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4. O ensino de PL2 para alunos Surdos

4.1 Leis e Educação Bilingue

Referimos neste trabalho a criação do primeiro Instituto de Surdos Português, a fundação da Casa Pia de Lisboa e a história do Instituto Jacob Rodrigues Pereira, momentos que consideramos de maior destaque na História da Educação de Surdos em Portugal. Para que melhor se entendessem as evoluções/transformações ocorridas, realçámos também as primeiras tentativas de integração, realizadas na década de 60. Apesar destas mudanças (tão significativas) a lei do nosso país não se alterou e podemos mencionar, a título de exemplo, o artigo 138. o do Código Civil da época que diz“(…) a interdição do exercício dos seus direitos a todos aqueles que por motivo de (…) surdo- -mudez e cegueira se mostrem incapazes de governar as suas pessoas e bens (…)” (Carvalho,2007:16). Cerca de uma década mais tarde, em 1973, a Direção- Geral do Ensino Básico/Ministério da Educação reformulou aspetos pedagógicos na educação destes nossos alunos. Passaram a formar pessoal docente para trabalhar com aqueles e foram criadas salas de apoio, apoio – itinerante, assim como classes de integração. Foi entre 1974 e 1977 que se formaram os primeiros professores de ensino especial para trabalharem com alunos Surdos.

Com o aparecimento e a implementação do Método Bilingue (que passava por ensinar/aprender a Língua Portuguesa, escrita e leitura) países como a Suécia seguiram esta metodologia e acabaram por influenciar Portugal. Após o desenvolvimento de alguns projetos de investigação (realizados por profissionais desta área) que concluíram ser necessário diversificar as metodologias educativas, a lei portuguesa começou a evidenciar “vontade” de acompanhar estas mudanças. Assim, a Lei 9/89- Lei de Bases de Prevenção e de Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência- entende que a Pessoa Surda tem deficiência e, por isso, é reabilitável.

Em 1990 surge um Decreto-Lei (35/90) que é claro relativamente à obrigatoriedade de as crianças com necessidades educativas especiais frequentarem a escola. Passado um ano, em 1991, é redigido o Decreto- Lei que traria as orientações sobre o modo de

integração dos Surdos nas escolas da sua área de residência, ao mesmo tempo em que era fundada a Associação de Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, em Lisboa. Contudo, só passados seis anos foi introduzido na Constituição Portuguesa o dever do Estado de valorizar e proteger a Língua Gestual Portuguesa. Quando, em 1998, se fez a revisão do Decreto-Lei 319/91, este passou a prever a “necessidade de um ambiente escolar bilingue”.

Chegado o ano de 1994, Portugal assinou a Declaração de Salamanca que resultou da

Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais. Neste Encontro foi

reafirmado dever existir a possibilidade de as crianças Surdas frequentarem escolas inclusivas, com meios, métodos e filosofias próprias no âmbito de uma nova comunidade que se pretendia solidária. No sentido de criar as respostas educativas necessárias criaram-se então as Unidades de Apoio à Educação de Alunos Surdos (UAEAS). Aí trabalhavam terapeutas da fala, formadores e intérpretes de Língua Gestual Portuguesa.

O Despacho n.o 7520/98 assumiu a importância da LGP como primeira língua da Pessoa Surda e do Português escrito e, eventualmente falado, como língua segunda. Nesta altura, algumas UAEAS abriram turmas de Surdos, ao mesmo tempo que outras integravam parcialmente estes alunos. Este Despacho viria a ser revogado em 7 de janeiro de 2008 pelo Decreto-Lei n.o 3/2008. Recorde-se que este é o atual documento orientador da prática educativa que se baseia na “promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens”. Prevê uma educação- inclusiva- que tenha como objetivo a equidade educativa, que seja capaz de fornecer igualdade de acesso e de resultados a estes alunos. Também prevê a adequação do Currículo dos alunos Surdos, introduzindo áreas específicas como L1 – Primeira língua – LGP (desde o pré-escolar); L2 – segunda língua (desde o pré-escolar); e L3 – terceira língua (desde o 3.o ciclo do Ensino Básico). O Artigo 23.o deste Decreto – Lei descreve os ambientes bilingues que a educação destes alunos devem prever: “(…) possibilitar o domínio da LGP, o domínio do Português escrito e, eventualmente, falado (…)”. Refere a necessidade de haver concentração dos alunos Surdos, pertencentes a uma comunidade linguística de referência, num grupo de socialização constituído por adultos, crianças e

jovens de diversas idades que utilizam a LGP, de modo a promover “condições adequadas ao desenvolvimento desta língua e possibilitar o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem em grupos ou turmas de alunos Surdos”.

No dia 18 de dezembro de 2007 foi homologado o Programa Curricular desta disciplina para se poder lecionar LGP no Ensino Básico. Os Formadores desta área devem lecionar os programas LGP como primeira língua dos alunos Surdos, assim como “desenvolver atividades, no âmbito da comunidade educativa em que se insere, visando a interação de Surdos e ouvintes e promovendo a divulgação da LGP junto da comunidade ouvinte”. Passados alguns meses (24 de junho de 2008) foi homologado o Programa Curricular de LGP, desta vez, para alunos do Secundário.

Havendo necessidade de orientações para o ensino do Português como segunda língua (nos Ensinos Básico e Secundário) surge o Programa Curricular de Português Língua Segunda para alunos Surdos, a 15 de fevereiro de 2011. Este documento curricular de referência reconhece o Modelo de Educação Bilingue e considera a LGP como a língua materna do Surdo e o Português, não como língua estrangeira, mas como “língua específica” (Programa Curricular de Português-L2, 2011:4), propondo também uma abordagem visual do ensino.

Atualmente os alunos Surdos encontram-se, como vimos, a frequentar as denominadas Escolas de Referência Bilingues. Estas pertencem a Agrupamentos de

Escolas da Rede Pública de Ensino. Assim, estes alunos têm pares com a mesma

especificidade, mas também estão em contacto com crianças de um nível de ensino equivalente. A nível nacional existem 17 Escolas, cinco do Pré-escolar e Ensino Básico; sete do Ensino Secundário e cinco dos três ciclos de Ensino. A decisão de agrupar os alunos nas Escolas de Referência Bilingues trouxe inúmeras vantagens já que ali se encontram concentrados e estão disponíveis recursos técnicos e humanos especialmente preparados para os alunos Surdos.

Como vimos, existe nestas escolas a valência de Terapia da Fala, docentes especializados em educação especial, docentes de Língua Gestual e intérpretes de Língua

Gestual Portuguesa. A concentração dos alunos Surdos, inseridos numa comunidade linguística de referência e num grupo de socialização constituído por adultos, crianças e jovens de diferentes idades que utilizam a Língua Gestual Portuguesa, promove as condições adequadas para o desenvolvimento desta língua. O objetivo principal desta rede de ensino é, então, possibilitar a aquisição e desenvolvimento da Língua Gestual Portuguesa como primeira língua dos alunos Surdos, e ainda procurar odesenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, nesta língua, aplicando metodologias e estratégias de intervenção interdisciplinares eficazes.

Apesar das inúmeras vantagens relativas à frequência destes alunos nestas instituições existem algumas dificuldades, pois muitos destes alunos não vivem junto às escolas e só vão a casa aos fins-de-semana e férias. Quando um Encarregado de Educação não pretende que o seu filho seja inserido na rede das Escola de Referência este frequentará o estabelecimento de ensino da sua área de residência; contudo não disporá dos recursos mencionados e será integrado numa turma do ensino regular. Nestes casos necessitam de escolas com campainhas luminosas e de materiais adequados às suas necessidades, como computadores, dicionários e livros de Língua Gestual, que escolas do ensino regular não têm.

Para o nosso Projeto interessa-nos o trabalho realizado no 1.o Ciclo de Ensino Básico, especificamente, no 1.o/2.o ano de escolaridade, aquando da aprendizagem da leitura e da escrita da Língua Portuguesa. Faremos então uma breve comparação entre os Programas de Português- 1.o Ciclo (regular) e PL2 com o intuito de se perceber o que os distingue e como as diferenças são significativas para o nosso público.

As competências a desenvolver no 1.o /2.o ano do 1.o Ciclo do Ensino Básico, inseridas no programa PL2, são a Leitura, a Escrita e o Conhecimento da Língua. Das competências apresentadas, o professor planifica para o 1.o ano de escolaridade e consequentemente para o 2.o ano, de modo a que, no final deste, todas as competências tenham sido adquiridas. A cada competência estão associados diferentes descritores de desempenho e conteúdos. Quando o professor estrutura e organiza o seu plano anual está a definir

Programa de PL2, para os anos de escolaridade em questão, são apresentados os seguintes domínios temáticos a estudar:” Eu e a família”; “Eu e os outros”; “Eu e o mundo”. Cada professor planifica e escolhe os domínios a estudar sendo certo que, no final do 2.o ano, todos devem ter sido lecionados.

Relativamente ao Programa de Português do Ensino Básico – 1.o Ciclo, pode-se afirmar que apresenta, como competências específicas, a Compreensão e Expressão do Oral, a Leitura e Expressão Escrita e o Conhecimento Explícito da Língua. (cf. Baptista et al., 2011:17). Por Compreensão do Oral entenda-se a capacidade de atribuir significados a discursos orais em diferentes variedades do Português, por Expressão do Oral a capacidade de produzir cadeias fónicas dotadas de significado e conforme a gramática da nossa língua, algo impossível para os alunos Surdos. A Leitura deve ser o processo interativo que se estabelece entre o leitor e o texto em que o primeiro compreende o significado do segundo e o produto que resulta do processo de conhecimento do sistema de representação gráfica (adotado com significado e de acordo com a gramática, planificado, formatado, revisto, corrigido e reformulado) será a Expressão Escrita. No caso dos alunos Surdos pretende-se que estas aquisições sejam realizadas com métodos e recursos adequados. O Conhecimento Explícito da Língua prevê que o aluno possua conhecimento sistematizado das «unidades, regras e processos gramaticais da língua» (Ministério da Educação, 2001: 32) – esta competência implica processos cognitivos e linguísticos.

Neste programa, e à semelhança do que acontece com o Programa de PL2, o docente planifica para o 1.o ano de escolaridade e, mais tarde, para o 2.o ano para que, no final do 2.o ano, todas as competências tenham sido assimiladas. A cada competência estão associados diferentes descritores de desempenho e conteúdos. Quando o professor realiza a sua planificação anual está a circunscrever os descritores de desempenho e conteúdos que irá lecionar.

O Programa de PL2 aconselha os textos a ler ao longo do ciclo, assim como apresenta as diferentes tipologias textuais a estudar. Devem ser conhecidos textos narrativos, descritivos, informativos, instrucionais, argumentativos, banda-desenhada, peças de

teatro, entrevistas, conversacionais e outros tipos de texto (poemas visuais, acrósticos, mensagens publicitárias). O mesmo acontece com o Programa de Português do Ensino

Básico – 1.o Ciclo. Para uma aproximação do Programa de Português Língua Segunda ao Programa do regular (Português do Ensino Básico- 1.o ciclo) a gramática é apresentada por domínios, de acordo com o Dicionário Terminológico. As propostas e a forma como os conteúdos são apresentados respeitam claramente as diretrizes do Programa de Ensino Básico e não têm em mente os alunos que estão a aprender Português enquanto língua segunda (PL2).

As diferenças entre as línguas possuem particular relevância: a linguística descreve a linguagem e a Língua Gestual (LG) tem a função cognitiva e comunicativa. A diferença entre a Língua Gestual e a falada está nos sinais que utilizam. Por competência linguística compreende-se a capacidade de mobilizar o conhecimento gramatical para elaborar os sons corretos e com significado (podem fazer memorização das regras que precisam para rececionar e produzir enunciados). A segunda usa sons e a voz enquanto a primeira usa gestos (com configuração, orientação localização das próprias mãos e em que a expressão facial e corporal também intervêm). 4.2 A prática pedagógica – que recursos?

Enquanto profissionais na área da Surdez e com base nas dificuldades sentidas em encontrar recursos disponíveis para trabalhar com alunos Surdos no 1.o Ciclo de Ensino Básico decidimos fazer um levantamento das necessidades de outros colegas professores. Realizamos, deste modo, um inquérito a docentes especializados na área da Surdez de forma a aferir o que consideram importante existir num Manual de 1.o ano de escolaridade do Ensino Básico – Português para alunos Surdos. O inquérito realizado baseia-se numa amostra reduzida, cerca de 50 % dos inquiridos responderam ao inquérito que procurou abranger profissionais de Escolas de diferentes zonas geográficas (Porto, Santa Maria da Feira, Ílhavo e Lisboa). Foi, também, auscultada uma formadora de

Língua Gestual Portuguesa de um Agrupamento de Escolas do Porto. Da análise dos dados recolhidos verifica-se que é unânime a opinião que um Manual adequado para alunos Surdos deve estar em consonância com o Programa de PL2. A maior parte dos auscultados foi ainda mais específico e considerou que os Manuais devem ser elaborados de acordo com os domínios temáticos previstos no Programa em vigor e que, ao serem abordados esses domínios, se está, simultaneamente, a tratar aspetos que convergem com o Programa de Estudo do Meio, permitindo assim uma transversalidade de conteúdos. Um dos participantes do inquérito referiu que considera importante que o Manual apresente o alfabeto e números em LGP, de forma a conseguir-se um Modelo Bilingue, ao mesmo tempo que se ligam as diferentes disciplinas (Português e Matemática).

Verificou-se que os docentes consideram o uso de imagens imprescindível, legendadas e em grande quantidade, devendo ser utilizadas em diversos modos: imagem real, desenho, gravura, pintura. Acham importante o facto de as imagens poderem servir de suporte ao Português, para ajudar a descodificar algum vocabulário, assim como serem utilizadas em exercícios de leitura e análise.

Outra das conclusões retiradas aponta no sentido de que, sempre que possível, se devem associar os gestos de LGP às palavras escritas, articulando o Português com a Língua Gestual Portuguesa ao assimilar e comparar as duas línguas e as suas estruturas gramaticais permitindo assim uma reflexão metalinguística. O ideal, segundo um dos participantes deste questionário, é que se utilizem quadros de síntese, esquemas e tópicos para facilitar a aprendizagem, tendo considerado vantajosa a atribuição de cores ou símbolos a tópicos fonéticos e/ou gramaticais.

Um outro aspeto referido por um dos professores inquiridos foi o facto de lhe parecer necessária a presença de conteúdos, atividades ou imagens relacionados com a História, identidade e cultura Surdas. Como proposta de exercícios, outro dos inquiridos referiu: “exercícios práticos (preenchimento de lacunas, legenda de imagens, correspondência palavra/gesto/imagem/frase)”.

Todos consideraram que a possibilidade de utilização de um Manual, elaborado no sentido de ir ao encontro das necessidades destes alunos traria inúmeras vantagens. Para além de ser mais apelativo e permitir desenvolver um trabalho em sala de aula de forma mais lúdica, contribuía de forma incisiva para o favorecimento da aprendizagem destes alunos Surdos.

O inquérito realizado foi muito importante, pois permitiu auscultar a opinião de agentes educativos de diferentes Agrupamentos de Escolas e de zonas do país distintas (cf. supra,p. 46), por conseguinte com diferentes experiências de ensino-aprendizagem. Apesar disso a opinião em relação a um Manual adequado para alunos Surdos, para o 1.o ano de escolaridade na disciplina de Português, foi unânime.

Em Portugal têm que ser os próprios docentes a criar materiais para a lecionação dos conteúdos previstos no Programa dado que os únicos Manuais disponíveis são os adotados pelos Agrupamentos de Escolas, e que não se adequam às necessidades destes alunos, uma vez que são elaborados de acordo com o Programa de 1.o Ciclo de Ensino Básico e não de acordo com o Programa Português L2. Como já se referiu, para estes alunos o ensino de Português deverá ser de Português enquanto língua segunda (L2), sendo que os Manuais existentes no mercado não se adequam a esta realidade.

Vejamos a título exemplificativo uma página de um Manual de 1.o ano de ensino básico para a disciplina de Português. O Alfa – Português 1 é um compêndio adotado em muitos Agrupamentos de Escolas. Está elaborado conforme o Programa de 1.o Ciclo de Ensino Básico, para o 1.o ano de escolaridade, na disciplina de Português, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo. Trata-se de um Manual certificado, editado pela Porto Editora em 2015, cujos autores são: Eva Lima, Nuno Barrigão, Nuno Pedroso e Susana Santos. Tem 160 páginas com o número da página em número cardinal e por extenso colocado à direita e em baixo, criando interligação de saberes/conhecimentos (Português e Matemática). A personagem principal é o Alfa que aparece logo na capa em destaque. O livro está dividido em três partes sendo que, cada uma delas apresenta os conteúdos a adquirir nos três períodos letivos. Está disponível também como e- Manual

O compêndio abre com a personagem principal num texto de Luísa Ducla Soares, apelando, mais à frente, para a Compreensão do Oral, dramatização da história e sua ilustração. Até à página 135 são apresentadas as letras do abecedário e, nas restantes, aparecem alguns textos com propostas de atividades. Cada uma das letras é “dada a conhecer” através de uma poesia de Luísa Ducla Soares, com palavras cuja repetição fonética remete para a letra a aprender, ativando os descritores de desempenho da Compreensão e Expressão do Oral. Os conteúdos são apresentados a partir de textos, numa linguagem simples e acessível, partindo do léxico comum para alunos do ensino regular. Existem ainda 15 textos de outros autores como: Matilde Rosa Araújo, Papiniano Carlos, Leonel Neves, Cecília Meireles, Eugénio de Andrade, Sidónio Muralha, Maria Isabel Mendonça Soares, Miguel Torga, Lília da Fonseca, Sophia de Mello Breyner Andresen, René Goscinny, João Pedro Mésseder, Maria Alberta Menéres e dois textos dos autores do próprio Manual. Estes textos apresentam dígrafos, conteúdos de gramática e surgem em diferentes tipologias. A tipologia textual dominante é a poesia. É proposto um convite, um texto informativo, uma narrativa, um texto instrucional (receita), uma banda- desenhada, um recado e uma lengalenga. Debrucemo-nos sobre o poema da página 20 do Manual: O Óscar não tira os óculos Dos olhos nem para dormir. Caíram da cama abaixo E vieram-se a partir. Agora as lentes parecem Dois ós soltos a fugir. Lima et al.,2011:20

Enquanto ouvintes, não sentiremos de certo dificuldades na interpretação desta estrofe, contudo, e dada a dificuldade dos alunos Surdos perceberem “realidades distorcidas”8 poderia ser difícil entenderem o que se pretende afirmar com “as lentes

8 Existe uma discrepância entre os conhecimentos do mundo e o desenvolvimento de conceitos entre Surdos e ouvintes. Os alunos Surdos, no início do processo de aquisição do Português enquanto Língua Segunda, possuem pouco domínio do mesmo, por isso, apresentam muitas dificuldades ao descodificar palavras, interpretá-las e compreendê-las. Note-se que, ao longo do processo de aquisição de uma língua, o significado das palavras evolui, muda a própria estrutura do significado, assim como a sua natureza

Figura 2 Exemplo de página do Manual Escolar Alfa – Português 1, da Porto Editora.

parecem// Dois ós soltos a fugir”. Para que se perceba melhor esta dificuldade e diferença na assimilação de conceitos mencionamos ainda um outro caso: quando os ouvintes utilizam a expressão «estás com a cabeça nas nuvens», os alunos Surdos entendem que a cabeça da pessoa vai até às nuvens, imaginam-na no céu, nunca percebendo a ideia. Vejamos uma outra página do Manual que estamos a descrever. Percebe-se que o conteúdo apresentado parte de um poema que tem uma linguagem simples adequada ao público a que se dirige, partindo do léxico comum para alunos do ensino regular. No entanto este texto não é viável com discentes Surdos. Na realidade, os psicológica. Não é, portanto, o conteúdo de uma palavra que se altera, mas o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida nessa mesma palavra. Outra questão é que as crianças ouvintes, aos poucos, percebem mudanças de sentido, mas para a criança Surda, essa perceção é difícil. O que também pode contribuir para este facto é o uso de linguagem simples (apenas os significados concretos) por parte dos

alunos Surdos não entenderiam a mensagem deste poema, pois, para eles, não faria qualquer sentido «E já tirei do nariz /mais de mil que lá havia», pois não seriam capazes de perceber que se está a fazer uma analogia. Os alunos Surdos, habituados a palavras com significados concretos, não conhecem outros «macacos» que não seja o primata antropóide. Para eles tem que se ser muito claro, expressando-nos sem qualquer subjetividade. Se nos debruçarmos sobre as propostas dadas nesta página exemplificativa percebemos que, os autores, conduzem os alunos a: ouvir a leitura do texto, o que não respeita a especificidade dos alunos Surdos; a bater palmas por cada sílaba do nome da menina ou escrever o som que ouve na primeira sílaba (o que à semelhança da proposta anterior não se adequa, pois não conseguem distinguir sons). Outra das propostas é dialogar sobre a parte engraçada da história e se, os alunos Surdos, não percebem o duplo sentido da palavra macaco, nunca irão achar engraçada nenhuma das partes, assim como não conseguirão responder à última questão. As mensagens a transmitir devem ser

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