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A legitimidade do Ministério Público

A solução para o Ministério Público, no entanto, é diversa.

Cuida-se de instituição especificamente criada, destinada, treinada e acostumada à tutela de interesses metaindividuais, sendo o ato principal, inclusive como tem mostrado a prática das Promotorias de Justiça, a formalização dos

183 Maria José Lopes de Araújo Saroldi, Termos de ajustamento de conduta de gestão de resíduos

compromissos de ajustamento, podendo, via de conseqüência, atuar em qualquer área em que aplicável o instituto.

E nem poderia ser diferente. Se o Ministério Público é legitimado para o todo da ação civil pública, incluindo todos os assuntos por ela passíveis de tutela, e podendo os termos de ajustamento ter por objeto todas as matérias veiculáveis por esse meio, conseqüente a absoluta amplitude de sua atuação.

Concordando com o exposto, e referindo-se às resistências oriundas de terras alienígenas, assim pondera Mancuso:

“Tais críticas podem, quiçá, ser válidas para outros países, mas não se aplicam, à toda evidência, ao Ministério Público em nosso país, instituição una e indivisível, permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, vocacionada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127 e § 1º). As estatísticas demonstram a absoluta superioridade do número de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, em face daquelas propostas pelos outros co-legitimados.

(...)

Simpósios, congressos, criação de órgãos específicos relacionados à tutela dos interesses difusos são indicativos de que o Parquet é bastante atuante na defesa dos interesses metaindividuais, mormente nas áreas da relação de consumo, da defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural.”184

Sobre a prelavência do Ministério Público na defesa dos interesses metaindividuais, a crítica de Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz:

184 Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio

“Não deixa de preocupar a larga preponderância dessa instituição quando se trata de atuação em defesa de interesses difusos (com certeza é ela responsável pela atuação em mais de 90% dos casos). Preocupa pois esse é um sintoma claro da fragilidade de nossa democracia, na medida em que revela o grau ainda incipiente de organização da chamada ‘sociedade civil’, a grave crise nacional da educação, a baixa consciência dos cidadãos quanto aos seus direitos mais elementares, o sentimento generalizado da impotência diante da impunidade.”185

Deve ficar registrado, em abono, que, dos co-legitimados, o Ministério Público é o único aparelhado com o inquérito civil público, e que exerce o mister da defesa de interesses matindividuais com exclusividade, diferentemente dos demais que, ordinariamente, desempenham outras funções.

A circunstância é lembrada por Rodrigues:

“As razões já apresentadas para demonstrar que o Ministério Público é o protagonista da tutela judicial podem ser invocadas para afirmar o mesmo na esfera extrajudicial, acentuadas pelo fato de as associações não poderem celebrar ajuste de conduta. Sendo o Ministério Público instituição vocacionada para a tutela de direitos, não tendo nenhum outro tipo de atribuição como ocorre com todos os demais co-legitimados responsáveis pelas múltiplas atividades de administração pública, é esperado que o

Parquet exerça um papel de relevo na celebração do ajustamento

de conduta.”186

185 Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Inquérito civil: dez anos de um instrumento de

cidadania, in Édis Milaré (Coord.), Ação civil pública: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 64.

186 Geisa de Assis Rodrigues, Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e

Acentuando o papel do Ministério Público da defesa de interesses matindividuais, acrescenta Mazzilli: “Seu mister desenvolve-se tanto na esfera extrajudicial, como na judicial, chegando a propor, num só ano, apenas na Comarca da Capital, milhares de ações civil públicas.”187

Logo adiante:

“Ora, nestes anos todos, o Ministério Público brasileiro especializou-se com a criação de promotorias de proteção ao meio ambiente, consumidor, ao patrimônio público, à cidadania, às pessoas portadoras de deficiência, aos idosos, etc.

(...)

Insista-se, enfim: o que importa não são apenas as garantias da instituição, mas também a forma com que seus agentes se desincumbem de seus misteres, em defesa da lei e não dos interesses dos governantes e poderosos. E, em termos de garantias institucionais, a Constituição de 1988 as deu ao Ministério Público. Em termos pragmáticos, embora na esfera da responsabilização de governantes em exercício não tenha havido progressos no Ministério Público dos Estados, no mais, basta ver, nestes anos todos de vigência da LACP, o significativo número de ações civis públicas propostas pelo Ministério Público em todo o país, em defesa especialmente do meio ambiente, do consumidor e do patrimônio cultural.”188

Akaoui traz interessante pesquisa sobre a efetividade da atuação do Ministério Público na confecção de compromissos de ajustamento:

187 Hugo Nigro Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e

outros interesses difusos e coletivos, cit., p. 154-155.

“E não resta dúvida de que o instrumento tem sido muito utilizado pelos legitimados, notadamente pelo Ministério Público, sendo de trazer a colação alguns dados estatísticos:

- No ano de 2001, o Ministério Público do Estado de São Paulo contabilizou 245 compromissos de ajustamento de conduta somente no mês de setembro.

- Entre os meses de janeiro e outubro de 2001, o Ministério Público de Santa Catarina arquivou 386 procedimentos de investigação (aí incluídos inquéritos civis, procedimentos administrativos e peças de informações) com compromisso de ajustamento de conduta.

- Entre agosto de 2001 e julho de 2002, o Ministério Público do Estado de São Paulo firmou 2.726 compromissos de ajustamento de conduta.”189

Pelo que se tem, desta forma, seja em termos legais, seja em termos práticos, sempre visando o interesse maior da tutela dos direitos metaindividais, não se há como restringir, sob qualquer forma ou argumento, a legitimidade do Ministério Público para firmar compromissos de ajustamento de conduta.

Nesse sentido a própria orientação do Pretório Excelso, explicitada no seguinte julgado: “A custódia da lei, deferida ao Ministério Público, não pode sofrer restrições, na exegese de norma processual, coarctando-lhe o pleno desempenho do ofício.”190

189 Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Compromisso de ajustamento de conduta ambiental, cit., p.

68.

190 STF − RE n. 92656-9/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Néri da Silveira, v.u., j. 03.12.1984, Lex-JSTF n.

Em termos mais específicos e sintéticos, o órgão do Ministério Público legitimado para o ajuste é o mesmo a que se confere atribuição para a instauração do inquérito civil respectivo e propositura de eventual ação civil pública, conforme determinado nas regras de distribuição interna de atribuições, já que cabe exclusivamente a cada Ministério Público, por meio de ato do chefe da instituição, disciplinar essa questão.

Nada impede, ao contrário, pode ser muito recomendável, que mais de um membro do Ministério Público, com atribuição diversa, firme o acordo.

Ocorre que, não raro, tênue a linha que separa uma atribuição ministerial de outra, quando determinado fato efetivamente invade a seara de mais de uma delas.

Assim, determinada conduta pode interessar tanto, por exemplo, ao meio ambiente ou cidadania, quanto infância e juventude, ou pessoas portadoras de deficiência, sento interessante, nessas hipóteses, que todos os membros do Ministério Público com atribuição nas matérias compareçam ao ajuste.

Como não poderia ser diferente, em relação ao termo de compromisso de ajustamento, se aplicam as regras atinentes à suspeição e impedimento dos órgãos do Ministério Público, assim como ocorre na propositura da ação civil pública e na própria instauração do inquérito civil.