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Leitor mirim: um leitor em construção, sob a ótica da teoria piagetiana

No documento Marília Forgearini Nunes (páginas 34-38)

1.2 LEITOR: protagonista no ato da leitura

1.2.3.2 Leitor mirim: um leitor em construção, sob a ótica da teoria piagetiana

Ler é interagir, ou seja, é na relação entre texto e leitor que se revela o processo de leitura. Portanto, é na ação que se constrói a leitura, não se trata de algo preconcebido. A maneira com que o leitor se relacionará com o texto, no ato da leitura, por mais previsível que seja sempre ultrapassa a expectativa e pode surpreender.

A leitura, entendida dessa forma, passa a ser uma ação que ocorre no ato em si, não é algo inerente ao texto ou ao leitor, ela se efetiva na relação entre os dois. Da mesma forma, a figura do leitor, em cada texto lido, vivencia uma nova maneira de ler que é incorporada ao comportamento leitor desse sujeito. A partir disso pode-se afirmar que, quanto mais se lê, mais se aprende a ler. O leitor é, portanto, um sujeito em constante construção.

Essas concepções da figura do leitor encontram apoio nos estudos de Piaget. Afinal, para Piaget (1990) “(...) o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito” (p. 1), pois “o conhecimento é fato e não processo”

(PIAGET, 1973, p. 7). Sob essa perspectiva, a leitura não é um conhecimento inato ao ser humano, é um conhecimento construído, que evolui devido à maneira com que o sujeito lê o meio que o cerca. Além disso, é preciso que se ressalte que essa evolução é contínua, pois ela é resultado de uma interação entre sujeito e objeto de conhecimento, numa dependência mútua entre ambos, o que se caracteriza como uma “dupla construção progressiva” (PIAGET, 1973, p. 8).

A aprendizagem da leitura é, portanto, decorrente da maneira como o sujeito lê. A leitura se constrói na ação do leitor, na maneira como ele interage com o objeto de leitura. E esse modo de interagir com o texto pode ser relacionado ao estágio de desenvolvimento no qual esse leitor se encontra.

Enquanto Vigotski entende o desenvolvimento humano a partir da definição de duas zonas, a de desenvolvimento real e a de desenvolvimento proximal, Piaget observa o desenvolvimento das crianças e define estágios que podem ser utilizados como base para que se entenda não o que é conhecimento, mas como ele se realiza, já que:

[...] todo conhecimento é sempre vir a ser e consiste em passar de um conhecimento menor para um estado mais completo e mais eficaz, é claro que se trata de conhecer esse vir a ser e de analizá-lo [sic] da maneira mais exata possível. Entretanto, esse vir a ser não decorre do acaso, mas constitui um desenvolvimento e como não existe, em nenhum domínio cognitivo, começo absoluto até o desenvolvimento, este mesmo deve ser examinado desde os estágios denominados de formação [...].

(PIAGET, 1973, p. 13)

O desenvolvimento é, portanto, um processo do qual decorrem sucessivas mudanças que podem ser identificadas por meio de estágios determinados a partir da idade aproximada

dos sujeitos. Os quatro estágios apontados por Piaget são: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. A ordem desses estágios é invariável e inevitável, porém a idade em que eles são identificados pode variar de sujeito para sujeito, ocorrendo inclusive desdobramentos em tantos subgrupos quanto forem necessários (LIMA e LIMA), na tentativa de compreender o desenvolvimento da criança na sua individualidade.

Essa variabilidade em relação à idade dos sujeitos se deve ao fato de que a interação com o meio também interfere no modo com que o sujeito se desenvolve. O entendimento a respeito do desenvolvimento infantil, segundo Piaget, não considera apenas a questão da maturação biológica, mas também a interferência do meio na maneira com que o sujeito age.

Os estudos apontam que:

Somente as influências do meio adquirem importância, cada vez maior a partir do nascimento, tanto, aliás, do ponto de vista orgânico, quanto do mental. A psicologia da criança não poderia, portanto, recorrer, apenas, a fatores de maturação biológica, visto que os fatores que hão de ser considerados dependem assim do exercício ou da experiência adquirida como da vida social em geral (PIAGET apud LIMA &

LIMA, 1981, p. 27).

No que diz respeito à formação do sujeito leitor, essa questão é verdadeira, pois o modo com que o sujeito percebe a leitura, presente no mundo que o cerca, influencia sobremaneira a sua ação como leitor. A aprendizagem da leitura não é um processo empírico ou inato, “ela ocorre em contextos culturais e sociais determinados” (TEBEROSKY &

COLOMER, 2003, p. 17). Em outras palavras, a aprendizagem da leitura é uma decorrência também do meio em que ela se dá. O desenvolvimento da criança associado à maneira com que ela vê e convive com o processo de leitura são elementos importantes para o ingresso no mundo letrado.

O leitor, portanto, sob a ótica da teoria psicogenética de Piaget, é um ser em construção, construção que decorre de todas as experiências vivenciadas pelo sujeito, que o modificam e, conseqüentemente, provocam o seu desenvolvimento cognitivo. Dessa forma, mesmo os sujeitos considerados independentes no processo de leitura, não são leitores prontos, pois afinal isso é algo que não existe se considerarmos que a leitura é um processo em constante desenvolvimento.

Com relação aos estágios de desenvolvimento apontados por Piaget — sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal —, os sujeitos dessa pesquisa, com idade entre 9 e 12 anos incompletos, encontram-se entre os períodos operatório concreto e operatório formal. Esses sujeitos, portanto, estariam com a sua capacidade de construir conceitos, com base no mundo em que vivem e nas suas experiências anteriores, já adquirida.

Também já são capazes de utilizar a habilidade de leitura, isto é, de fazer uso da linguagem não em uma interação direta com um interlocutor, mas em uma “interação à distância, com um interlocutor não imediatamente acessível” (KLEIMAN, 2004, p. 7).

O sujeito leitor focalizado nessa pesquisa está em fase de formação, mas já interage e compreende um texto, estabelecendo relações entre ele e o seu conhecimento prévio na formação de conceitos. Desse leitor que, cognitivamente, oscila entre operações concretas e operações formais, espera-se que seja capaz de decodificar palavras, mas também capaz de ir além do que está escrito, capaz de inferir o que está oculto ou de enxergar o que não foi posto, mas que pode ser depreendido. O sujeito em questão não está limitado apenas ao que vê, ou melhor, ao que está escrito, mas consegue ir além das linhas do texto, evocando o seu conhecimento prévio para a construção de um novo texto a partir do que está lendo.

Essa capacidade do leitor mirim se deve ao fato, segundo Piaget (1975), do seu pensamento já ter ultrapassado o nível sensório-motor, no qual o ponto máximo é alcançar o objetivo. Em termos de leitura isso significa decodificar os símbolos e compreendê-los naquela situação específica, não havendo interesse em buscar outros modos de compreensão:

o que está posto no texto é o que deve ser compreendido. Dessa forma, é possível dizer então que o nível de representação de um leitor que não tivesse ultrapassado o estágio sensório-motor estaria reduzido ao nível do que está posto no texto, não conseguindo chegar às entrelinhas, enquanto, o do leitor que oscila entre os estágios operatório concreto e operatório formal é capaz de valer-se do que está escrito e ir além, construindo a sua compreensão com base nas representações do texto e nas suas próprias representações cognitivas.

Nesse sentido, o leitor em questão é uma criança que já alcançou a capacidade de representação, isto é, a capacidade de construir conceitos não apenas com base na realidade presente, mas também nas vivências passadas. Em outras palavras, é um leitor capaz de evocar as suas experiências e conhecimentos construídos para auxiliarem na elaboração de

novos conhecimentos. Essa noção da formação da capacidade de representação ou de construção de conceitos é explicada da seguinte forma por Piaget (1975, p. 308):

A chegada ao equilíbrio conceitual ou representativo se dá no momento em que o sujeito torna-se capaz de acomodar e assimilar fatos em relação ao objeto mesmo não estando presente. O sujeito torna-se capaz de estabelecer relações, buscar representações a partir de elementos que não estão presentes, mas que já foram assimilados.

É essa capacidade de representação que dá ao leitor a habilidade de ler, isto é, de ser agente no processo de leitura interagindo com o texto, não apenas buscando verdades no texto, mas também, principalmente, construindo verdades, através da compreensão do que foi lido. A capacidade de representação cognitiva colocada por Piaget (1975), torna-se um elemento chave na configuração do sujeito leitor no contexto dessa pesquisa. Afinal, é ela que torna esse leitor capaz de ultrapassar o nível da decodificação e alcançar o nível da compreensão do que lê, característica fundamental na escolha dos sujeitos dessa pesquisa.

No documento Marília Forgearini Nunes (páginas 34-38)

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