforme referenciado na seção IX deste trabalho, o bem comum é responsabilidade de toda a multidão, da comunidade como unidade agregativa dos membros do grupo em questão; a lei é elemento ordenador a esse fim de nata persecução por parte da associação racional dos indivíduos; a realidade associativa demonstra inviável a comunhão ordenativa de toda a multidão, dessa feita são erigidos membros a quem cabe a gestão, ou a coordenação. A coordenação, uma vez embasada nos seus fins puros, confere a seu detentor autoridade sobre os demais e - a consecução e satisfatória guia ao objetivo de desenvolvimento pleno ao florescimento – legitima suas atuações. Qual a forma, pois, de manter sob a égide da autoridade legítima àqueles a quem é conferido o condão de coordenar a comunidade?

Parece, ao fim, que a permanência do vislumbre de que a responsabilidade sobre o bem comum pertence, ainda que de forma mediata, a toda a comunidade, a multidão e, em última análise, a cada indivíduo é fator essencial à ideal conferência dos poderes próprios aos representantes. Não sejam estes compreendidos como artífices articuladores dos anseios comunitários sobre os quais recai o fardo do bem comum, a partir das perspectivas que os fizeram atingir esse espaço (ideais, carisma, capacidade de articulação, potencial e efetiva representação e, sobretudo, autoridade nos termos finnisiano de comprometimento ao bem comum), propagar-se-á a temerosa institucionalização iluminista dos representantes como excepcionais membros de um corpo social, cujas características superiores lhe conferiam a posição. A salutar compreensão da representação política só existe observada dentro do campo do florescimento individual, cuja pluralidade faz-se manifestar também na capacidade coordenativa de alguns membros.

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