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Leis psíquicas

No documento cintiafernandesmarcellos (páginas 33-35)

1.1 O voluntarismo e a definição de objeto

1.1.2 Leis psíquicas

A capacidade criadora da consciência humana e a consequente

incomparabilidade entre os fenômenos da experiência mediata e imediata são os fatores que levam Wundt a afirmar que, embora se trate de uma única experiência, a vida psíquica deve obedecer a uma regularidade própria. Para Wundt, tanto componentes quanto resultantes psíquicos devem fazer referência à experiência imediata, isto é, a valores qualitativos, sem contradizer as leis da causalidade física, que dizem respeito a valores quantitativos, ou admitir uma causalidade cruzada (Wundt, 1897).

Segundo ele, enquanto nas ciências naturais a maior estabilidade e a permanência do objeto permitem tratá-lo conforme leis mecânicas, como a da conservação de energia, e seus fenômenos sejam percebidos como experiências separadas que requerem a utilização de elementos conceituais para sua conexão, no caso da psicologia a natureza processual do fenômeno psíquico revela características distintas, como a percepção imediata da conexão causal entre seus processos e a presença de uma dimensão valorativa, orientada por uma noção de propósito.

Constatada a singularidade dos aspectos mediatos e imediatos da experiência e a impossibilidade de se aplicar os princípios que regem o mundo físico às expressões psíquicas, sem contradizer a autonomia lógica entre os dois domínios, a psicologia deve aceitar, segundo Wundt, o postulado de uma causalidade psíquica autônoma, compatível e complementar em relação à causalidade das ciências naturais. A partir desta noção de autonomia causal, Wundt organiza as regularidades dos fenômenos psíquicos encontradas nos estudos observacionais e experimentais sob a forma de leis que regem a experiência imediata. Entre elas, Wundt diferencia duas categorias, que compreendem leis de relação e leis de desenvolvimento. As primeiras englobam aquelas que se aplicam ao surgimento e interação imediata dos compostos psíquicos, tais como a lei dos resultantes, das relações e dos contrastes psíquicos. Já a classe das leis de desenvolvimento deriva da primeira e consiste nos efeitos complexos produzidos por combinações de leis de relação com séries mais extensas de fatos psíquicos. Elas compreendem as leis do crescimento mental, da heterogonia dos fins e da intensificação por contrastes (Wundt, 1897).

A lei dos resultantes psíquicos está relacionada ao caráter sintético e produtivo das interações de compostos psíquicos. Ela afirma que “cada composto apresenta atributos que podem ser entendidos a partir dos atributos dos seus elementos, embora de

modo algum eles devam ser vistos como a mera soma destes atributos” (Wundt, 1897, p. 321). Tal lei expressa o princípio da síntese criadora, que extrapola a equivalência entre causa e efeito das ciências da natureza ao informar que as combinações entre sentimentos e sensações não ocorre de modo passivo, mas envolve a criação de novos compostos e um sentimento de atividade e impõe à explicação psicológica um caráter retrospectivo, isto é, possível somente posteriormente à ocorrência dos fenômenos, e não a partir da simples observação de seus elementos constitutivos. Já a lei das relações psíquicas afirma que cada conteúdo singular adquire seu significado a partir das relações que mantém com outros processos psíquicos, permitindo identificar as funções de fundamento e conseqüência desempenhada por cada elemento (Wundt, 1897). De maneira complementar, a lei do contraste psíquico refere-se à constatação de que, ao longo do desenvolvimento mental, as sensações, representações e sentimentos contíguos são intensificados a partir de relações de oposição, conforme eles ou os processos que lhes acompanham sofram alguma variação quantitativa ou qualitativa.

Quanto às regularidades constatadas ao longo da complexificação destas interações, a lei de crescimento mental fundamenta-se no caráter produtivo da síntese dos compostos, que acrescenta novos elementos a cada interação e promove um desenvolvimento cumulativo da vida mental. Já a lei da heterogonia consiste na afirmação de que um motivo produz não somente seus fins latentes, mas tem sua configuração original alterada a partir da entrada desses resultantes na consciência e de sua combinação com os sentimentos e volições, dando origem a novos atos psíquicos. Por fim, a lei da intensificação amplia a dos contrastes psíquicos, tornando possível, por exemplo, que a teoria dos sentimentos proposta por Wundt seja organizada em torno de pólos de expressões afetivas contrastantes. Isso explica, segundo Wundt, que um sentimento de prazer seja mais intenso e sua qualidade específica mais claramente sentida se ele tiver sido precedido por um sentimento de desprazer (Wundt, 1912). Uma relação que também pode ser encontrada entre os sentimentos de excitação e depressão e de tensão e relaxamento.

Em decorrência dessa causalidade própria, o tipo de explicação oferecida pela psicologia também deve assumir um caráter específico, uma vez que, segundo ele, “existe apenas um tipo de explicação causal em psicologia, que é a derivação de processos psíquicos mais complexos daqueles mais simples” (Wundt, 1897, p. 24), e os elementos fisiológicos devem ser usados “apenas como ajudas complementares, em

função da relação entre a ciência natural e a psicologia” (p.24), mas nunca como uma substituição efetiva ou como termos equivalentes.

A recusa da causalidade psíquica, defendida pelas tendências de caráter materialista, extrapola, segundo Wundt, o auxílio legítimo que a fisiologia pode prestar à psicologia e apenas transfere o problema da explicação dos processos psíquicos à fisiologia cerebral. Segundo ele, a procura pela determinação da dependência da experiência imediata em relação ao corpo, pressuposta no recurso à fisiologia empreendido pela psicologia materialista, pode ser identificada com um materialismo psicofísico, é “epistemologicamente insustentável e psicologicamente improdutivo” (1897, p. 17), uma vez que extrapola os limites da ciência empírica em suas afirmações e, embora pretendendo retirar a psicologia do domínio das especulações metafísicas, subordina-a ao das ciências naturais, eliminando com isso sua autonomia explicativa. Para Wundt, embora a psicologia necessariamente considere a ligação constante dos fenômenos psíquicos com o corpo como forma de examinar a experiência imediata, a explicação do fenômeno psíquico deve permanecer restrita aos termos da sua própria série e, em momento algum, depende da determinação de sua dependência específica em relação às condições corporais.

No documento cintiafernandesmarcellos (páginas 33-35)

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