• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – Revisão bibliográfica da leishmaniose e dirofilariose felinas

II. A – Leishmaniose

7. Leishmaniose felina (LFel)

A leishmaniose em gatos causada por L. infantum foi descrita pela primeira vez em 1912 na Argélia, a partir de uma casa onde um cão e uma criança também se encontravam infectados (Sergent et al., 1912, citado por Solano-Gallego et al., 2007). Posteriormente surgiram em vários países onde a leishmaniose zoonótica está presente, relatos sobre a infecção assintomática ou doença clínica em gatos (Tabela 9 do Anexo II).

A infecção por L. donovani, L. braziliensis, L. amazonensis, L. infantum (L. chagasi), L.

major, L. tropica e L. mexicana em gatos tem sido relatada em muitos países, incluindo

Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Brasil, Egipto, Espanha, Estados Unidos da América, França, Grécia, Guiana Francesa, Honduras, Irão, Iraque, Israel, Itália, México, Portugal, Suíça, Venezuela e Vietname. Até ao momento foram registados um total de 64 casos clínicos, e quanto aos rastreios epidemiológicos realizados nos diversos países a prevalência oscilou entre 0 e 68% (com base nos dados apresentados na Tabela 9 do Anexo II).

Os casos clínicos de LFel têm sido relatados, principalmente, em áreas onde a leishmaniose é endémica. A comparação entre os vários estudos epidemiológicos realizados é por vezes difícil devido à variabilidade das populações em estudo, e à aplicação de técnicas de diagnóstico com diferentes metodologias. Contudo, a prevalência de LFel por L. infantum é regra geral baixa, o que tem sido explicado por uma possível resistência natural do gato para esta infecção; por outro lado, o número de casos pode estar subestimado pela subnotificação da doença, e pelo desconhecimento da mesma por parte dos clínicos (Ayllón

et al., 2008).

Embora a leishmaniose seja considerada uma doença rara em gatos, os avanços nas técnicas de diagnóstico associados ao interesse científico e aos maiores cuidados de saúde dedicados à espécie felina, evidenciam um aumento na incidência da infecção por

24 7.1 Sinais clínicos

Os casos clínicos de LFel são caracterizados principalmente por lesões cutâneas, embora o envolvimento visceral também já tenha sido descrito, em associação, ou como manifestação individual (Pennisi, 2002; Simões-Mattos et al., 2004, citados por Cardoso et al., 2010). A sintomatologia apontada para a LFel têm-se baseado nos dados publicados por alguns autores, e os sinais clínicos causados por esta infecção, em gatos, não estão ainda bem definidos (Ayllón et al., 2008). No entanto, na LFel causada por L. infantum as lesões mais frequentes são a dermatite nodular e ulcerocrostosa, alopecia e descamação (Ozon et al., 1998, Hervás et al., 1999, Poli et al., 2002, Pennisi et al., 2004; Rufenacht et al., 2005), sendo a forma visceral da doença menos comumente descrita, envolvendo o baço, fígado, linfonodos, medula óssea, olhos e rins (Ozon et al., 1998; Leiva et al., 2005; Hervás et al., 1999, 2001, citados por Sherry, 2010).

Os sinais clínicos cutâneos compatíveis com esta infecção incluem nódulos cutâneos, pápulas, pústulas, erosões, úlceras, crostas, eritema, alopecia localizada ou difusa e seborreia (Fig.5) (Schawalder, 1977, Craig et al., 1986, Barnes et al., 1993, Passos et al., 1996, Ozon et al., 1998, Hervás et al., 1999, Pennisi, 2002, Poli et al., 2002, Pennisi et al., 2004, citados por Rufenacht et al., 2005; Souza et al., 2005; Grevot et al., 2005; Navarro et

al., 2010; Rougeron et al., 2011; Sobrinho et al., 2012) enquanto a anorexia, a disorexia, a

perda de peso, a atrofia muscular, a depressão, a desidratação, a linfadenomegália generalizada, a esplenomegália, a anemia, a febre, o vómito, a diarreia, e a icterícia são os sinais associados à doença sistémica (Ozon et al., 1998; Schubach et al., 2004; Vita et al., 2005; Grevot et al., 2005; Hervás et al., 1999, Pennisi, 2002, citados por Rufenacht, et al., 2005; Ayllón et al, 2008; Nasereddin et al., 2008; Marcos, et al., 2009; Silva et al., 2010; Sobrinho et al., 2012). Erosões ou úlceras nas mucosas ou junções mucocutâneas e mucosas congestionadas também já foram descritas, assim como lesões oculares, tais como uveíte, panuveíte, glaucoma; corrimento ocular e nasal; e ainda otites (Vita et al., 2005; Leiva et al., 2005). Não obstante, o número de casos assintomáticos é elevado, sendo frequente detectar em estudos epidemiológicos animais infectados com parasitas presentes na circulação sanguínea sem qualquer sinal de doença e até com bom estado corporal (Maia & Campino, 2008; Diakou et al., 2009).

Um dado importante a realçar é que tal como ocorre na LCan, os sinais clínicos associados à LFel não são patognomónicos, sendo semelhantes a muitas outras doenças comumente encontrados em gatos. Sendo assim, a LFel deveria passar a ser incluída sistematicamente, na prática clínica, como um diagnóstico diferencial, especialmente, em áreas endémicas de

25

Figura 5 – Algumas lesões causadas por Leishmania spp. em gatos.

(fontes: Ozon et al., 1998; Poli et al., 2002; Simões-Matos et al., 2005; Souza et al., 2005; Vides et al., 2011).

Legenda: A - Felino com lesões cutâneas generalizadas causadas por L. infantum, alopecia, dermatite ulcerocrostosa, seborreia húmida, caquexia e mau estado geral. B - nódulo ulcerado na pálpebra esquerda; L. infantum. C – Zona cervical com alopecia, eritema e exsudação causadas por

L. chagasi. D – Pápula na orelha de um gato infectado experimentalmente com L. braziliensis. E –

Lesão nodular sobre o plano nasal, F - Nódulos de diferentes tamanhos nos pavilhões auriculares, G - Nódulos de diferentes tamanhos sobre as regiões digitais das patas causadas por L. amazonensis.

7.2 Factores de Risco

A identificação de factores de risco associados à infecção por Leishmania spp. pode ser útil para o estabelecimento de medidas preventivas, mas as informações para esta infecção em gatos são ainda escassas.

No que diz respeito a factores intrínsecos ao hospedeiro, a maioria dos estudos indica que não existe predisposição de sexo, idade e/ou raça (Solano-Gallego et al., 2007; Tabar et al., 2008; Ayllón et al., 2008; Diakou et al., 2009; Cardoso et al., 2010; Duarte et al., 2010; Coelho et al., 2011). Contudo, Pennisi (2002) verificou existir uma predisposição do sexo

26

feminino e de animais de raça Europeu Comum, enquanto Cardoso et al. (2010) observaram uma seroprevalência mais elevada em gatos com mais de 24 meses.

Quanto aos factores extrínsecos, a permanência dos gatos dentro ou fora de casa também tem sido investigada. Tem sido sugerido que animais que habitam no exterior são mais afectados (Vita et al., 2005). Cardoso et al. (2010) detectaram uma diferença significativa entre os gatos provenientes de um ambiente rural, que apresentaram maior seroprevalência de infecção, em comparação com os animais provenientes de áreas urbanas. Nasereddin et

al. (2008) encontraram também uma correlação significativa entre a altitude (> 762 m acima

do nível do mar) e a seropositividade para Leishmania spp.. Por outro lado, alguns autores sugerem a possibilidade da infecção por vírus imunossupressores (FIV, FeLV – vírus da leucose felina e PIF – vírus da peritonite infecciosa felina), ou que a ocorrência simultânea de doenças auto-imunes ou tumores, pudessem favorecer a multiplicação do parasita e a apresentação de manifestações clínicas da doença, como também ocorre no homem com o VIH (Grevot et al., 2005; Sherry et al., 2010; Vides et al., 2011). No entanto, a maioria dos estudos serológicos e moleculares não encontram relação entre a infecção por Leishmania spp. e a presença concomitante destes vírus (Poli et al., 2002; Schubach et al., 2004; Vita et

al., 2005; Martín-Sánchez et al., 2007; Solano-Gallego et al., 2007; Rufenacht, 2007; Tabar et al., 2008; Marcos, 2009, Maia et al., 2010; Duarte et al., 2010; Silva et al., 2010; Coelho et al, 2010; Coelho et al., 2011).