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2.3 A legislação brasileira sobre programas de integridade

2.3.3 Lei Federal nº 13.303/2016

A Lei Federal nº 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais, foi criada com a finalidade de estabelecer regras mais precisas para a constituição e o funcionamento das estatais, como também impor leis relacionadas à governança corporativa e de programas de integridade (compliance).

Esta Lei foi estabelecida a partir de uma exigência constitucional prevista no artigo 173, nos seus parágrafos 1º, 2º e 3º24, em redação conferida pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, que tratou da reforma administrativa do Estado, estabelecendo regras sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias,

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Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) § 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. § 3º A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Com a reforma administrativa do Estado, as empresas públicas e sociedades de economia mista, principalmente, aquelas que exercem atividades econômicas, passaram a ser controladas e administradas sobre os princípios da administração pública, principalmente, no tocante às contratações públicas. A ideia dos constituintes à época foi evitar os graves problemas que as administrações das estatais vinham passando como, por exemplo, a falta de controle adequado de suas atividades financeiras e administrativas. Foi necessário, portanto, a de edição de uma lei com o objetivo de aumentar o controle da administração e a forma como deveria ser administrada.

A legislação exigiu, dentre outras medidas, a implementação da governança corporativa, práticas de gestão de riscos e mecanismos de controle da atividade empresarial como transparências, equidade e accountability. Na área de contratações de produtos e serviços, por exemplo, aprimorou a publicização dos atos de contratação (openness), tornando-se mais rígida para o fim que almeja a estatal referente à contratação direta, bem como a compra e venda de ações, dívida e bens que produzam ou comercializam.

Portanto, com a promulgação da Lei 13.303/2016 passou a ser obrigatória para todas as estatais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de prestação de serviços públicos, as regras de governança e também de procedimentos de programas de integridade.

Da mesma forma que houve tratamento diferenciado para empresas de pequeno porte, o legislador estabeleceu uma ressalva às empresas públicas e às sociedades de economia mista que tiver, em conjunto com suas respectivas subsidiárias, no exercício social anterior, receita operacional bruta inferior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais).

Com relação aos entes federativos, a lei determinou que o chefe do Poder Executivo editasse atos no prazo de 180 (cento e oitenta) dias que estabeleçam regras de governança destinadas às suas respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive, àquelas que possuem tratamento diferenciado, sob pena de serem reguladas pela norma federal.

Embora haja ressalvas para determinadas estatais, a legislação impôs obrigatoriedade para todas estatais que possuam participações em sociedade empresarial, independente de ter controle acionário ou não, a implementação de controles proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio das quais são partícipes, considerando, para esse fim, as

seguintes questões:

a) documentos e informações estratégicos do negócio e demais relatórios e informações produzidos por força de acordo de acionistas e de Lei considerados essenciais para a defesa de seus interesses na sociedade empresarial investida;

b) relatório de execução do orçamento e de realização de investimentos programados pela sociedade, inclusive quanto ao alinhamento dos custos orçados e dos realizados com os custos de mercado;

c) informe sobre execução da política de transações com partes relacionadas; d) análise das condições de alavancagem financeira da sociedade;

e) avaliação de inversões financeiras e de processos relevantes de alienação de bens móveis e imóveis da sociedade;

f) relatório de risco das contratações para execução de obras, fornecimento de bens e prestação de serviços relevantes para os interesses da investidora;

g) informe sobre execução de projetos relevantes para os interesses da investidora;

h) relatório de cumprimento, nos negócios da sociedade, de condicionantes socioambientais estabelecidas pelos órgãos ambientais;

i) avaliação das necessidades de novos aportes na sociedade e dos possíveis riscos de redução da rentabilidade esperada do negócio;

j) qualquer outro relatório, documento ou informação produzido pela sociedade empresarial investida considerado relevante para o cumprimento do comando da empresa.

Nota-se um importante avanço institucional que as administrações públicas passaram a adquirir. Independente da participação que as estatais e os modos como elas atuam, são obrigadas a responder e fiscalizar medidas da governança corporativa, revelando um compromisso e uma profissionalização das atividades públicas. A responsabilidade do gestor público, portanto, ganhou novos contornos e precisa ser aprimorado e adaptado não só os princípios da administração pública como às regras de governança corporativa.

A exemplo disto, observa-se a ênfase na transparência, prestação de contas e as normas de integridade. As estatais têm como uma obrigação legal o dever de assumir compromissos que revelam fundamentais para o equilíbrio e a manutenção das suas atividades, conforme se visualiza abaixo:

com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa pública, pela sociedade de economia mista e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização para suas respectivas criações, com definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim, bem como dos impactos econômico- financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos;

II - adequação de seu estatuto social à autorização legislativa de sua criação;

III - divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes, em especial as relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração;

IV - elaboração e divulgação de política de divulgação de informações, em conformidade com a legislação em vigor e com as melhores práticas;

V - elaboração de política de distribuição de dividendos, à luz do interesse público que justificou a criação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;

VI - divulgação, em nota explicativa às demonstrações financeiras, dos dados operacionais e financeiros das atividades relacionadas à consecução dos fins de interesse coletivo ou de segurança nacional;

VII - elaboração e divulgação da política de transações com partes relacionadas, em conformidade com os requisitos de competitividade, conformidade, transparência, equidade e comutatividade, que deverá ser revista, no mínimo, anualmente e aprovada pelo Conselho de Administração;

VIII - ampla divulgação, ao público em geral, de carta anual de governança corporativa, que consolide em um único documento escrito, em linguagem clara e direta, as informações de que trata o inciso III;

IX - divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade.

Outra importante inovação trazida pela norma foi as condições que as estatais exploradoras de atividade econômica têm distintas às outras empresas do setor privado. As diferenças deverão estar claramente definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente, obrigando-as dar ampla publicidade desses instrumentos, além de ter seu custo e suas receitas discriminadas e

divulgadas de forma transparente, inclusive no plano contábil. As sociedades de economia mista com registro na Comissão de Valores Mobiliários, por exemplo, se sujeitarão ao regime informacional estabelecido pela autarquia e devem divulgar as informações conforme previsão em seus estatutos.

No tocante às regras de estruturas e práticas de gestão de riscos que envolvem a prestação de contas e o controle interno, as estatais deverão necessariamente adotar práticas cotidianas de controle interno principalmente nas ações dos administradores, e de seus funcionários, cujas atividades deverão ter uma área responsável pela verificação de cumprimentos, obrigações e gestão de riscos, por intermédio de um comitê de auditoria estatutária a fim de aplicar auditoria interna.

A partir disto, surgem os programas de integridade como uma ferramenta indispensável às práticas de governança, como de fato já é obrigatória pela Lei n 13.303. Segundo o §1º do artigo 9º as estatais deverão:

a) elaborar e divulgar Código de Conduta e Integridade que prevejam os princípios, valores e missão;

b) adotar medidas de orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;

c) criar instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade.

d) disponibilizar canais de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais.

e) aperfeiçoar mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias.

f) introduzir sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Conduta e Integridade; e,

g) implementar treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, a administradores.

Outra importante exigência legislativa que se revela característico da governança corporativa diz respeito aos requisitos para ocupação de cargos nos Conselhos de Administração e de direção das estatais. As nomeações para esses cargos deverão ter formação acadêmica compatível com a função, comprovada experiência profissional, e ainda,

sujeitar-se às assunções de compromisso com metas e resultados específicos a serem alcançados, os quais deverão ser aprovados e posteriormente fiscalizados pelo Conselho de Administração.

Nesse sentido, aliás, a lei da estatais exige uma rigorosa fiscalização pelos órgãos de controle, sejam externos ou internos, em todas as esferas de governo conforme sua competência de alçada, visando analisar, dentre outros, três princípios primordiais: legitimidade, eficácia da utilização dos recursos financeiros e a economicidade. O Estado de Pernambuco, por exemplo, por intermédio do Chefe do Poder Executivo, diante da exigência e obrigatoriedade desses mecanismos em suas estatais, editou o Decreto Estadual nº 43.984/2016, o que posteriormente deu incentivo a criação da Lei Estadual nº 16.309/2018, reforçando o cumprimento e efetividade dos mecanismos de governança e compliance público.