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Lei 11.794 de 08 de outubro de 2008 – Lei Arouca

3 OS ANIMAIS NÃO HUMANOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

3.3 REFLEXOS INFRACONSTITUCIONAIS NO DIREITO DOS ANIMAIS NÃO

3.3.3 Lei 11.794 de 08 de outubro de 2008 – Lei Arouca

Para regulamentar o art. 225, §1º, VII da CRFB/1988, foi sancionada a Lei 11.794 em 08 de outubro de 2008, conhecida popularmente como Lei Arouca105, que regulamenta o uso científico de animais.

O referido diploma revogou a Lei 6.637/79, que estabelecia normas para a realização do procedimento conhecido como vivissecção em animais que, segundo Rita Leal Paixão106 é:

Alguns grupos de proteção animal e opositores à experimentação animal, no entanto, preferem utilizar o termo “vivissecção”, que tem sua origem no latim, com a junção de “vivus” (vivo) e “sectio” (corte secção). Logo, vivissecção quer dizer “cortar um corpo vivo”, enquanto o termo dissecação refere - se a “cortar um corpo morto”.

A lei revogada, apesar de não deliberar quanto à abordagem ética e bioética da prática, proibia que esta fosse realizada em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo grau ou qualquer local frequentado por menos de idade.107 Com a promulgação da nova lei, a possibilidade de locais em que a vivissecção é permitida se estendeu para estabelecimentos de

104MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; PETTERLE, Selma Rodrigues. Análise Crítica do Código Civil de

2002 à Luz da Constituição Federal Brasileira: Animais Não Humanos. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Ano 24, v. 93, p.65-88, jan./mar. 2019

105 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fountoura de; Albuquerque, Luiza. O Lado Obscuro dos Cosméticos. Revista

dos Tribunais Online. Vol. 78/2015, p. 357 – 382.

106 PAIXÃO, Rita Leal. Experimentação Animal: razões e emoções para uma ética. Dissertação (Doutorado

em Saúde Pública) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 2001, p. 189.

107 BRASIL. Lei 6.637 de 08 de maio de 1979. Estabelece normas para a prática didático científica da

vivissecção de animais e determina outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1979 Disponível em: https://tinyurl.com/y8tq4oqb. Acesso em: 11 mar. 2020.

educação profissional técnica de nível médio da área biomédica, não citando a cerca de menores de idade estarem ou não presentes.108

Além do retrocesso supracitado, também é reprovável a ausência de vedação a utilização de animais para fins didáticos ou científicos na hipótese de existirem métodos substitutivos.109

Ao utilizar termos vagos e imprecisos, como o art. 14, § 1º:

Art. 14. O animal só poderá ser submetido às intervenções recomendadas nos protocolos dos experimentos que constituem a pesquisa ou programa de aprendizado quando, antes, durante e após o experimento, receber cuidados especiais, conforme estabelecido pelo CONCEA.

§ 1o O animal será submetido a eutanásia, sob estrita obediência às prescrições

pertinentes a cada espécie, conforme as diretrizes do Ministério da Ciência e Tecnologia, sempre que, encerrado o experimento ou em qualquer de suas fases, for tecnicamente recomendado aquele procedimento ou quando ocorrer intenso sofrimento.

O artigo define que o animal deverá ser eutanasiado caso ocorra intenso sofrimento sem, no entanto, definir o que seria “intenso sofrimento”, o que dificulta sua efetiva aplicação.110

Diante do exposto, fica claro que, apesar da Lei Arouca ter surgido com o intuito de proteger os animais, através da regulamentação do art. 225, §1º, VII, CF, tem o efeito oposto. Ao permitir o uso de animais em experimentos científicos e de estudo, promove a barbárie e a crueldade contra seres incapazes de se defender.

Leticia Albuquerque e Fernanda L. F. Medeiros111 assim questionam:

Como pode uma lei que regulamenta o uso de animais na pesquisa e no ensino, ou seja, a exploração animal, estar de acordo com o que dispõe a Constituição Federal que, expressamente veda a crueldade animal? A Lei Arouca atende ao proposto pela Constituição ou apenas reforça o status quo de exploração animal?

108 BRASIL. Lei 11.794 de 08 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do §1º do art. 225 da Constituição

Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a lei n 6.638 de maio de 1979; e da outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2008 Disponível em:

https://tinyurl.com/ow86f5b. Acesso em: 11 mar. 2020.

109 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fountoura de; Albuquerque, Luiza. LEI AROUCA: Legítima Proteção ou

Falácia Que Legitima a Exploração? XXIII Encontro Nacional do CONPEDI/UFSC.

Florianópolis:COMPEDI, 2014, v. II, p. 307-336. Disponível em: https://tinyurl.com/y7ltssc3. Acesso em 11 mar. 2020.

110 Ibidem. 111 Ibidem.

A Lei Arouca, seguindo o paradigma adotado pela legislação infraconstitucional e em discrepância com a Carta Magna de 1988, representa o retrocesso à proteção ambiental e ao bem-estar dos animais não humanos.

Em 2013, tentando mudar o cenário atual, foi apresentado pelo Deputado Ricardo Izar (PSD – SP) ao Congresso Nacional o projeto de lei n. 6602/2013, que tem como intuito alterar os arts. 14, 17 e 18 da Lei Arouca, para que a utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais com substâncias para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético seja proibida, além de aumentar os valores de multa nos casos de violação desses dispositivos

O projeto, que passou a ser denominado n. 70/2014 se encontra em tramitação no Senado Federal desde o dia 11 de junho de 2014,112 tendo em julho de 2019 recebido voto favorável do relator, com as seguintes ementas:

Dê-se ao art. 1o do Projeto de Lei da Câmara no 70, de 2014, a seguinte redação: “Art. 1o Os arts. 3o e 14 da Lei no 11.794, de 8 de outubro de 2008, passam a vigorar com as seguintes alterações:

‘Art. 3o [...]

V – produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes: preparações constituídas por ingredie ntes naturais ou sintéticos, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência, corrigir odores corporais, protegê-los ou mantê-los em bom estado.

[...]

Art. 14 [...]

§ 11. É vedada a utilização de animais vertebrados em testes de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive os testes que visem a averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança.

§ 12. É vedada a utilização de animais vertebrados em testes de ingred ie nte s que componham produtos de higie ne pessoal, cosméticos e perfumes, inclusive os testes que visem a averiguar seu perigo, sua eficácia ou sua segurança.

§ 13. Dados provenientes de testes em animais não poderão ser utilizados para autorizar a comercialização de produtos ou ingredientes cosméticos, exceto nos casos em que, mediante autorização do CONCEA, forem obtidos para cumprir regulamentação nacional ou estrangeira, desde que observadas, cumulativamente, as seguintes condições:

I – o ingrediente deve oferecer um benefício essencial para a saúde do consumidor ou para o meio ambiente e não pode ser substituído por outro ingrediente cosmético capaz de desempenhar essa função;

112 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei da Câmara n. 70, de 2014. Altera dispositivos dos arts. 14,

17 e 18 da Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, para dispor sobre a vedação da utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais com substâncias para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético em humanos e aumentar os valores de multa nos casos de violação de seus dispositivos. Disponível em: https://tinyurl.com/yal82yk2. Acesso em: 11 mar. 2020.

II – existência de evidências do propósito não-cosmético do teste, incluindo um histórico de uso mínimo de 12 (doze) meses para o ingrediente fora do setor de cosméticos.

§ 14. É permitida a comercialização de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes, bem como dos ingredie ntes que os compõem, que tenham sido testados e m animais antes da data em que o § 13 deste artigo comece a produzir efeitos. § 15. Os métodos alternativos internacionalme nte reconhecidos serão aceitos pelas autoridades brasileiras em caráter prioritário.

§ 16. Em circunstâncias excepcionais em que surjam graves preocupações no que diz respeito à segurança de um ingredie nte utilizado em produto de higie ne p essoal, cosméticos e perfumes, as proibições constantes dos §§ 11, 12

e 13 deste artigo poderão ser derrogadas pelo CONCEA, mediante consulta pública prévia à sociedade civil, desde que simultaneamente satisfeitas as seguintes condições:

I – tratar-se de ingrediente amplamente utilizado no mercado e que não possa ser substituído por outro capaz de desempenhar função semelhante;

II – detectar-se, de maneira fundamentada, problema específico de saúde humana relacionado ao ingrediente;

III – inexistir método alternativo hábil a satisfazer as exigências de testagem.”113

Caso o projeto de lei n. 70/2014 seja aprovado, a Lei 11.794/08 estará, mesmo que minimamente, um passo mais próximo de alcançar seu objetivo inicial, e se alinhar com o art. 225, § 1.o, VII, CF que veda expressamente a crueldade contra animais não humanos.

113 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei da Câmara n. 70, de 2014. Altera dispositivos dos arts. 14,

17 e 18 da Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, para dispor sobre a vedação da utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais com substâncias para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético em humanos e aumentar os valores de multa nos casos de violação de seus dispositivos. Disponível em: https://tinyurl.com/yal82yk2. Acesso em: 11 mar. 2020.